quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

CIÚME

Carlos Saura tentou hispanizar o ciúme, esse sentimento universal. O filme é melhor do que se disse, e na altura, em 1983, disse-se bem e disse-se mal. Ganhou o BAFTA e o Grande Prémio do Júri, em Cannes.
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Nesta cena, a da fábrica de tabaco - na ópera, a cena tem lugar no primeiro acto - há uma luta feroz entre duas mulheres. O elemento masculino só entra mais tarde, quando a disputa entre Escamillo e José se torna evidente. Carmen, com libretto de Merimée e partitura de Bizet, é uma celebérrima ópera, de finais do século XIX. Sobe este ano, de novo, à cena no S. Carlos.
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Enquanto esses dias não chegam, rendamo-nos aos sons do sul: à música e ao taconeado, que também é música.
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Elegia do Ciúme
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A tua morte, que me importa,

se o meu desejo não morreu?
Sonho contigo, virgem morta,
e assim consigo (mas que importa?)
possuir em sonho quem morreu.
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Sonho contigo em sobressalto,
não vás fugir-me, como outrora.
E em cada encontro a que não falto
inda me turbo e sobressalto
à tua mínima demora.
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Onde estiveste? Onde? Com quem?
— Acordo, lívido, em furor.
Súbito, sei: com mais ninguém,
ó meu amor!, com mais ninguém
repartirás o teu amor.
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E se adormeço novamente
vou, tão feliz!, sem azedume
— agradecer-te, suavemente,
a tua morte que consente
tranquilidade ao meu ciúme.
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Este poema de David Mourão-Ferreira está publicado em Tempestade de Verão

3 comentários:

babao disse...

Nao me lembrava que a Cristina Hoyos entrava neste filme.
Vi um espectaculo dela (e da sua companhia) no dia 30 de dezembro de 1994 na cidade onde "mio". Fabuloso !

Anónimo disse...

Gosto muito deste poema do David Mourão Ferreira; se não me engano faz parte de um livro de poesia desse autor, que roda aqui por casa, e que tem por título a Arte de Amar.

Anónimo disse...

E este?

Herança

Ouvir, ouvir de noite uma ambulância,
e desejar que estejas a morrer;
fechar a porta à minha própria infância;
amigos, conhecidos, nem os ver:
quebrar nas mãos o aro da esperança;
mas de mim para mim depois dizer:
"Calma! Quem nada espera tudo alcança...";
e guardar o revólver; e beber,
a sós, o vinho que na taça baste
a recompor-te, viva, na distância:
isto foi, como herança, o que deixaste.
E ainda mais o que não te quis dizer:
ouvir, ouvir de noite uma ambulância,
e desejar ser eu quem vai morrer...

David Mourão-Ferreira