segunda-feira, 27 de setembro de 2010

JOHNNY GUITAR

Num dos filmes da nouvelle vague (creio que de François Truffaut) um par sai de um cinema comentando, de forma entusiasmada, o que tinham acabado de ver. Percebemos depois que se trata de Johnny Guitar. Obra que passou, há poucos meses, na televisão.
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Já várias vezes tinha sentido a tentação de o referir aqui no blogue. Os filmes são por nós vistos e valorizados consoante a idade que temos e o que, em dado momento, sentidos. Rever filmes de juventude nem sempre é boa ideia. Vi, em adulto, O táxi cor de malva, uma inocente obra de Yves Boisset que tanto comovera os meus 14 anos. Arrependi-me amargamente e a poesia do filme desapareceu.
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Não foi assim com Johnny Guitar. Este filme de Nicholas Ray (1911-1979), datado de 1954, conserva todo o seu charme. Joan Crawford (1905-1977) e Sterling Hayden (1916-1986) protagonizam uma cena de grande tensão, entre mentiras ditas com verdade e sentimentos que, na verdade, nunca se perderam. É o momento chave do filme. É, também, a cena que é dobrada em Mujeres al borde de un ataque de nervios. Almodovar consegue, na perfeição, transpor estes sentimentos para uma relação em crise.
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2 comentários:

Anónimo disse...

... remetendo-e a à minha insignificância, o único Johnny Guitar que conheci, era em Santos ... e já fechou !!!

LT

Anónimo disse...

A propósito do "Táxi cor de Malva" e das desilusões inerentes:
“Nada é mais inabitável do que o lugar onde se foi feliz” – Cesare Pavese.
O escritor italiano do século XX Cesare Pavese foi um homem só, torturado por dramáticas incompatibilidades com o mundo em que viveu. Como é típico da espécie humana, perseguiu incessantemente a felicidade - que nunca alcançou - tendo acabado por procurar deliberadamente a morte.
Pavese era necessariamente um homem sensível, com aquela sensibilidade depurada que provém do sofrimento permanente e da desesperança. A sua personalidade solitária apenas convivia com a angústia e com o desacerto interior e esse convívio era, para ele, paradoxalmente, um estímulo à observação dos outros e das coisas. Pelo que, se isto assim é, poderemos dizer que o escritor italiano chegou àquela conclusão após profundas reflexões, não foi algo que lhe ocorresse frivolamente. E, porque as verdades dos homens nascem, quase sempre, da dor, quase teremos a certeza que Pavese viveu a dor de tentar habitar fora de tempo os lugares onde fora feliz.
Podemos supor, por exemplo, que terá regressado, adulto, a um qualquer lugar mágico da infância e aí, cruamente, terá verificado que ambos – ele e o lugar – não tinham já as dimensões que a memória guardara. O imenso tanque do quintal, onde no Verão chapinhava sob o olhar sorridente das mulheres, não é, afinal, mais do que uma cova miserável, os tijolos desfeitos, semicoberta de musgo, rectangular como uma tumba; onde soava o riso das mulheres soa agora o silêncio, as suas sombras maternais desapareceram das ombreiras. A frondosa árvore do pátio, onde pássaros inquietos se acolhiam nas noites caniculares, é agora um arbusto envergonhado: toca-lhe a copa com as mãos.
Como, ainda, não pensar que tenha igualmente visitado um luminoso amor adolescente ou uma paixão dos trinta anos? Terá apenas encontrado neblina e cinzas…
Essas viagens ao passado, esses desafios à altivez e independência das memórias avivaram irremediavelmente a sua infelicidade. E encurtaram a sua viagem para o lugar onde todas as memórias se apagam.

João, 2003