domingo, 13 de junho de 2010

A COR DA ARQUEOLOGIA

"Voltei", diz Paul Newman na derradeira sequência de A cor do dinheiro. Um antigo profissional de bilhar terminava aí a sua travessia do deserto e voltava a jogar. Dá uma tacada, as bolas rolam e o filme acaba.
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"Voltei", disse eu também no passado dia 18 de Agosto, retomando um filme cortado em Julho de 1990. O recomeço das escavações arqueológicas no Castelo de Moura parecia-me, há uns anos atrás, uma miragem improvável, uma daquelas coisas para nunca mais. Tinha já passado demasiado tempo, a vida tomara outro rumo e há coisas que, no nosso percurso, estão condenadas ao abandono. A escavação do Castelo de Moura estava catalogada nesse sector.
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Afinal não. Como no velho jogo do Monopólio regressa-se à casa de partida e recomeça-se tudo. De momento, não se pode dizer que a arqueologia tenha muita cor, nem muito glamour (o glamour da arqueologia é só nos filmes do Indiana Jones, sempre rodeado de miúdas giras e a frequentar ambientes sofisticados), com o pó a asaltar por todos os lados e aquela expectativa que sempre acompanha os primeiros momentos de uma escavação arqueológica: vamos encontrar o quê? que estruturas e que pavimentos irão contar a história do castelo? os velhos desenhos do século XVI (medidos em varas) corresponderão à realidade? como se concluirá um dia este projecto?
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A verdade é esta: dar início (ou recomeçar) um projecto como o do Castelo de Moura é, também, um compromisso moral e ético com as pessoas que vivem no nosso concelho. Não pode o projecto ser abandonado por simples capricho ou porque a informação não é, do ponto de vista científico, aquela que eventualmente se espera ou gostaria de ter. Se o financiamento não faltar, uma escavação é um casamento à moda antiga, sem direito a divórcio, para ser continuada até que a morte nos separe. Os trabalhos arqueológicos em grandes sítios, como Pompeia ou Conímbriga, já têm centenas de anos; noutros, menos importantes, como Mértola, ou mesmo como Moura, há menos décadas de investigação e, felizmente, não tenho esperança de algum dia ver esses trabalhos concluídos. Os arqueólogos sucedem-se, até os seus nomes passarem a ser notas de rodapé em publicações obscuras. Mas escavação é assim mesmo, trabalho de artesanato, uma manta em permanente tecelagem e quem as começa não pode ter mais esperança que a de construir à volta dos sítios ideias e teorias que um dia irão ser corrigidas, refeitas e reconstruídas por outros. Nem toda a gente aceita essas leis da vida e prefere construir cortes bizantinas à sua volta. Não creio que vala a pena escrever nomes ou reproduzir episódios.
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Para já, voltei e é quase como se o tempo não tivesse passado, que afinal é de ilusões dessas que se alimenta a vida. São também essas coisas que dão cor à aridez da arqueologia. Para já, só isso, o recomeço, o pensar "agora é que é", as ilusões e as expectativas me interessam.
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Este artigo foi publicado na Planície em Setembro de 2003. Muita coisa mudou desde então. O projecto de intervenção arqueológica no Castelo de Moura continuou e continuará, sob a minha direcção. E com a consultoria científica da Profª Conceição Lopes (Univerisdade de Coimbra). Haja o que houver.

Uma nova proposta para o quadriénio 2010-2013 acaba de ser entregue ao IGESPAR. Há, no meio de tudo isto, novidades importantes. A escavação é, agora, enquadrada pelo Centro de Estudos Arqueológicos das Universidades de Coimbra e Porto. Uma memória das sete campanhas já efectuadas está a ser ultimada e será publicada ainda em 2010, devendo os resultados mais importantes dos trabalhos vir a ser apresentados no III Forum de Arqueologia Urbana, que este ano terá lugar no Recife.

E, bem entendido, desde 2003, o Castelo de Moura, sofreu uma revolução. Que ainda está em curso.

Sobre o que é o CEAUCP: http://www.uc.pt/uid/cea

1 comentário:

AM disse...

Sou de opinião que enquanto houver matéria para investigar/escavar, que se investigue até ao fim e depois se mostrem os resultados.
A arqueologia é no fundo um gigante processo que vai incessantemente esgotando projectos. Ou seja, um somatório de pequenos grandes trabalhos que devem concorrer para "secar" o fundo de qualquer investigação, seja no castelo do nosso concelho ou em Cartago. Portanto, em jeito de meia brincadeira, já estou à espera dos primeiros resultados...