sábado, 12 de fevereiro de 2011

CENAS DA LUTA DE CLASSES

Ontem, no regresso de uma reunião em Coimbra, e no meio de uma programação radiofónica onde parecia não haver nada de interessante, fui parar a um programa da Antena 3. Intitula-se Conversas de Raparigas e é feito por Rita Ferro, Ana Coelho e Rita Matos. Rita Ferro sei quem é, os outros nomes não me dizem nada. Ontem falava-se do grau de satisfação sexual das portuguesas. Que é, aparentemente, elevado. A informação baseia-se num estudo.
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A dado momento, discutia-se a validade do grau de satisfação e como se pode avaliar tal coisa. Nesse momento, uma voz upper class (Rita Ferro?) profere esta frase fatal: Como é que se pode medir a satisfação? Provavelmente, a D. Alzira de Vila Nova de Poiares tem relações uma vez por semana ou por mês e considera isso satisfatório.
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Achei graça à alusão. Não se reportou a nenhuma condessa ou baronesa, nem a nenhuma socialite do Estoril, com coloridas e efervescentes vidas íntimas mas sim à D. Alzira, presumivelmente da classe D ou E. Cujas práticas sexuais se regerão pelo cinzentismo e pela mais elementar frugalidade.
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Será mesmo assim? Terão disso a certeza? Terão mesmo? Eu não tenho. Mesmo nada. E, veja-se mais abaixo, os clássicos concordam connosco.
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E de repente sentiu ao lado, sob as ramagens, vindo do cháo, d'entre a herva, um resfolgar ardente d'homem, a que se misturavam beijos. Parou, varado: e o seu impeto logo foi esmagar a cacete aquelles dois animaes, enroscados na relva, sujando brutamente o poetico retiro dos seus amores. Uma alvura de saia moveu-se no escuro: uma voz soluçava, desfalecida — oh yes, oh yes... Era a ingleza!

Oh santo Deus, era a ingleza, era miss Sarah! Apagando os passos, atordoado, Carlos escoou-se pelo portão, cerrou-o mansamente, foi esperar adiante, n'um recanto do muro, sob as ramarias d'uma faia, sumido na sombra. E tremia de indignação. Era preciso contar immediatamente a Maria aquelle grande horror! Não queria que ella consentisse um momento mais essa impura fêmea, junto de Rosa, roçando a candidez do seu anjo... Oh, era pavorosa uma tal hypocrisia, assim astuta e methodica, sem se desconcertar jámais! Havia dias apenas, vira a creatura desviar os olhos d'uma gravura d'Illustração, onde dois castos pastores se beijavam n'um arvoredo bucolico! E agora rugia, estirada na herva!

Na estrada escura, do lado do portão, brilhou um lume de cigarro. Um homem passou, forte e pesado, com uma manta aos hombros. Parecia um jornaleiro. A boa miss Sarah não escolhera! Bem lavada, toda correcta, com os seus bandós puritanos, aceitava um qualquer, rude e sujo, desde que era um macho! E assim os embaíra, mezes, com aquellas suas duas existencias, tão separadas, tão completas! De dia virginal, severa, córando sempre, com a Biblia no cesto da costura: á noite a pequena adormecia, todos os seus deveres sérios acabavam, a santa transformava-se em cabra, chale aos hombros, e lá ia para a relva, com qualquer!...
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Transcrevo este excerto - que tanto me divertiu na juventude - de um grande clássico da literatura. Não me parece necessário indentificar o livro ou o seu autor. A tentação está aqui bem representada na fotografia de Robert Mapplethorpe.

3 comentários:

João disse...

Há vários exemplos da realidade. Desde o "País do Carnaval" do Jorge Amado, ao pastiche do Sousa Tavares, o "Equador".

E se isso está escrito, é porque é reflexo.

E sim normalmente as "queques" têm mais preconceitos. A D. Alzira deve ser bem mais feliz.

babao disse...

A Rita Ferro !?...sera a Rita Ferro autora deste blogue :

http://actofalhado.blogs.sapo.pt/

Se é, tudo se compreende !

Santiago Macias disse...

Claro que é.