sexta-feira, 26 de junho de 2009

KODACHROME

O Público anunciou na edição de ontem que a Kodak vai deixar de fabricar o seu mais antigo rolo a cores: o Kodachrome. Era, nos meus tempos de estudante, o mais sofisticado dos rolos. A revelação era feita em Madrid, o que implicava sempre umas semanas de espera. Ainda tenho algumas imagens de Moura nos anos 80 feitas com o inesquecível Kodachrome 64. Difícil de manejar, em termos de luz, tinha uma qualidade e um cromatismo que deixavam o Ektachrome a anos-luz.

Não vou ser cínico ao ponto de gritar contra este “atentado”. Para os trabalhos a cores de arqueologia ou património há muito que uso a máquina digital. Já só utilizo o analógico nas Leicas M6 e R7. Rolos a preto e branco: Kodak TX 400 (outra raridade em vias de extinção), Ilford PANF PLUS 50 (para luzes fortes e que fazem a Paula Campos perder a paciência no momento da revelação) e Kodak TMAX 3200, para a noite.




ESTRADA PERDIDA

Os marinheiros polacos perderam-se pelas ruelas da casbah, em busca de um restaurante aconselhado nos guias. Apareceram mortos no dia seguinte. Tinham seguido um livro antigo, dos tempos em que Argel era uma cidade pacífica. O restaurante há muito tinha desaparecido e a parte baixa da casbah convertera-se num ninho de terroristas.

 

Esta notícia, lida há muito num jornal, ainda hoje me fascina. Evoca-me um pouco o caminho da perdição do protagonista de El sur, de Borges, e o episódio narrado n’ O estrangeiro, de Camus, em que um homem é assassinado pela própria família, que não o reconhecera.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

SALÚQUIA

E desta vez não falo do bairro, mas sim do livro que Carlos Rico promoveu e organizou e da bonita sessão que teve lugar hoje de manhã na Adega da Mantana e no Cantinho da Música. Na presença do Presidente da Câmara e dos Presidentes da Juntas de S. João Baptista e de Santo Amador foi apresentado um livro que reflecte diversas interpretações da Lenda da Moura Salúquia, (re)vista pelo talento de alguns dos maiores nomes da BD portuguesa. Voltarei ao livro com mais detalhe assim que tiver um exemplar em meu poder. Os que estavam disponíveis destinaram-se, como é lógico, aos convidados.
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Uma bonita surpresa estava-nos destinada na segunda parte da sessão, e onde a música marcou também presença. Rodeados por imagens da exposição sobre a Lenda da Moura Salúquia, pudemos ouvir a interpretação de duas peças: a primeira para fagote e piano (ou orquestra?), de Carl Maria von Weber (1786-1826), na interpretação de Joaquim Simões e José Souza; e depois uma peça para piano intitulada SALLÚQUIA e que foi composta por Alfredo Keil (1850-1907), autor da música do Hino Nacional. Sallúquia é uma bonita composição e que é bem filha do romantismo da época. Irá ser gravada e colocada à disposição de todos na página web da Câmara Municipal.
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Obrigado Carlos Rico! Obrigado José Souza! Obrigado Joaquim Simões!


Contra-capa do livro (em cima) e reprodução da partitura de Sallúquia (em baixo)

PORTUGAL

Ó Portugal, se fosses só três sílabas,

linda vista para o mar,

Minho verde, Algarve de cal,

jerico rapando o espinhaço da terra,

surdo e miudinho,

moinho a braços com um vento

testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,

se fosses só o sal, o sol, o sul,

o ladino pardal,

o manso boi coloquial,

a rechinante sardinha,

a desancada varina,

o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,

a muda queixa amendoada

duns olhos pestanítidos,

se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,

o ferrugento cão asmático das praias,

o grilo engaiolado, a grila no lábio,

o calendário na parede, o emblema na lapela,

ó Portugal, se fosses só três sílabas

de plástico, que era mais barato!

 

*

 

Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,

rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,

não há "papo-de-anjo" que seja o meu derriço,

galo que cante a cores na minha prateleira,

alvura arrendada para ó meu devaneio,

bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.

 

Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,

golpe até ao osso, fome sem entretém,

perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,

rocim engraxado,

feira cabisbaixa,

meu remorso,

meu remorso de todos nós...


ó Portugal, se fosses só três sílabas

de plástico, que era mais barato!



O poema é de Alexandre O'Neill (1924-1986), as flores são da Junta de Freguesia de Santo Agostinho (Moura) 


terça-feira, 23 de junho de 2009

UM POUCO DEPOIS DO SOLSTÍCIO




A Bunda, que Engraçada

A bunda, que engraçada.
Está sempre sorrindo, nunca é trágica
Não lhe importa o que vai
pela frente do corpo. A bunda basta-se.
Existe algo mais? Talvez os seios.
Ora - murmura a bunda - esses garotos
ainda lhes falta muito que estudar.
A bunda são duas luas gêmeas
em rotundo meneio. Anda por si
na cadência mimosa, no milagre
de ser duas em uma, plenamente.
A bunda se diverte
por conta própria. E ama.
Na cama agita-se. Montanhas
avolumam-se, descem. Ondas batendo
numa praia infinita.
Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz
na carícia de ser e balançar.
Esferas harmoniosas sobre o caos.
A bunda é a bunda,
redunda
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Hoje é noite de S. João, o midsommar que se festeja na Suécia já foi há uns dias. Pouco importa. O sentido do solstício e da festa que lhe está associada é universal. Celebre-se o calor, paganizemo-nos um pouco. As palavras de Carlos Drummond de Andrade dão forma a essa ideia. A fotografia de Isabel Muñoz comunga, no silêncio da imagem, do mesmo espírito.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

220346

É este o meu número de militante do PCP. O cartão foi-me entregue hoje no Centro de Trabalho de Moura. No fundo, a militância era antiga, só não tinha cartão. Aconteceram coisas engraçadas nesta adesão, a começar pela afirmação de uma velha e querida amiga que, conhecedora da minha aversão a normas e hierarquias rígidas, me garantiu "és expulso ao fim de 15 dias!". Bom, o primeiro já passou e acho que a minha amiga (ex-militante da JCP) exagera na rigidez das estruturas organizativas do partido...
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Os princípios de luta e de solidariedade parecem-me cruciais na forma de estar e de actuar do PCP. Daí uma tardia adesão ao partido (não tanto assim, pelos padrões do antigo PCUS aos 46 anos ainda andaria pelos pioneiros) e a certeza de que a ética política e o sentido da causa pública são, no PCP e na CDU, substancialmente diferentes da de outras forças políticas. Duas décadas de empenhamento deram-me essa certeza.

Para testarem as vossas identidades e saberem a que família política pertencem tentem esta interessante página web :
Surpreendam-se tanto quanto eu me surpreendi e mais não posso dizer...
Página web do Partido Comunista Português:

MALHAS QUE UM BLOGUE TECE

Por brincadeira, resolvi introduzir no blogue um flag counter, maneira de saber onde era "seguido". A expectativa não era grande. Mas não deixa de ter a sua graça saber que o AVENIDA DA SALÚQUIA 34 já chegou a uma vintena de países:

1. Portugal
2. Brasil
3. França
4. Reino Unido
5. Espanha
6. Estados Unidos
7. Alemanha
8. Suiça
9. Holanda
10. Angola
11. Líbia
12. Austrália
13. Itália
14. África do Sul
15. El Salvador
16. Rússia
17. Japão
18. Chile
19. México
20. Bélgica
21. Canadá


domingo, 21 de junho de 2009

E.T.A. - PÁTRIA BASCA E LIBERDADE

Foi ontem a enterrar Eduardo Puelles García, chefe do Grupo de Vigilâncias Especiais da Polícia Nacional de Arrigorriaga, em Espanha. O carro em que viajava foi alvo de um atentado da ETA. A sua morte passa, agora, a integrar uma triste estatística. Em 40 anos de existência são mais de 800 as vítimas de um processo de luta pela independência.
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A única coisa coisa que até hoje, verdadeiramente, não entendi é o glamour que muita gente de esquerda vê na ETA, nos assassinatos, na extorsão camorrista (sob a designação eufemística de imposto revolucionário) e na violência. Sobretudo tendo em conta que, com frequência, os alvos dos atentados nada têm a ver com os supostos princípios de libertação que a ETA promove.

sábado, 20 de junho de 2009

SPORT LISBOA E BENFICA OU O CARNAVAL VENEZIANO

Momento 1
Surge um grupo de notáveis, mais-ou-menos notáveis e notáveis de quem nunca ninguém ouviu falar.
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Momento 2
A Pátria fica a saber, pela boca de um juiz que suava abundantemente sob os holofotes das tvs, que o movimento se chamava “Benfica, vencer, vencer”.
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Momento 3
A Pátria fica também a saber que o juiz não tinha candidato à presidência do Benfica mas que alguém haveria de aparecer. Sobretudo tendo em conta que havia notáveis, mais-ou-menos notáveis e notáveis de quem nunca ninguém ouviu falar.
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Momento 4
José Eduardo Moniz recua antes de avançar. E o movimento fica sem candidato. Luís Filipe Vieira dá entrada no hospital com um convulsivo ataque de riso.
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Momento 5
Lemos no "Público" que
O núcleo duro deste movimento — formado pelo antigo director-geral José Veiga, o médico João Varandas Fernandes, o ex-vice-presidente Fernando Tavares e Rui Rangel — ia reunir-se ontem à noite, mas o juiz desembargador garantiu [...] que o sentimento de todos era recuar, depois de um projecto que consideravam “vencedor” não ter avançado, por “falta de tempo”.
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Momento 6 e final
O carnaval veneziano - com máscaras e tudo - ainda não acabou. O Público prossegue:
Rui Rangel garantiu ainda que o movimento criado nas últimas semanas “vai continuar e fiscalizará os actos da direcção”. Para hoje está marcada uma conferência de imprensa, em que será explicada a decisão de recuar e em que também serão feitas duras críticas a Luís Filipe Vieira e aos seus colaboradores. Rangel acusa mesmo o actual presidente de ter colocado “muitos obstáculos” e de “ter feito ameaças”: “Houve hóteis, que trabalham habitualmente com o Benfica, e que se recusaram a fazer a nossa conferência de imprensa. E houve situações de tentar influenciar a imprensa, com o director de comunicação do Benfica a enviar faxes e mensagens a tentar influenciar órgãos de comunicação social, para não nos darem voz”.


Coda
O director de comunicação do Benfica ameaça com processos.
Só não se percebe o que é que faz um magistrado num ambiente destes... Um caso típico e clássico de undercover?

quinta-feira, 18 de junho de 2009

AMORE BACIAMI

Consegui, finalmente, localizar um dos mais belos anúncios de sempre (cf. infra). Foi promovido pela British Mail para incentivar à escrita no Dia dos Namorados. É de 1988 e ganhou todos os prémios que possamos imaginar. Mesmo se o nosso dia é o 13 de Junho temos de dar a mão à palmatória: o anúncio concebido por Oliver Harrison é belíssimo e comovente na sua simplicidade. E quem é que disse que os britânicos são desprovidos de romantismo?
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A voz é de Nuccia Bongiovanni (1930-1970), a mesma que dava alma ao anúncio do Fiat 500 (cf. infra).



http://avenidadasaluquia34.blogspot.com/2009/02/british-airways-1989.html

http://avenidadasaluquia34.blogspot.com/2009/01/fiat-500.html

HONORIS CAUSA - ANTÓNIO BORGES COELHO

Assisti ontem, ao final da tarde, à cerimónia do doutoramento honoris causa de António Borges Coelho. O grau foi-lhe conferido pela Universidade do Algarve.

Nascido em Murça, em 1928, António Borges Coelho teve um percurso que foi, no mínimo, atípico. A sua personalidade e o seu percurso constituem, para mim, um exemplo de empenhamento cívico, político e académico. Senti, por isso, uma imensa vergonha quando a Universidade do Algarve me solicitou um parecer para se avaliar a justeza da atribuição do grau de Doutor Honoris Causa ao catedrático António Borges Coelho. Porque, evidentemente, o patamar em que ele se situa está muito acima do meu. Mas, ao mesmo tempo, senti um enorme orgulho por poder participar na homenagem que a Academia presta a uma das suas figuras maiores. Tenho, por isso, o maior prazer em publicar o texto do parecer que me foi solicitado.


PARECER

Solicita-nos a Universidade do Algarve parecer sobre o currículo do Doutor António Borges Coelho, tendo em vista a atribuição do grau de Doutor Honoris Causa por aquele estabelecimento de ensino superior.

Oitenta anos de vida e décadas initerruptas de compromisso activo com a sociedade não são passíveis de resumo em duas ou três páginas, por muito laudatórias que estas pretendam ser. As linhas que se seguem são, assim, um breve lampejo sobre um existência plena de acontecimentos e de realizações e são uma imagem necessariamente pobre e incompleta do que foi a passagem de António Borges Coelho pela Academia.

Consideramos, desde logo, que a proposta não pode, por redutora, cingir-se ao percurso, desde logo merecedor de todo o respeito e admiração, do Doutor Borges Coelho enquanto professor universitário. Um leque de outros domínios merecerá referência obrigatória e serão considerados elementos referentes às diversas facetas do seu percurso, designadamente as que se relacionam com as actividades cívica e intelectual, não se tendo esta última cingido à vida académica.

António Borges Coelho, activista político
Foi um percurso improvável, o de António Borges Coelho. Aluno do Seminário Franciscano de Montariol, durante cinco anos, viria a deixar a possibilidade de uma vida eclesiástica para ingressar em 1949 na Faculdade de Letras de Lisboa. O curso de História viria também a ser abandonado em 1951. As décadas seguintes foram, para este transmontano de Murça, um período conturbado. A luta política entrou na vida de António Borges Coelho nesse início da década de 50 ao subscrever a candidatura de Ruy Luís Gomes à Presidência da República. Esse acto, hoje uma mera formalidade administrativa, era então uma atitude de coragem política e um desafio claro à ditadura. Seguiu-se, para o jovem Borges Coelho, o percurso trilhado por outros democratas: a militância no Partido Comunista Português e o mergulho na clandestinidade, a prisão pela PIDE e seis anos e meio de cativeiro no Aljube, em Caxias e no Forte de Peniche.

Em Peniche conviveu com Álvaro Cunhal, com Carlos Costa e com Alexandre O´Neill. Amizades que o tempo consolidou e que nem os diferentes caminhos jamais apagaram. Data desses anos o poema Sou barco, que a música e a voz grave de Luís Cília ajudariam a imortalizar. Muitos outros se seguiram, e uma vez que a produção poética nunca deixou de estar presente na sua vida.

Libertado em 1962, continuou a viver até ao 25 de Abril de 1974 sob medidas de segurança, um eufemismo que designava a ausência de direitos políticos, a obrigatoriedade de apresentações periódicas na sede da polícia política, a impossibilidade de tiorar a carta de condução ou de leccionar.

É durante esses anos que António Borges Coelho intensifica a sua produção literária e regressa aos bancos da universidade. Licenciou-se em 1967 com uma dissertação sobre Leibniz, mas continuou a ver vedado o acesso ao mundo do ensino ou a qualquer outra actividade pública. Desenvolveu entretanto trabalho como jornalista – foi fundador de A capital e redactor do Diário de Lisboa e do Diário Popular -, deu explicações e leccionou em vários sítios.

Depois do 25 de Abril, manteve a sua militância cívica e política, embora os dias de maior e mais directo activismo tivessem ficado nos tempos da resistência, da luta e da prsião. O reconhecimento pelo seu empenhamento cívico e intelectual seria expresso, anos mais tarde, com a atribuição do Prémio da Fundação Internacional Racionalista e com a Grã-Cruz da Ordem de Santiago.

António Borges Coelho, académico
A revolução de 1974 permitiu que o outrora proscrito António Borges Coelho tivesse acesso à Universidade enquanto docente. A sua carreira enquanto investigador era, em muito, anterior à conclusão da sua licenciatura em Histórico-Filosóficas, ocorrida em 1967. Alguns dos seus trabalhos, como Raízes da Expansão Portuguesa ou A revolução de 1383, feitos à margem da instituição universitária e sem a aprovação da mesma, tornaram-se obras de referência para várias gerações de estudantes. Pelo seu rigor científico e pela vontade permanente em questionar a verdade. E por colocarem em causa velhos e apodrecidos dogmas sobre a Idade Média e os alvores do mundo moderno em Portugal. E ainda que não possamos dizer que o Doutor Borges Coelho é um historiador marxista, é inegável que o pensamento de Karl Marx exerceu sobre ele uma evidente influência. Não é menos claro que essa perspectiva, nunca tomada de forma escolástica, permitiu valorizar o papel das massas populares e da pequena burguesia urbana nas mutações ocoridas no final da Idade Média. Também aí ajudou, ainda que com risco pessoal, a romper uma História marcada por ideias pré-concebidas.

Uma das pedras de toque nesse percurso inicial de historiador foi a edição da colectânea Portugal na Espanha Árabe, publicada entre 1971 e 1975, e que se tornou uma obra de referência para várias gerações de investigadores. Ao reunir numa só obra os textos de geógrafos, historiadores, filósofos e poetas do período islâmico, o Doutor António Borges Coelho dava a primazia a um período histórico até então considerado de segunda ordem na História de Portugal. As largas dezenas de projectos de investigação e as inúmeras publicações surgidas, nas útlimas décadas, sobre Portugal Islâmico, são a descendência directa do trabalho pioneiro de António Borges Coelho. Nenhum historiador ou arqueólogo o poderá negar. Nenhum ousará, sequer, fazê-lo.

Talvez esse simples facto justificasse a distinção que agora se pretende atribuir. No entanto, o labor académico do Doutor António Borges Coelho entre 1974 e 1998 teve uma amplitude que importa agora sublinhar e reconhecer. Ensinou, anos a fio, História Medieval e História Moderna. Foi professor de centenas de alunos. Orientou tarbalhos e disertações. Integrou juris de mestrado e de doutoramento. Deixou, atrás de si, um rasto de competência e uma aura de respeito. Mais importante do que isso, criou escola e formou seguidores. Mesmo que o seu inconfundível estilo literário de escrever História não possa ser repetido.

Na Faculdade de Letras de Lisboa, a sua casa de sempre, foi Director do Centro de História, tendo ainda sido responsável pela revista História e Sociedade. Obteve o grau de doutor em 1989, numa fase já relativamente adiantada do seu percurso académico. Mais ainda a tempo de chegar ao posto mais alto da carreira, o de professor catedrático, que ocupou a partir de 1993.

A dissertação que apresentou, sobre a Inquisição de Évora, é o mais completo e aprofundado estudo até à data realizado sobre o tema. Exaustivo e pleno de rigor, mas também magnificamente escrito e, não raro, sardónico. Cremos ter sido, mais do qualquer outra, a que desmontou, em definitivo, a perspectiva do historiador marxista tout-court que tantas vezes se quis colar a António Borges Coelho, como forma de apoucar o seu percurso.

Faltaria, enfim, a menção ao percurso literário de António Borges Coelho. Numa vida vivem vários homens e a verdade é que nos parece incompreensíveis os seus percursos político e académico sem se olhar a produção poética, iniciada ainda nos anos 50. Ou sem completar esta com os romances, com a escrita de peças de teatro ou com as traduções.

Esta diversidade, que não dispersão, de António Borges Coelho são sinónimos da generosidade, seja ela política, cívica, académica ou literária. É também essa forma generosa e de total entrega de viver a Ciência e o Mundo que nos parece ser merecedora do grau de Doutor Honoris Causa pela Universidade do Algarve.

Fotografia de António Borges Coelho por Eduardo Gageiro

terça-feira, 16 de junho de 2009

AVISO

Aviso extra aos anónimos que se divertem a insultar-me devido às minhas funções de vereador da Câmara Municipal de Moura: não se macem nem percam tempo. Os programas de trabalho delineados serão cumpridos e não serão disparates assim ditos que me distrairão ou me farão hesitar.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

E POR FALAR EM OTTO PREMINGER

Uma das minhas tiradas favoritas de entre os muitos filmes já vistos:
"Son, this is a Washington, D.C. kind of lie. It's when the other person knows you're lying and also knows you know he knows." O cinismo político sob a forma de arte, na boca de Henry Fonda, que interpreta o papel de Robert Leffingwell, secretário de estado norte-americano no filme Advise and Consent (Tempestade sobre Washington), de 1962. Vi-o na RTP há muito anos, quando a RTP passava cinema e não nos obrigava a ver o Assalto ao aeroporto cinco vezes ao ano.

LA PIEDRA DE HOY

Tira la piedra de hoy,
olvida y duerme. Si es luz,
mañana la encontrarás,
ante la aurora, hecha sol.

Juan Ramón Jiménez, o autor deste poema, era natural de Moguer (1881-1958). Foi Nobel da Literatura em 1956.


No ano em que Juan Ramón partiu ganhava vida este filme, pelo qual me apaixonei na adolescência e que nunca mais esqueci. O realizador era o interessante Otto Preminger (1905-1986), mas o mais perturbante era o olhar de Jean Seberg (1938-1979), prematuramente desaparecida em circunstâncias trágicas. A voz de Gréco (n. 1927), mesmo cantando em inglês, dá o toque final de tensão e melancolia a estas imagens.

MUSEU DE MOURA - MODO DE USAR

O tema Museu de Moura tem merecido, a nível local, algum interesse. Num momento em que a autarquia tem em curso diversos projectos no âmbito da reabilitação do património histórico (até agora com recurso, único e exclusivo, ao orçamento municipal) aqui deixo uma brevíssima reflexão sobre o tema, publicada há semanas no jornal A Planície.

Quebro aqui o princípio de não me pronunciar sobre matérias específicas da minha área profissional, sendo, ao mesmo tempo vereador da Câmara de Moura. Julgo dever fazê-lo numa altura em que se encerra o processo de concurso para a renovação da área do Matadouro e novas perspectivas se abrem para o Museu Municipal. Julgo ter, sobretudo, a obrigação de fazê-lo antes que se difundam e façam escola opiniões avulsas, quase sempre veiculadas por opinadores sem qualquer qualificação técnico-científica e sem qualquer experiência na matéria.

Aqui vai, em jeito de pergunta/resposta:

1. Porque é necessário um novo espaço para o Museu de Moura?
a. Porque, do ponto de vista físico, o actual edifício sempre foi tido como um local transitório e porque é necessário garantir uma melhoria de condições de exposição;

b. Porque os museus municipais podem e devem assumir, em cidades com a dimensão da de Moura um papel dinamizador junto das comunidades locais e junto dos turistas que visitam a cidade e o concelho.

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2. Que modelo de desenvolvimento se adopta nestas circunstâncias?
a. Por um lado, um esquema de exposição permanente que valorize as peças de grande valor que existem (e o concelho de Moura pode dispor de cerca de duas dezenas de peças de excepcional qualidade, dignas de figurarem em qualquer museu);
b. Por outra parte, a previsão de espaços para exposições temporárias;
c. Tendo em conta a estrutura organizativa e a capacidade de resposta de entidades como o Museu de Moura (e que é idêntica a de tantos outros museus que existem no nosso país), a organização de exposições temporárias não pode ter uma renovação inferior a 18 meses;
d. Quando falo em exposição temporária excluo, evidentemente, os trabalhos de animação correntes que fazem parte das tarefas quotidianas;
e. Quando falo em exposição temporária refiro-me à construção de ideias, à sua montagem e à edição de catálogos. Recorrendo-se, ou não, a entidades e a colegas de outras instituições.

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3. O espaço do matadouro é exageradamente grande para estas finalidades?
a. Não é, e quem afirma o contrário mais valia que estivesse calado, para não estar a debitar baboseiras sobre matérias que desconhece;
b. Em concreto, o museu prevê uma área de exposição permanente (185 m2), uma área para mostras temporárias (80 m2), uma área para actividades de animação e serviços de apoio. O mínimo indispensável para garantir um trabalho de qualidade.
c. Os serviços são os mesmos que existem actualmente em diferentes edifícios. São assim, agregados e reorganizados. Permitem, sobretudo, que as reservas do museu fiquem num só local;
d. Os espaços de apoio foram calculados em função das necessidades.

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4. Que espaços é que o novo museu não vai ter?
a. Não terá nem auditório nem biblioteca.
b. Esta proposta foi minha, enquanto vereador e baseando-me numa experiência de trabalho de mais de 20 anos neste domínio.
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5. Porque é que não vai ter nem auditório nem biblioteca?
a. Porque o auditório é um equipamento caro, “pesado” e que se arrisca a ser usado raras vezes ao longo de um ano;
b. Porque existem auditórios em número suficiente na cidade, com capacidade para albergarem qualquer evento com as devidas condições.
c. Porque há em Moura uma belíssima biblioteca municipal e é um disparate multiplicar equipamentos;
d. Excluo do conceito biblioteca a aquisição de bibliografia específica para uso dos técnicos do museu.

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6. O processo foi feito “à maluca” e só “porque sim”?
a. É evidente que não. Não me permito esse género de brincadeiras…
b. O concurso do matadouro foi fruto de inúmeros contactos, entre os quais telefonemas, troca de mails e reuniões pessoais com Clara Camacho (subdirectora do Instituto dos Museus e de Conservação) e com Joana Sousa Monteiro (coordenadora da Rede Portuguesa de Museus). A título informal, troquei impressões e ideias com Conceição Amaral (Directora do Museu da Fundação Ricardo Espírito Santo);
c. Na avaliação das propostas participou João Herdade, arquitecto do IMC e técnico com vasta experiência nestes dossiês;
d. A nível interno, teve o acompanhamento dos técnicos camarários, com destaque para Marisa Bacalhau, responsável pelo museu.
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7. Quanto custa a concretização do projecto?
a. Para a reabilitação do edifício do matadouro são cerca de 700.000 euros;
b. Bem entendido, que a concretização será faseada.

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8. Haveria alternativas de uso para o edifício do matadouro?
a. Admito que sim. Não conheço, contudo e à luz da realidade actual, propostas dignas de crédito;
b. Sobretudo, não conheço propostas fundamentadas.
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9. Porque não se faz um edifício de raiz?
a. Porque é uma opção nossa privilegiar, sempre que possível, a reabilitação de edifícios;
b. Exemplos recentes: Pátio dos Rolins, Quartéis, Antigo Quartel dos Bombeiros;
c. Exemplos futuros: Antigo Grémio (Biblioteca Municipal).

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10. Vai ser um processo fácil?
a. Não vai nada. Exigirá, decerto, o maior empenho a todos. E vai dar uma responsabilidade acrescida à responsável pelo museu. Que tem neste projecto a oportunidade da sua vida;
b. A adjudicação do projecto ocorrerá dentro de dias. Depois, avançará à maior velocidade que se conseguir;
c. O resto é coisa que tenho o prazer de deixar para os amadores e para os especialistas de fim-de-semana.


O projecto abrange o edifício do antigo matadouro assim como toda a área envolvente.

Convirá também clarificar que, a despeito do inestimável apoio dado pelas pessoas e entidades acima referidas, a responsabilidade pelo desenvolvimento do processo coube à Câmara Municipal de Moura. Foi também a autarquia que assumiu as opções que apresentei de forma muito sumária.

domingo, 14 de junho de 2009

DON GIOVANNI

"Já se sabia que quem ver mamas ao vivo e sexo anal simulado deve ir a correr comprar um bilhete para o São Carlos. É para isso que há as matinées de família". Jorge Calado, nas páginas do Expresso, não podia ser mais cru nem mais preciso quanto à parte final da encenação do Don Giovanni.
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A temporada de ópera do São Carlos terminou hoje. A avaliar pela unanimidade da crítica não deixa saudades. A mim, que não sou crítico nem especialista, não deixou. Reterei apenas dois nomes: o tenor sul-africano Musa Nkuna e o barítono argentino Luís Ledesma. E uma inacreditável encenação de Salomé, que o mesmo Jorge Calado classificou como "um caso de polícia".

Thomas Hampson (Don Giovanni) e Isabel Bayrakdarian (Zerlina) - Festival de Salzburgo de 2006

Samuel Ramey (Don Giovanni), Kurt Moll (Commendatore) e Ferruccio Furlanetto (Leporello). A gravação é de 1990.

sábado, 13 de junho de 2009

GO WEST: SÃO GIÃO DA NAZARÉ

Já vi pior. Mas só em regiões recônditas de África. Em países onde há boa vontade mas não há quaisquer recursos.
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Na Europa civilizada nunca tal tinha visto: o caminho é uma picada de dois quilómetros. O que significa que a visita ao sítio é só para fanáticos. Amadores e possuidores de veículos normais abstenham-se. Pelo caminho encontramos três tabuletas catitas que indicam o local da basílica. Lá chegados, e para além do capim que tudo invadiu, não há nada: nem uma indicação do que é o edifício, nem quais as obras em curso, nem quando é que o local estará visitável. Nem quem é o proprietário, nem como poderemos entrar no imóvel. Nada de nada.
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São Gião da Nazaré é um edifício da maior importância para a compreensão da arquitectura na Alta Idade Média. Não adianta muito, mas aqui fica a informação...

Interior da basílica de S. Gião
Estrutura de protecção da basílica

Tentem perceber, porque eu fiquei na mesma.
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Vejam os seguintes links:

GO WEST: O MOSTEIRO DE ALCOBAÇA

Sempre achei graça a esta designação: Região do Oeste. Muitos anos depois depois voltei a Alcobaça. Para ver como a simplicidade da intervenção de Gonçalo Byrne resultou em toda a sua plenitude (nem sempre a arquitectura é complicada...). Para recordar o que já tinha esquecido das aulas de História da Arte. Para constatar como os doze anos da Luísa ficaram fixados na morbidez do beija-mão à desafortunada Inês. Para verificar que há falta de informação em muitos pontos do mosteiro.
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Sobretudo, para ter a certeza que, em tempos recentes, só Leitão de Barros (1896-1967) fez justiça à grandiosidade do drama. Depois do seu Inês de Castro (1944) somam-se os falhanços. Falta, creio, o sentido operático que a trama justifica. E que ninguém conseguiu passar condignamente ao celulóide.

AINDA A PANDEMIA

O Público de ontem publicou um mapa do mundo com a cartografia da gripe. Excepção feita ao Egipto e à África do Sul, o continente negro não tem gripe A.
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Pergunta pouco inocente: não há gripe ou não há dados rigorosamente nenhuns? Na realidade, a quem raio interessa a gripe em África?

sexta-feira, 12 de junho de 2009

MEETING MR. PANCHO GUEDES

O nome oficial é Amâncio d'Alpoim Miranda Guedes, mas é como Pancho Guedes que passará à história. O CCB tem outros motivos de interesse mas a monumental, em todos os sentidos mostra intitulada Vitruvius Mozambicanus é que tem, ou deveria ter, todas as honras. Não haveria mais de dez visitantes à hora a que lá passei. E é pena.

A obra de Pancho Guedes (n. 1925) desenvolveu-se sobretudo em Moçambique. Talvez a ausência de um legado histórico mais denso tenha facilitado todos os experimentalismos. Talvez sim, mas há originalidades que só a criatividade explica: confesso que prefiro o racionalismo de edifícios como o bloco de apartamentos em Ponta Vermelha (1952), o Mac Mahon, em Maputo (1953) ou o Nauticus, em Nampula (1954). Mas não sou insensível ao humor que perpassa pela influências de Gaudí noutras obras. Curiosamente, são as obras de juventude que mais visibilidade adquirem, embora possamos também salientar as oito casas para a Coop, de 1973. É interessante notar que a linguagem é bem mais inovadora nos edifícios de habitação social que nas encomendas para vivendas na Polana ou no Sommerschield. Arrisco um comentário talvez machista: nestes projectos estou certo da influência das esposas dos encomendadores…

No meio de tudo isto deparo com o projecto da Casa Cohen (1985), em Forest Tower, na África do Sul, completamente construída em tijolo. Destaca-se a magnificência das abóbadas, trabalho de um “pedreiro de tijolo português que as construiu primorosamente bem”. Não sei porquê, mas fiquei com a sensação que andou ali a mão de um certo pedreiro mourense, que fez fama e fortuna na África do Sul.

Ver mais em http://www.guedes.info/ (página web dedicada ao trabalho de Pancho Guedes)


Edifício Nauticus (Nampula)


Edifício na Praça MacMahon (Maputo)

O catálogo não é barato (55 €) mas vale a pena. A exposição Vitruvius Mozambicanus estará patente até dia 16 de Agosto. Vale a pena conhecer o arquitecto Pancho Guedes. E, também, o seu invulgar e pouco lusitano sentido de humor.

Toda a informação em www.museuberardo.pt

E POR FALAR EM PANDEMIAS...

As recentes medidas tomadas pela OMS têm tido divulgação planetária. Ainda que o carácter do virus seja relativamente pouco agressivo uma pandemia é sempre motivo para preocupação. A indústria farmacêutica desenvolve uma vacina, que estará disponível no mercado dentro de meses. Vai ser interessante fazer a avaliação dos lucros que o negócio vai gerar.

Entretanto, continuam a morrer 3 milhões (três milhões!) de pessoas por ano com malária. Pode ser que um dia destes surja uma vacina. Quando alguém a puder pagar, bem entendido. É que, nos últimos 25 anos, apenas 1% de todos os medicamentos desenvolvidos no mundo se destinaram ao tratamento das chamadas doenças tropicais.

A FENPROF E O MINISTÉRIO

Segundo o Público on-line de hoje " Federação Nacional de Professores anunciou que poderá abandonar as negociações com o Ministério da Educação (ME) se na nova ronda, marcada para amanhã, este não der sinais de ter mudado de posição em relação ao Estatuto da Carreira Docente e ao modelo de avaliação de desempenho."

Juro que não estou a armar em espirituoso, mas estava convencido que as negociações há muito tinham terminado...

quarta-feira, 10 de junho de 2009

DIA DE CAMÕES - A LUTA CONTINUA

Ao recordar um episódio ocorrido em Argel, e depois de ter sabido que a livraria de Boussad Ouadi está em risco de fechar, tentei um contacto via mail (o telemóvel não dava resposta e só depois soube que o número tinha mudado).
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Deixo aqui um curto excerto da mensagem que me enviou:
Grâce à la chaine de solidarité internationale, je crois que je vais les faire reculer au moins pour quelques temps. En soi c’est déjà une grande satisfaction.Voici le blog sur lequel je garde le contact avec mes amis.
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Passem uma vista de olhos pelo blogue. Há lá contactos (telefone e mail) e um pouco de solidariedade internacional em torno de uma livraria ameaçada faz falta. Será, seguramente, uma boa forma de se comemorar Luís de Camões, a poesia e os livros.

EXTREMISTA POR CONVICÇÃO

A falha é minha, admito-o. Mas só agora me dei conta que o cabeça de lista do PNR às eleições europeias era o Humberto Nuno. Nos tempos de faculdade era um moço cordial e simpático, que tinha a particularidade de falar sempre num tom de voz desajustado, como se tivesse o botão do volume avariado. Mesmo que fosse só para dizer bom-dia. Encontrei-o há uns 7 ou 8 anos. Continuava simpático e a falar altíssimo.
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Nessa altura - reporto-me ao longínquo ano de 1982 - era de extrema-esquerda e usava uma boina à Che. Com estrelinha e tudo. Depois passou rapidamente para a extrema-direita. Deve ser uma questão de apego às laterais, como no futebol...


O PNR teve 13037 votos (0,37%). Vá lá, ficou à frente do POUS...

terça-feira, 9 de junho de 2009

CADA UM SE SATISFAZ COMO PODE...

Segundo o site da Rádio Planície:
"[o] presidente da concelhia de Moura do PS, (...) mostrou-se particularmente satisfeito com o resultado [a nível concelhio], considerando que o PS está no bom caminho para as autárquicas." (fim de citação)
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O PS ficou em segundo lugar no concelho de Moura. Pela parte que me toca, fico satisfeito com a satisfação dele. Biti bitu!, diz-se no árabe dialectal de Marrocos: "eu quero o que tu queres".

FAIT-DIVERS ANTES DOS FERIADOS: O GENDARME QUE GOSTAVA DE POESIA

Larguei o volante com um suspiro de alívio. Eram duas da manhã e acabava de desligar o motor do Renault. No parque de estacionamento do el-Djazair o silêncio era total. Saí do carro e caminhei para o hotel. Horas antes nada fazia prever a insólita soirée naquele Outono em Argel.

Encontrara-me com o meu amigo Boussad Ouadi num restaurante acima do boulevard Mohamed Khemisti. Conhecera-o uns anos antes em Berlim. Um indivíduo interessante, editor e proprietário da melhor livraria de Argel. O projecto sobre a arte islâmica no Mediterrâneo aproximava-se de uma fase crucial. Era preciso escolher fotografias, colaboradores, entidades a envolver, locais de apresentação de resultados. Aquilo que se chama “jantar de trabalho”… Nem muito curto nem demasiado regado…

Mal tínhamos feito a segunda curva a caminho do hotel quando uma brigada da polícia nos obrigou a parar. Papéis para aqui, papéis para li, o Boussad com a carta caducada e aí vamos nós a caminho da esquadra, devidamente escoltados por duas viaturas. O Boussad entra na esquadra e eu fico dentro do carro, numa rua do centro de Argel. Há pouca luz na via pública e não se vê vivalma. Passo pelas brasas. Quando acordo tinha decorrido mais de uma hora.

Mais um bocado e decido-me a sair do carro. Vejo Boussad a sair da esquadra com cara de poucos amigos. “A multa é o menos”, desabafa. “O pior foi o chefe da polícia estar completamente bêbado. Quando viu a minha profissão, editor, começou a declamar poesia. Esteve nisto mais de um hora!”. Entramos no carro para pararmos uns quilómetros mais adiante. Aí o Boussad, de novo jovial, passa-me a viatura: “Meu velho, sabes onde é o hotel, desenrasca-te. Traz o carro inteiro para a livraria e nada de miúdas aqui dentro.” Senti um calafrio. Não tinha carta de condução válida e as barreiras policias eram ainda comuns em Argel. Cruzei-me apenas com uma, na rotunda onde se juntam o Bd. Salah Bouakouir, a Rua Didouche Mourad e a Av. Franklin Roosevelt. Olharam-me pouco interessados e mandaram o carro seguir. Por uma vez passei por argelino...



Montra da Librairie des Beaux-Arts

Boussad Ouadi
A Librairie des Beaux-Arts fica na Rua Didouche Mourad, 28. Ali passava parte dos seus dias o escritor Albert Camus. À porta da livraria assassinaram o seu proprietário, Vincent Grau, em 21 de Fevereiro de 1994, na altura da maior escalada do terror. Ao consultar a net dei-me conta que há problemas legais em torno do arrendamento e que o establecimento corre o risco de fechar. Há um movimento no facebook intitulado "Contre la fermeture de la libraire des Beaux-Arts à Alger".

segunda-feira, 8 de junho de 2009

O PCP, AS EUROPEIAS E OS EURO-COMUNISTAS

Ao contrário do que possam pensar os mais jovens, "euro-comunistas" não são os parlamentares comunistas que vão tomar assento no Parlamento em Estrasburgo.

Há uns bons trinta anos, a imprensa europeia salivava abundantemente ante a grande novidade: havia uma nova forma de ser comunista. Era um comunismo mais soft, mais educado e mais aberto. Mais abrangente e capaz de atrair mais eleitores. Era isso o que dizia a grande imprensa, naturalmente interessada nos bons resultados eleitorais dos partidos comunistas. Lideravam o euro-comunismo Marchais (do PCF), Carrillo (do PCE) e Berlinguer (do PCI). Um toque mediterrânico na frieza do marxismo-leninismo...

Três décadas volvidas: os comunistas franceses diluiram-se numa vasta coligação, que elegeu 2 deputados entre 72, os espanhóis desapareceram na Izquierda Unida (1 deputado em 50). Em Itália o cenário é mais triste ainda: nenhum deputado eleito. Brindemos pois à memória do euro-comunismo, à grande imprensa europeia preocupada com a "renovação dos comunistas" (seja lá isso o que for) e aos paladinos da esquerda moderna...

Três décadas volvidas, o PCP, que não entrou na estimulante e inovadora aventura do euro-comunismo tem um eleitorado consolidado, cresceu eleitoralmente e acaba de garantir dois deputados em Estrasburgo.

Irá ter por companhia outros partidos igualmente "ultrapassados", como os gregos do KKE e os cipriotas do AKEL.

EUROPEIAS - CONCELHO DE MOURA

E em Moura venceu CDU. A CDU não era a força mais votada no nosso concelho (excepção feita às autárquicas) desde 1987.
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Venceu agora em quatro freguesias (Amareleja, Sobral da Adiça, Santo Amador e Safara) contra duas em 2004.
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O resultado é claramente positivo e abre as melhores perspectivas para as próximas batalhas (legislativas e autárquicas). Tanto a nível nacional como no concelho de Moura.
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Os resultados a nível nacional ficam para logo à noite.

RA...QUÊ???

Aquele jota gutural da língua espanhola nunca foi fácil. Os catalães, que não o têm na sua língua materna, detestam-no.
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Ontem, a dificuldade da pronúncia esteve uma vez mais em evidência. Não houve estação de televisão que não chamasse ao senhor Raroi, Racoi, Rachoi.
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Em todo o caso, Mariano Rajoy, apesar de pouco carismático e pouco telegénico, venceu claramente as eleições em Espanha. Sobre as nossas falaremos logo mais.

domingo, 7 de junho de 2009

ROGER FEDERER

Melhor que Roy Emerson (11 triunfos em provas do Grand Slam). Melhor que Rod Laver (11 triunfos, ainda que com o feito notável de ter vencido 8 em apenas 2 anos). Melhor que Fred Perry e Andre Agassi (8 vitórias cada). Melhor que Don Budge (6 vitórias).
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Chama-se Roger Federer, tem 27 anos e ganhou hoje em Roland Garros o título que lhe faltava, somando assim 14 vitórias no mítico quarteto de provas (Pete Sampras também tem 14 títulos, mas falhou sempre na terra batida). E é também o primeiro tenista do continente europeu a lograr tal façanha.

Mais informações em www.rogerfederer.com

sábado, 6 de junho de 2009

LAWRENCE DA ARÁBIA

No esplendor inigualável dos 70mm e do som estereofónico total. Era assim que os jornais anunciavam os filmes rodados a pensar no ecrã gigante. Muitos tentavam disfarçavar a falta de ideias com espalhafato cénico e cores ruidosas. Vi-os quase todos, os bons, os maus e os péssimos. No Condes e no Tivoli. Mas, sobretudo, no Monumental e no Império, salas colossais que tinham 2º balcão, cujo preço era adequado às finanças lá de casa.

Lawrence da Arábia não se enquadra nos bons, nos maus ou nos péssimos. É um filme excepcional, de um cineasta de rara qualidade. A versão da vida do dúbio militar britânico é romanceada, mas que importa isso quando temos todo o esplendor do deserto e quando o tom épico da narrativa se reflecte na precisão de cada fotograma. De forma quase milagrosa, Lean conseguiu manter um toque de pessoal por entre os avultados meios da produção. Só voltei a encontrar esta elegância muitos anos mais tarde, em Passagem para a Índia (1984).




David Lean (1908-1991) foi um cineasta britânico, autor de sucessos como a Ponte do Rio Kwai (1957) ou Dr. Jivago (1965). Lawrence da Arábia foi rodado em 1962. Vi-o pela primeira vez em 1975. A impressão que me causou e a curiosidade que me despertou ficaram marcados como ferro em brasa.

As músicas mais célebres de vários filmes de Lean foram compostas por Maurice Jarre (1924-2009). Curiosamente, sempre me pareceu que a música de Lawrence da Arábia se inspira em passagens do 3º andamento do concerto nº 2 para piano e orquestra de Rachmaninoff. Que, por sinal, é a música que serve de fundo sonoro ao perturbante Breve encontro (1946), de David Lean...

SONDAGENS

Duas telefónicas, duas presenciais com simulação de voto em urna. Uma com amostragem por quotas (Marktest), três com amostragem estratificada aleatória, sendo que duas delas (CESOP e Marktest) fazem ponderação pós-amostral com base em dados das estatísticas nacionais. Três tratam indecisos como abstencionistas, outra usa um modelo próprio (Aximage). Apesar de tudo, uma razoável diversidade de abordagens.


Do blogue http://margensdeerro.blogspot.com./ Vale a pena espreitar este blogue para se perceber que uma sondagem é muito mais do que parece.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

PARLAMENTO EUROPEU


O Parlamento Europeu é constituído por 785 deputados (dos quais 24 são portugueses), embora tenham por lá passado, nesta legislatura, 926 membros. Tenho o prazer de vos comunicar o top ten português, tendo em conta uma série de parâmteros que podem ser devidamente apreciados no site http://www.parlorama.eu
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1. ILDA FIGUEIREDO - CDU 11/926
2. PAULO CASACA - PS 24/926
3. PEDRO GUERREIRO - CDU 40/926
4. ANA MARIA GOMES - PS 45/926
5. JAMILA MADEIRA - PS 75/926
6. ELISA FERREIRA - PS 185/926
7. EMANUEL JARDIM FERNANDES - PS 188/926
8. CARLOS COELHO - PSD 200/926
9. CAPOULAS SANTOS - PS 206/926
10. VASCO GRAÇA MOURA - PSD 225/926
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Pois é. Nem sempre os mais mediáticos (ou os mais descaradamente demagogos), os que mais esbracejam e barafustam são os que mais trabalham e melhor justificam o que lhes é pago.
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Transcrevo, a propósito da questão salarial, um comunicado da candidatura da CDU:

Salários dos deputados Parlamento Europeu: um esclarecimento e um desafio
A questão do novo Estatuto dos deputados do Parlamento Europeu introduzida na campanha por iniciativa do semanário “Expresso”, suscitou uma resposta clara de Ilda Figueiredo e alguma incomodidade noutros candidatos. A opção pelo salário de referência dos deputados do país de origem (vencimento igual ao da Assembleia da República), e não pelo valor agora harmonizado para os deputados do Parlamento Europeu igual para todos os países – opção que todos e cada um dos deputado que transita é chamado a fazer – é ditada por três ordens de razões :
1ª - Razões de coerência entre o que se diz e o que se faz, de coerência com a oposição clara que manifestámos e o voto contra que assumimos face ao Estatuto;
2ª – Razões de assumida vinculação aos interesses nacionais e de rejeição da ideia de “deputados europeus” com origem nos seus países. Para a CDU, os seus eleitos são, desde logo, e em primeiro lugar, deputados que representam e assumem, no Parlamento Europeu, a defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo e do país, a par de uma concepção própria de acção e cooperação com deputados de outros países para a construção de uma outra Europa.
3ª – Razões de não aceitação de um chamado princípio de harmonização de salários, válido para os deputados do Parlamento Europeu, mas que contrasta com o fosso de desigualdades cada vez mais acentuado entre os salários dos trabalhadores do nosso país e dos de muitos dos países da União Europeia.
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Percebe-se o embaraço de alguns face à questão. O que se não percebe e se condena é que aqueles outros eleitos actuais do PE que, perante salários de montantes chocantes face às dificuldades que os trabalhadores e reformados sentem, venham mentir para esconder a sua opção por os não rejeitar.
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Sejamos claros. A opção não é entre uma remuneração do Parlamento Europeu sem despesas de viagens ou ajudas de custo, por um lado, e o salário de referência dos deputados da Assembleia da República com despesas de viagens e ajudas de custo, por outro.
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A única opção que, de facto, se coloca, é entre a nova remuneração do PE e o salário equivalente ao da Assembleia da República (separados entre si por milhares de euros), acrescidos de um regime de viagens e ajudas de custo exactamente igual para ambas as opções.
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É perante estes factos que se impõe o esclarecimento e a clarificação numa matéria cujo posicionamento está muito para lá da simples, ainda que relevante, questão dos montantes dos deputados do PE e que testemunha atitudes e posicionamentos que afirmam ou não diferenças relevantes no exercício de funções políticas.
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Esta posição já tinha sido claramente vincada pela minha camarada Ilda Figueiredo há uma semana. Acontece que, hélas, Ilda Figueiredo não merece a atenção de uma imprensa dominada pelo grande capital e que vê na CDU a única verdadeira ameaça. Fossem outros a avançar com estas propostas e teríamos estardalhaço pela certa. Já agora, pergunte-se qual a posição de outras forças de esquerda. Já agora, o que dizem o BE e Miguel Portas sobre este assunto?
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É por estas e muitas outras que no domingo...
www.cdu.pt

quinta-feira, 4 de junho de 2009

A GRANDE FARRA, FREUD E SUE TILLEY

Por norma, as mulheres gordas são excluídas dos ecrãs dos cinemas. A primeira grande excepção foi Andrea Ferreol (n. 1947), que se celebrizou pela sua participação no filme de Marco Ferreri (1928-1997) A grande farra, rodado em 1973. Independentemente da sobrevalorização que o filme então conheceu, o que foi extensivo a muitos outros trabalhos de Ferreri, uma mulher de formas menos vulgares era a sex-symbol de um filme.

Creio que o mesmo princípio e a mesma lógica se pode aplicar à pintura. Os cânones do maneirismo, os de Rubens em particular, só recentemente conheceram uma estrondosa recuperação, através da paleta de Lucian Freud (n. 1922). Sim, é neto do outro Freud.

Os temas da sua pintura estão, com frequência relacionados com as pessoas que o rodeiam (os amigos, os colegas pintores, a familia, as amantes, as crianças). Para usar as suas próprias palavras: "Os temas são autobiográficos; tem tudo, na verdade, a ver com esperança e memória e sensualidade e envolvimento".

Curiosamente Freud afirma que "Pinto as pessoas não pelo que elas parecem, não exactamente pelo que elas são, mas como elas deveriam ser."

Sue Tilley, a mulher que retratou em meados dos anos 90, foi protagonista de diversos quadros. A nudez surge aqui em todo o seu cru realismo, com pontos de contacto com a obra de Paula Rego. E o excesso de peso de Sue Tilley, hoje uma pacata funcionária pública, ganhou contornos estéticos, ao ponto de em vários locais, se lhe ter chamado Mona Lisa do século XXI.

Freud pintou também Sua Majestade a rainha Isabel II. Que, contudo, estava vestida.
Benefits Supervisor Sleeping, quadro de 1995 vendido em Maio de 2008 por 21,7 milhões de euros pela Christie's de Nova Iorque.
É a mais cara transacção de sempre envolvendo uma obra de um artista vivo.

Foto recente de Sue Tilley, antiga modelo de Freud.

Nem Lucian Freud nem Sue Tilley têm página web. A da Christie's é:

http://www.christies.com/

Recomenda-se também uma vista de olhos pela página da Tate: http://www.tate.org.uk/britain/exhibitions/freud/