quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

O NASCIMENTO DE UMA NAÇÃO

Não é todos os dias que alguém decide criar um país. Foi, contudo, o que sucedeu em 1903, quando o presidente americano Theodore Roosevelt pôs termo a infindáveis negociações com a Colômbia e determinou que a parte norte deste país se tornaria independente e que teria o nome de República do Panamá.
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A discórdia, se assim se lhe pode chamar, entre as duas nações girava em torno da abertura de um canal ligando o Atlântico e o Pacífico. A empresa construtora falira e o impasse prolongava-se sem acordo à vista. Depois de uma rápida rebelião orquestrada pelo governo norte-americano e organizada no terreno por um engenheiro chamado Bunau-Varilla os colombianos ainda esboçaram um simulacro de resistência, enviando para a cidade de Colón 200 soldados. A companhia ferroviária argumentou que não tinha a possibilidade d e transportar tanta gente e acedeu em fazer chegar à cidade do Panamá apenas o general Tokar e os seus ajudantes de campo. Ali foram amigavelmente recebidos, convidados para almoçar e depois gentilmente metidos na cadeia. Todas estas cenas de opereta estão contadas no fascinante Getting to know the general, de Graham Greene.
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A 3 de Novembro de 1903 nascia o novo país. Uma semana mais tarde o governo americano e Bunau-Varilla assinavam um tratado referente ao canal, numa cerimónia em que não interveio qualquer panamiano. Durante quase um século, os Estados Unidos detiveram um completo controlo sobre 1432 km2 de outro país: o canal propriamente dito e mais 5 km para cada lado. Ali mandavam os norte-americanos: leis, tropas, tribunais, tudo se regia por princípios idênticos aos de qualquer outro estado da União. Aos panamianos estava destinado o papel de estrangeiros na sua própria terra. A Theodore Roosevelt estaria reservado o Prémio Nobel da Paz de 1906, bem como a construção da teoria do big stick, uma certa forma América de conceber a política externa e o Mundo.
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Décadas de humilhação e de ocupação ilegítima desse troço de território terminaram, de forma quase total, no dia 31 de Dezembro de 1999, quando o canal passou para a posse do Panamá, por entre comentários paternalistas sobre a capacidade dos indígenas em gerirem o seu próprio país. Graham Greene, e o seu anfitrião, o general Omar Torrijos, já não viram esse dia. Nem puderam saber que continua de pé a cláusula que prevê a possibilidade de os Estados Unidos poderem intervir militarmente se o Panamá não puder assegurar a segurança da zona. Nada de muito supreendente. O imperialismo não morreu, apenas se foi tornando mais subtil e sofisticado.


Está crónica foi publicada no DIÁRIO DO ALENTEJO, faz hoje exactamente dez anos. O tema continua actual. Omar Torrijos pereceu num desastre de aviação, em 1981. Graham Greene faleceu em 1981, aos 87 anos. O livro está disponível na amazon, com preços a partir dos 2 euros.
A imagem de Ansel Adams (1902-1984), captada no deserto do Nevada, em 1960, aponta para o infinito e para os caminhos que nunca se acabam nem se concluem.