domingo, 31 de julho de 2011

T 13 MOURA-ARDILA (HOMENAGEM A ERIC SATIE)

O nome é quase cabalístico. Por extenso soa ainda pior: Plano de Pormenor para a localização preferencial para instalação de empreendimentos turísticos estruturantes T 13 Moura-Ardila. Tento sempre imaginar o esforço que os fazedores de títulos complicados fazem para tornarem as coisas incompreensíveis. E recordo também o músico Eric Satie (1866-1925), que se divertia a criar títulos absurdos para as suas peças musicais, por mais que lhe dissessem que eles não eram sérios. Exemplos: deux préludes pour un chien; trois morceaux en forme de poire; chapitres tournés en tous sens. Sempre é melhor que Plano de Pormenor para a localização preferencial para instalação de empreendimentos turísticos estruturantes T 13 Moura-Ardila...

De que se trata afinal? De criar um "pólo turístico de qualidade" (veja-se o artigo 2 do regulamento - objetivos). A Câmara Municipal fez o que lhe competia, criando condições para o investimento. Com a aprovação do plano, na Assembleia Municipal da passada quarta-feira, fica aberto o caminho. Continuaremos, como é natural, a acompanhar este processo. Registo mais este passo dado. E que aditarei ao balanço de meio do mandato.

sábado, 30 de julho de 2011

BENCHLEARNING POÉTICO


Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...

Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...

Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri

E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...

Florbela Espanca


Não é a pior maneira de começar o sábado, com este poema e esta fotografia. O copianço é descarado: para isso me serve ler o acincotons, onde fui buscar o poema (v. aqui). A fotografia é incisiva, não menos que o poema. David LaChapelle (n. 1963) não é fotógrafo para subtilezas. Devo dizer que entendo muito bem o gosto dele pelo excesso, pelo colorido e pelo kitsch.

Site do fotógrafo: www.lachapellestudio.com

quinta-feira, 28 de julho de 2011

DE NOVO A ROMÃ

Durante um dia o meu blogue ficou de pernas para o ar. Balbúrdia de temas, tudo misturado etc. Depois de tentar identificar a natureza do mal descobri que a causa era um inofensivo post sobre a palavra "romã". Apaguei o post.

Volto agora ao tema. Por teimosia. Porquê a romã? A ideia foi-me sugerida por uma reportagem do Expresso, onde se aludia à existência de um bairro, junto a Tunis, chamado Rumman. Um dos habitantes do bairro teria explicado que a palavra quer dizer granada. É verdade, uma vez que romã se diz grenade (em francês) e granada (em espanhol). Mas é mais bonito dizer que rumman se diz em português romã. Mais simples e mais bonito, até porque a nossa língua é a única das latinas onde a palavra se diz exatamente como em árabe. E romã tem um som suave e redondo.

Romã é também uma palavra que está presente numa bonita moda alentejana:

Fui colher uma romã
Estava madura no ramo
Fui encontrar no jardim
Fui encontrar no jardim
Aquela mulher que eu amo

Aquela mulher que eu amo
Dei-lhe um aperto de mão
Estava madura no ramo
Estava madura no ramo
E o ramo caiu ao chão

"aquela mulher que eu amo / dei-lhe um aperto de mão" tem um toque de erotismo absurdo. Mas tudo é possível.


Capa do livro The pomegranate alone, inspirado trabalho gráfico do iraquiano Mohammed al-Shammarey. Destaquei, em baixo, a palavra romã.

JOÃO SERRA: GUIMARÃES 2012

Li ontem na imprensa que o Dr. João Serra assumiu a presidência da Guimarães 2012. O projeto da Capital Europeia da Cultura tem andado envolvido em polémica e esta nomeação cria boas expetativas no sentido de superar dificuldades.

O Dr. João Serra foi meu professor de História Económica e Social (séc. XV-XVIII) na Faculdade de Letras de Lisboa, em 1983/84. Foi um dos melhores professores que tive naquela casa e conseguiu que me interessasse por uma matéria que, à partida, me merecia o mais completo desinteresse. Rigor científico, capacidade de comunicação e espírito crítico eram imagens que lhe associávamos. A sua relação com os alunos era marcada pela cordialidade, à qual dava um toque de fleuma britânica.

Encontrei-o em diversas ocasiões ao longo dos anos: em lançamentos de livros, num encontro em Monsaraz e, anos depois, como Chefe da Casa Civil do Pres. Jorge Sampaio. Facto que me permitiu estabelecer os contactos iniciais para uma visita do Presidente a Moura, em Abril de 2004. A última vez que nos cruzámos foi há poucas semanas, na Livraria Barata. Continuava afável e com vontade de passar pelo Alentejo. Nos próximos meses não deve ser...

Boa sorte, Dr. João Serra!

quarta-feira, 27 de julho de 2011

CALVICIUS E ARRUS


A lápide foi dedicada a um tal M.N. Calvicius e a seu filho, L.N. Arrus. Quem se encarregou da homenagem foi Aemilia Anulla, mulher de Calvicius e mãe de Arrus. É uma peça funerária e datará de meados do século I d.C.

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Trata-se da mais recente e relevante descoberta feita no Castelo de Moura. Recolhida no meio de um enchimento recente, esta extraordinária inscrição sobreviveu, incólume, durante quase dois mil anos.

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Os trabalhos de acompanhamento arqueológico do Posto de Receção ao Turista têm sido dirigidos pelo meu colega José Gonçalo Valente, a quem se deve o achado. A equipa habitual foi reforçada pela Vanessa Gaspar; a partir de segunda junto-me ao grupo. O shuttle Moura-Mértola intensifica-se. A escavação em Moura também.

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Agradecemos aos Profs. Jorge Alarcão, Conceição Lopes e José d'Encarnação (Universidade de Coimbra) a leitura da lápide.

BALBÚRDIA NO BLOGGER

Não sei que se passa, mas o meu pobre blogue acordou de pernas para o ar... Nada que eu tenha feito, apesar de "não ter competências" nestas matérias (agora quando um tipo não sabe nada de um assunto diz-se que "não adquiriu competências").


Espero que isto se resolva. Se não se resolver, paciência.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

DIA MONÁSTICO

Não foi assim, no silêncio dos claustros, porque agora há login e password. Há guiões de avaliação e indicações. Nas semanas anteriores sofremos e torturámos o coordenador do painel. Não houve canto gregoriano nem vésperas. Apenas o teclar do computador e o som das folhas dos dossiês.

O dia monacal foi hoje, no Instituto Superior Técnico. Check and read-back, como nos aviões. Em quase silêncio e, seguramente, em isolamento. Conferir e comparar avaliações. Verificar as muitas solicitações de bolsas de doutoramento e pós-doutoramento apresentadas à FCT. Como cada pedido é avaliado por dois membros do painel e andamos à procura do nosso par, aquilo é um desassossego de trocas de cadeiras e de lugares. O speed-dating deve ser assim, mas é mais interessante, de certeza.

No meio é sempre interessante reencontrar colegas e amigos. E, sobretudo, perceber quais são os interesses e motivações das novas gerações de investigadores. A tudo isso se consagrou o dia de clausura.

Desta vez não houve vinho ao almoço. Sinal dos tempos...


Site da FCT: http://alfa.fct.mctes.pt/

domingo, 24 de julho de 2011

ACROSS THE BRIDGE

Já aconteceu a todos nós. Vimos, há muitos anos, um filme, e só nos recordamos de uma cena ou, vagamente, de parte do título. Durante muito tempo ficou-me na retina a imagem do homem atropelado por um carro e que fica morto sobre a tira branca que separava, numa ponte, o México e os Estados Unidos.

Vi o filme na casa da Elisa e do Zé, quando estava em Moura a fazer a 4ª classe (1972/73). Lembro-me que não percebi grande coisa do filme, que o homem andava em bolandas, não podia ficar no México, nem regressar aos Estados Unidos. Há uma ponte que ele não pode cruzar e que lhe custará a existência que, afinal, roubara. Pequena "investigação policial" na net, que deu resultado quando escrevi border bridge movie. O filme chamava-se, afinal, Across the bridge e foi realizado por Ken Annakin em 1957. Ao ler, num site sobre cinema, uma breve sinopse, não pude deixar de sorrir. O argumento anda à volta de trocas de identidades e de um homem cuja existência é roubada por outro. Era tema que, aos 9 anos, muito dificilmente poderia entender. Não sabia na altura que o sofisticado argumento fora delineado por Graham Greene, a quem a ideia das duplas identidades era tão cara.

Não sabia isso, tal como não sabia que Graham Greene se tornaria um dos meus autores insubstituíveis dos tempos de adolescência. Aqui fica a única cena disponível de Across the bridge, dobrada em alemão e tudo...


sábado, 23 de julho de 2011

FESTAS DE SAFARA

As Festas de Safara começaram ontem e vão até segunda.

De Safara a Santo Aleixo vai um mês de distância. Com paragens na Estrela, em Santo Amador, na Amareleja e no Sobral. A Póvoa fica para mais tarde.


Programa completo em:
http://festasdesafara.blogspot.com/

OS NETOS DOS MEUS NETOS - UM TEXTO DE JOAQUIM GRAVE

O ganadeiro e veterinário Joaqui Grave publicou, no último número da revista Mais Alentejo, um interessante e importante artigo sobre o presente e o futuro das corridas de touros. Transcrição integral, com a devida vénia:

No passado mês de Maio fui à Ovibeja, e um amigo meu, às tantas diz-me: "Pois é, Joaquim, no tempo dos netos dos nossos netos já não haverá corridas de toiros; é a tendência, não há nada a fazer"! A verdade é que fiquei a cismar nos argumentos escrimidos de parte a parte, espectáculo arcaico, espectáculo actual, sim, não, talvez... E aguçou-me o espírito que teima em ver nos toiros um espectáculo prenhe de valores contemporâneos.

Sem dúvida, a corrida de toiros não é moderna, como diz o meu amigo Francis Wolff, mas não porque não seja do nosso tempo; é ao contrário, o nosso tempo é que não está já na modernidade. A modernidade no sentido estrito, acabou no final dos anos oitenta do século passado, com a queda das ideologias, o fim do sonho no progresso e o esgotamento dos discursos dogmáticos das vanguardas artísticas (formalmente revolucionárias, politicamente redentoras).

Talvez o mais simólico tenha sido a queda do muro de Berlim (1989). De então para cá, vivemos o que alguns chamaram a pós modernidade ou contemporâneo e que se opõe ponto por ponto à modernidade.

Pode ser que a corrida de toiros não seja nem nunca tenha sido "moderna", mas é certo que encaixa perfeitamente no "contemporâneo", senão vejamos: o moderno está ligado ao progresso, à "velocidade", à industrialização sistemática (onde cabe a ganadaria de produção de carne intensiva); por sua vez, o contemporâneo e a corrida de toiros estão ligados à biodiversidade, à ganadaria extensiva de bravo, aos equilíbrios dos ecossistemas. A modernidade só via a salvação através da comunidade e da sociedade, no "tudo é política"; pelo contrário, o contemporâneo e a corrida renovam os valores do herói solitário (pensemos no culto contemporâneo aos êxitos singulares e aventureiros de qualquer tipo), com uma ética das virtudes individuais, o valor, a lealdade, o dom de si mesmo.

A modernidade queria esconder a morte (simples "não vida", da mesma forma que se diz invisual em vez de cego), reduzi-la ao silêncio do frio das casas mortuárias ou à mecânica funcional dos matadouros. O contemporâneo e a corrida de toiros por sua vez, reconhecem que a cerimónia da morte pode contribuir para dar sentido à vida mostrando-a conquistada a cada instante sobre a possibilidade mesma da sua negação.

A arte moderna glorificava a vanguarda social e declarava o fim da "representação", o pós moderno mistura o popular e o erudito - como na corrida de toiros - que é a mais sábia das artes populares.

A pós modernidade, longe de opor o homem ao animal como nos tempos modernos, pressente que não há humanidade sem uma parte de animalidade, sem um outro a quem medir-se, como se o homem - hoje ainda mais que ontem - só pudesse provar a sua humanidade na condição de saber vencer, nele e fora dele, a animalidade na sua forma mais alta, mais bela, mais poderosa, por exemplo a do toiro bravo.

Os toiros já não são somente a Festa Nacional de Espanha. Com isso, os espanhóis perderam um pouco mas ganharam muito. Os toiros converteram-se em parte integrante da cultura da Europa meridional e, inclusivamente, património mundial. No passado mês de Abril em França, a Festa dos Toiros foi declarada Património Cultural Imaterial. Se calhar não é por acaso que o lema desse velho país europeu é liberté, egalité et fraternité; claro que Portugal e, mesmo Espanha, vão beneficiar desse facto.

Não sei se com isto consegui tranquilizar o meu amigo e convencê-lo que os netos dos meus netos terão, provavelmente, oportunidade de desfrutar deste fascinante espectáculo. Eu cá estarei para ver e se, entretanto, morrer, não faz mal porque estarão os netos dos meus netos para me contar!


A revista Mais Alentejo está, também, no facebook:
http://pt-br.facebook.com/pages/Revista-Mais-Alentejo/111274562240700

sexta-feira, 22 de julho de 2011

NOR-WAY

Ataques terroristas em Oslo. A Noruega está no topo de desenvolvimento humano, os indicadores são impressionantes e é daqueles países aos quais associamos a imagem do bem-estar e segurança.

A brutalidade de dois atentados veio sacudir a pacatez do país. Falou-se primeiro em terrorismo islâmico, depois a polícia norueguesa veio esclarecer que se trata, em princípio, de "um grupo antissistema".

O inverno chegou, este ano, demasiado cedo a Oslo.

GUADALETE

A data não é clara. Algures no final de Julho de 711. Há 1300 anos. O sítio também não está completamente definido. O significado real da batalha que opôs Rodrigo a Tariq também não. A batalha marcou o início da invasão islâmica da Península Ibérica? Sim e não. O fenómeno de islamização corresponde a uma orientalização que mergulha raízes no Império Romano do Oriente? Sim, mas não só. O que se pode ler sobre este processo? Muita coisa: Pedro Chalmeta e Pierre Guichard. Gabriel Martinez-Gros. Sanchez-Albornoz. Mas também, e apesar de tudo, Ignacio Olagüe e Americo Castro. Regressemos a Dozy. Há respostas seguras? Muito poucas. Mergulhemos então no mundo das villæ e na sua sobrevivência ao longo dos séculos. Tentemos entender os fenómenos de transição.

No ocidente, olhemos para Beja entre os século V e X. Sem decifrar a bela capital pacense e os campos à sua volta não entenderemos nada sobre este processo de mudança. E resistamos à tentação das leituras e interpretações facilitistas que colocam no mesmo plano o Alentejo desses dias e o de hoje, com divisões entre bons e maus, entre opressores e libertadores. O maniqueismo nunca foi bom conselheiro...


O quadro do académico Salvador Martínez Cubells (1845-1914) talvez seja a melhor forma de enquadrar esteticamente o debate. Luzes e sombras, ideias mais ou menos sedimentadas e pouca inovação.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

A SOMÁLIA, ÀS 13.31

O texto em rodapé anunciava que quatro milhões de pessoas podem morrer à fome, na Somália. A notícia surgiu às 13.31, em 13º lugar, ou coisa que o valha, no alinhamento do Jornal da Tarde (RTP 1). Antes, tinham sido tratados temas tão faiscantes como uma apreensão de droga e o roubo de estátuas de bronze (!) em Oliveira de Azeméis.


A Somália fica muito longe, e mais somali menos somali é coisa que pouco interessa, como bem sabemos desde que se desmanchou o pé da Luisinha Carneiro (v. aqui). A dimensão pacóvia e provinciana da RTP é o espelho do País que somos.



Duas achegas sobre o racismo e o paternalismo subliminares:


1. "That is why I work in Africa as missionary, teaching little brown babies", dizia Ingrid Bergman no filme Crime no Expresso do Oriente.

2. Palhota s.f. cabana de negros (in "Dicionário de Língua Portuguesa da Porto Editora"). Parto, naturalmente, do princípio que, sendo eu branco, a palhota deixará de o ser no dia em que fôr morar para uma. Ou não?

quarta-feira, 20 de julho de 2011

DE BAGDADE A CÓRDOVA, PASSANDO POR LAVEIRAS

Lê-se no Expresso do passado sábado: "(...) vitória de Charles Martel sobre os exércitos do Califado de Córdova [em 732]".

Pequena correção a quem isso possa interessar, e uma vez que o autor daquele texto até é licenciado em História:

O califado tem início apenas em 929 d.C. (316 H.), quando Abd al-Rahman III se proclama califa.

Regresso ao tema depois de amanhã, por causa da batalha de Guadalete.

DÊ-ME UM ABRAÇO

Dê-me um abraço, dizia a camisola do senhor, de ar contentinho-da-silva, que estava a ser entrevistado pela tv e que explicava que aquilo era por causa do dia da amizade e que ele ía estar pela baixa do Porto a pedir abraços. Já só nos faltava mesmo esta. A da amizade reality-show, assim só porque sim, para andar aos abraços urbi et orbi.

A Amizade é uma coisa séria. Há abraços de circunstância e aqueles de que não nos esquecemos. Há alguns de que não me esqueço, dados em momentos de celebração ou de reencontro ou em ocasiões difíceis. A proximidade física não é apenas física. Daí que abraçar um desconhecido me seja tão absurdo como tomar uma bebida com alguém de quem não gosto.

O dê-me um abraço é o sintoma da falta de afeto no dia-a-dia e o expoente máximo da solidão. E da irrealidade de alguns quotidianos.

LE BLÉ QUI EST DORÉ

Et puis regarde ! Tu vois, là-bas, les champs de blé ? Je ne mange pas de pain. Le blé pour moi est inutile. Les champs de blé ne me rappellent rien. Et ça, c'est triste ! Mais tu as des cheveux couleur d'or. Alors ce sera merveilleux quand tu m'auras apprivoisé ! Le blé, qui est doré, me fera souvenir de toi. Et j'aimerai le bruit du vent dans le blé...


Talvez a ligação imagem/texto possa parecer forçada, mas a solidão do sítio, o facto de ter servido de celeiro coletivo (é um agadir, muito comum no norte de África e identificado arqueologicamente na Península Ibérica), a imagem do cereal e, sobretudo, o absoluto silêncio do local evocam-me esta passagem de Saint-Exupéry, em Le petit prince.

A fotografia foi feita na primavera de 2008, em Qasr el-Hajj, a sul de Tripoli.

terça-feira, 19 de julho de 2011

DRESS CODE

Tinha um lenço preto comprado em Marrocos. Levava-o para a Faculdade enrolado ao pescoço. O meu pai, que usa gravata desde os 16 anos, bradava então: "Júlia, acho que ele vai para as aulas com um dos teus collants ao pescoço". Nunca reagi porque, intimamente, achava graça à provocação.

Lembrei-me dessa repetida cena familiar muitos anos mais tarde, na Brown University, onde fora convidado a dar um par de conferências. O prof. Rolf Wynckes alertou-me, pouco à vontade: "espero que não se importe muito com a informalidade dos nossos alunos; o dress code é bastante descontraído". Nunca liguei muito a essas coisas, mas o dress code dos alunos de História da Brown era um pouco mais que informal: sapatilhas de enfiar no dedo, bermudas, t-shirts a precisarem de lavandaria e, la cerise sur le gâteau, um dos alunos levou uma bandeja com uma sandes e uma coca-cola para a aula. O pobre do Prof. Wynckes olhava-me, esgazeado, mas eu estava com uma imensa vontade de rir e só pensava "se eu pagasse 60.000 dólares de anuidade, acho que até vinha com um fato à Tarzan...".

Sempre houve um certo complexo à esquerda com as gravatas e com os laços. E com certas formalidades que são necessárias. E que não me parecem despropositadas. Deve ser a minha costela conservadora...

A Católica vem agora impôr regras aos seus alunos e professores. É um direito que assiste a uma instituição privada. Mas fico sempre com a desconfiança que este tipo de normas são sempre o primeiro passo para a padronização e para os fardamentos.



Pelo sim, pelo não, aqui ficam alguns nós de gravata. Costumo usar o simples e o duplo simples. O João, que é muito mais profissional, conhece umas sete opções.

MÉRTOLA - MAIS UM REGRESSO

Foi com uma estranha e angustiosa sensação que regressei hoje à investigação arqueológica sobre o bairro islâmico de Mértola. Diversos fatores levaram-me a não intervir, a partir de 2001 na alcáçova da vila. Retomei hoje um contacto que pensava interrompido para quase sempre. O que me preocupará nas próximas semanas? Concluir relatórios, ler e escrever, olhar de novo para as estruturas do bairro, tentar reler as estruturas da casa VIII, e as da casa IX, e as da XII e as da XV. A forma como se estruturam e foram sendo reformuladas diz-nos bastantes coisas sobre a sociedade da época.

Ao longo da manhã fui ligando para Moura. Nessa pendulação aumentou a minha angústia. E comecei a contagem decrescente para dia 5 de Setembro, quando conto retomar os trabalhos arqueológicos no castelo.


A UN AMIGO QUE RETIRADO DE LA CORTE PASÓ SU EDAD

Dichoso tú, que alegre en tu cabaña,
Mozo y viejo espiraste la aura pura,
Y te sirven de cuna y sepultura,
De paja el techo, el suelo de espadaña.

En esa soledad que libre baña
Callado Sol con lumbre más segura,
La vida al día más espacio dura,
Y la hora sin voz te desengaña.

No cuentas por los Cónsules los años;
Hacen tu calendario tus cosechas;
Pisas todo tu mundo sin engaños.

De todo lo que ignoras te aprovechas;
Ni anhelas premios ni padeces daños,
Y te dilatas cuanto más te estrechas.

Ler este poema de Francisco de Quevedo (1580-1645) foi uma forma de identificar sentimentos. E ideias. Embora não me tenha ajudado muito.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

MESTRADOS - O FUTURO


Jovem atleta festejando o grau de Mestre, que lhe saiu ao comprar uma lata de Milo

AINDA ÉS DO TEMPO DAS LICENCIATURAS ANTES DE BOLONHA?

Enredado nos cinco-dias-cinco de borga da Festa de Moura nem abri os jornais. Só agora, ao chegar a Mértola, comecei a folhear a leitura por ler. Vai daí fui cair neste anúncio (página 9 do Público de sábado). Que me deixou estarrecido, embora não muito surpreendido.

Deu-me vontade de mandar um mail a responder: sim, sou do tempo das licenciaturas pré-Bolonha. 4 anos de licenciatura, mais 4 de mestrado. Estes últimos, na Universidade Nova de Lisboa, foram decisivos para o resto da vida. Os seminários, com professores como José Mattoso, Iria Gonçalves, Luís Krus ou Oliveira Marques eram tudo menos um passeio. Um trabalho escrito por seminário, a desenvolver ao longo de um ano de investigação.

Isso acabou e mestrados assim fazem parte do passado. A formação é cada vez mais pico-pico-sarapico, tocando muito coisa e não aprofundando nada. Já aqui o disse em tempos, mesmo arriscando a ser classificado como um troglodita de viseira.

O anúncio da Lusófona é uma clara visão do mundo universitário. Não resisto a transcrever o artº. 3 de um dos regulamentos:

Os diplomados que tenham terminado as suas licenciaturas ao abrigo do sistema de graus anterior ao "Processo de Bolonha" e que tenham mais de 5 anos de experiência profissional relevante, poderão obter o grau de Mestre, na especialidade [uf!, suspiro eu], solicitando para esse efeito a creditação da formação adquirida na licenciatura, num mínimo de 80 ECTS, relativos à parte curricular do 2º ciclo (mestrado), e apresentando, em alternativa à dissertação, um relatório detalhado sobre a sua actividade profissional que será objecto de prova pública e que incluirá a discussão das experiências e competências adquiridas em contexto profissional.

Gosto, em particular, da "alternativa à dissertação" e da "discussão das experiências". Ou seja, abriram os saldos no mundo dos mestrados. O descaramento é total. E quem disser o contrário, como o autor deste blogue, não passa de um troglodita de viseira.

A quem possa interessar:
http://acesso.grupolusofona.pt/index.php/component/content/article/78/610-regulamento-pre-bolonha

domingo, 17 de julho de 2011

UNA GIORNATA PARTICOLARE

Perguntaram-me há dias se vi todos os filmes que aqui menciono. Detesto bluffs e só falo do que já vi. Naturalmente que todos os filmes que por aqui passam têm a ver com memórias particulares e com momentos concretos. Como este Um dia inesquecível (Una giornata particolare), visto em 1978 ou 1979, no Quarteto. É um filme de Ettore Scola (n. 1931), com Marcello Mastroiani (1924-1996) e Sophia Loren (n. 1934).

O que tem Um dia inesquecível de tão especial? A história, um argumento brilhante. Uma dona de casa fica sózinha num prédio enquanto toda a família vai vitoriar Hitler, que visita Roma nesse dia tão especial (8 de Abril de 1938). Só há outra pessoa no prédio, um jornalista que acabara de perder o trabalho. Inicia-se um flirt que só durará esse dia. O jornalista é homossexual e anti-fascista, mas acabará fazendo amor com aquela mulher muito bela, a quem a vida parece passar ao lado. O ambiente de Um dia inesquecível é claustrofóbico, com os sons da manifestação e das marchas militares em fundo. O jornalista acabará preso. A mulher volta à sua rotina.

A cena do terraço tem uma fortíssima e equívoca carga erótica:




sexta-feira, 15 de julho de 2011

DE COMO ME TORNEI MODELO FOTOGRÁFICO QUASE AOS 50 ANOS

Post (quase) só mourense


Podia haver ideias piores...


Carlos Ferreira, talentoso fotógrafo de estúdio, mantém, desde 1970, uma interessante tradição. A de decorar a montra do Estúdio C com um tema específico, durante as Festas de Nossa Senhora do Carmo. Este ano telefonou-me a dizer que o tema seria a arqueologia e a dizer que gostaria de me fotografar. Reagi com uma sonora gargalhada e aceitei de bom grado. Por quatro motivos:


Pela amizade que tenho ao sr. Carlos e aos seus filhos Miguel Ângelo e Rui;

Gosto de sempre de participar em coisas que tenham a ver com a terra;

Mantenho um sentido lúdico das coisas, que espero não perder com o passar dos anos;

Não poderia recusar uma ideia destas a quem me fez fotografias desde os meus 3 ou 4 anos;


Às fotografias, feitas numa manhã de sábado, juntaram-se materiais de escavação: ardósia, colherim, balde, pico, escala, bússola e, até, uma cópia de um diário de campo e uma publicação sobre cerâmica do séc. XVII.


O resultado é este:



Carlos Ferreira é um artista do efémero, na mais pura tradição meridional. Quando lhe perguntei se tinha registos das 41 montras até hoje preparadas respondeu-me com um encolher de ombros e a frase "sabes, nunca me preocupei muito com isso; devo ter fotografias de umas cinco ou seis".

FRANCISCO COSTA (LESICO)


É uma das pessoas mais queridas na cidade de Moura. O seu percurso artístico teve início há muitas décadas. Francisco Costa (ou Lésico, como é popularmente conhecido aqui no burgo) foi desenhador profissional. E pintor por vocação, talento e dedicação.


Um grupo de amigos artistas decidiu homenageá-lo, acompanhando a sua obra com outras pinturas e esculturas. Francisco Costa era ontem um homem feliz e comovido no momento de arranque desta iniciativa, que contou com o apoio da Câmara Municipal de Moura.


Seu admirador desde há muito, fiquei também feliz por poder estar presente. A exposição estará patente ao público durante as Festas da Padroeira, na Rua Miguel Bombarda. Aqui vos deixo esta imagem, de um quadro datado de 2004. Lésico tinha então 81 anos. A cor tem o otimismo da juventude.

MARIA MAIA

A onda de mensagens que ontem circulou pela archport diz bem do prestígio e respeito que o nome de Maria Maia suscitava.


Conheci a Maria Maia nos tempos da Faculdade, embora não tenha sido minha professora. Tive a oportunidade de a contactar inúmeras vezes, ao longo dos anos. Extremamente culta e sabedora, deixou a Universidade por opção própria. Trabalhou em Castro Verde e em Tavira, ao lado de Manuel Maia. A arqueologia portuguesa, e o Alentejo, têm para com a Maria Maia uma daquelas dívidas que não tem forma de ser paga.


Estive com ela em Mértola, no passado mês de Dezembro, durante o colóquio "Leituras do Sul Cristão". Não me passou pela cabeça que não a voltaria a ver.



Do site da Câmara Municipal de Castro Verde:


Faleceu a Dra. Maria Maia, Conservadora do Museu da Lucerna


Castro Verde ficou mais pobre com o falecimento da Dra. Maria Adelaide Figueiredo Garcia Pereira Maia. Arqueóloga e investigadora com um longo trabalho realizado, reconhecido no meio académico. Mantinha há muito tempo uma forte ligação com o concelho, contribuindo de forma evidente para o conhecimento da história local. Responsável por inúmeras escavações arqueológicas e coordenação de vários projectos, alguns desenvolvidos em conjunto com o seu companheiro Dr. Manuel Maia, de que merece destaque o inventário dos sítios arqueológicos do concelho e o Museu da Lucerna, equipamento onde assumia a responsabilidade de Conservadora. Foi colaboradora da Câmara Municipal de Castro Verde, desempenhando actualmente funções afectas à Cortiçol – Cooperativa de Informação e Cultura de Castro Verde.Dra. Maria Maia, tinha 64 anos, era natural de Lisboa. O seu falecimento ocorreu depois do agravamento de doença prolongada que a afectou nos últimos meses. O funeral realiza-se dia 15 de Julho, pelas 10h30, da Casa Mortuária para o Cemitério de Castro Verde.Neste momento, a Câmara Municipal de Castro Verde não pode esquecer toda a dedicação, empenho e amizade que a Dra. Maria Maia disponibilizou no desenvolvimento da sua actividade no concelho de Castro Verde, marcando para sempre de forma profunda o conhecimento que temos da nossa história.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

BREAKFAST AT CANTINHO

Foi ontem inaugurada, no antigo Café Cantinho, em Moura, a exposição de pintura de António Oliveira (n. 1965), artista plástico mourense. António Oliveira é licenciado pelo IADE, tendo depois prosseguido estudos no London College of Fashion.


A música e o cinema são a sua pedra de toque. Os seus trabalhos têm sugestões da Pop Art, recorrendo o tratamento da imagem a meios sofisticados. O resultado é interessantíssimo e os trabalhos do António merecem bem uma visita. Escolheu mulheres sofisticadas e deu-lhes tons quentes. O que me parece bem. Dois exemplos e duas memórias do século XX: Greta Garbo (imagem do filme Mata Hari) e Audrey Hepburn (de Breakfast at Tiffany's).


Para saber mais:




FESTA 2011

Começa hoje a Festa de Nossa Senhora do Carmo, em Moura.

Para todos, praticantes e não-crentes (v. programa aqui).

quarta-feira, 13 de julho de 2011

TUNÍSIA X: O PORTO DE CARTAGO



Cartago: antes e depois. Podia ter sido uma Roma a sul, mas não foi. A imagem de cima é uma reconstituição, com os dois portos: o naval (circular), no interior; o comercial, retangular, em contacto com o Mediterrâneo. A imagem de baixo, que deverá datar da primeira metade do século XX (Sidi Bou Saïd vê-se ao fundo, à direita), permite-nos constatar a manutenção do perfil do porto. As "imprecisões" e as "irregularidades" nos terrenos são sempre indiciadores do que se esconde e das alterações que os sítios sofrem. A arqueologia é, também, isso.


Quando a fotografia foi feita, os bairros de vivendas caras não ocupavam todo o espaço disponível. O tempo se encarregou de não deixar livre um só metro quadrado. Visitar Cartago a pé era, há anos, um quebra-cabeças de ruas vigiadas, seguranças de auriculares e óculos escuros e polícias armados até aos dentes. Uma experiência diferente e uma forma bizarra de ver os monumentos romanos e da Antiguidade Tardia, onde até a visita às termas de Antonino é limitada, porque o sítio está paredes-meias com o palácio presidencial.


O percurso torna-se asfixiante e temos dificuldade em ler a Cartago de há 2000 anos. Há fugas possíveis? Há sempre. Suba-se à colina de Byrsa e veja-se a cidade ao longe. E tentemos imaginar a cidade que foi e já não é.

terça-feira, 12 de julho de 2011

A POESIA NA ÁGUA CASTELLO



Desconhecia também a existência de bilhetes postais com excertos dos Lusíadas (podemos ser uma nulidade nas Finanças Públicas, mas somos um país de bons poetas e de atitudes poéticas) e a exortação Bebam a Água Castello. Bebamos, pois.


Porque é que já não há empresários assim?

A MÚSICA NA ÁGUA CASTELLO



Já uma vez (v. aqui) tive a oportunidade de referir a existência de uma peça musical dedicada a Salúquia, da autoria de Alfredo Keil. A capa da partitura, em exposição no núcelo dos Pisões, é uma belíssima obra, cheia de referências Arte Nova. O que eu desconhecia é que a peça foi uma encomenda da Água Castello.

ÁGUA CASTELLO - NOVOS CAMINHOS



Tive o grato prazer de participar, esta tarde, na cerimónia de inauguração do núcleo museológico que a Água Castello abriu ao público, nas suas instalações de Pisões. Uma coleção notável, que testemunha mais de um século de ligação da empresa ao nosso concelho. Uma atitude de louvar, não só por procurar o fortalecimento dos laços entre a Água Castello e a cidade, mas também por surgir num momento em que outros se retraem e preferem desinvestir.


A presença da Secretária de Estado do Turismo reforça a importância que o Poder Central reconhece a este projeto. A presença e a intervenção do Presidente da Câmara de Moura mostra que a autarquia está profundamente empenhada em acompanhar e em participar em tudo o que possa contribuir para o desenvolvimento do concelho.

PAMPLONA

Tenho acompanhado, no canal 111, a Feira de Pamplona (v. programação das corridas de touros em http://portalnacional.com.pt/util/tv/TBRAV/). A tarde de ontem, sem ser excecional, teve coisas invulgares e um momento único, sublinhado pelos vários comentadores e pelo portal mundotoro: "Iván Fandiño se fue a portagayola para recibir al tercero por gaoneras". Temerário e inédito.


Mas surpreendente mesmo foi o ambiente da praça, a meio caminho entre a claque de Old Trafford e o estrilho da Marquês de Sapucaí. Havia mesmo muita gente em improvisados piqueniques de costas para as lides. Mais habituado ao silêncio quase religioso das praças meridionais não pude deixar de estranhar aquela celebração. E, mais ainda, as latas de cerveja atiradas para a arena.


Em www.mundotoro.com: Toros de Fuente Ymbro, impecablemente presentados, serios, nobles pero algo justos de fuerza y raza. Antonio Ferrera, silencio y silencio tras dos avisos; César Jiménez, ovación y oreja tras aviso e Iván Fandiño, oreja y ovación tras aviso.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

GEOGRAFIA FÍSICA: OS PÉS


Cuando no puedo mirar tu cara
miro tus pies.

Tus pies de hueso arqueado,
tus pequeños pies duros.

Yo se que to sostienen,
y que tu dulce peso sobre ellos se levanta.

Tu cintura y tus pechos,
la duplicada púrpura de tus pezones,
la caja de tus ojos que recien han volado,
tu ancha boca de fruta,
tu cabellera roja, pequeña torre mía.

Pero no amo tus pies
sino porque anduvieron sobre la tierra
y sobre el viento
y sobre el agua,
hasta que me encontraron.



Assim se conclui esta série intitulada GEOGRAFIA FÍSICA. O poema é de Pablo Neruda (1904-1973), a pintura de François Boucher (1703-1770). Nela se vêem os pés, e todo o corpo, que uma coisa sem outra não faz sentido. O quadro, intitulado Odalisca, está hoje no Louvre.

domingo, 10 de julho de 2011

AINDA OS PRÉMIOS GAZETA


Ao ler que as reportagens de Sofia Lorena sobre o Iraque foram distinguidas com o Prémio Gazeta lembrei-me que as segui com todo o interesse e as sinalizei aqui no blogue (v. aqui).

Se eu fosse o Prof. João Carlos Espada escreveria "o júri do Prémio Gazeta, depois de ter lido atentamente o meu blogue, resolveu distinguir blablabla". Mas não sou. Limito-me a registar a coincidência. E o facto de ser um leitor atento.

sábado, 9 de julho de 2011

NEWS OF THE WORLD


Éramos desaconselhados a ler a popular press. O estilo de escrita era duvidoso, o conteúdo uma lástima, o grafismo espalhafatoso. Jornais como o News of the World, The Sun ou o Daily Mirror ficavam à porta do Instituto Britânico. Os títulos disponíveis eram bem mais circunspectos: The Times, The Guardian, The Daily Telegraph... Uma vez, meio na provocação, perguntei se podiamos ter acesso ao The Morning Star (o Avante! do Reino Unido). Lembro-me da resposta neutra do Prof. John Ladhams: "it's hard to find in Lisbon".

O News of the World, que terei comprado um par de vezes, era um saco de lixo em letra de forma. O seu encerramento, envolto num escândalo obsceno, é uma medida salutar mas sem grande futuro nem esperança. Outros tablóides florescerão. O sr. Murdoch se encarregará de tirar partido da situação.

SUDÃO DO SUL

Hoje nasce mais um país em África, o Sudão do Sul. Infelizmente, as razões para otimismo são curtas e as expetativas nebulosas.

O assunto desapareceu das páginas dos jornais e as referências na imprensa de hoje são insignificantes, e de muito menor impacto que o problema do palco no Optimus Alive.

É tema que, a partir dos grandes trabalhos fotográficos de George Rodger, desde há muito me interessa (v. aqui e aqui). Um dia se fará a História dos interesses que se moveram e da forma como se deixa que, à conta de interesses geoestratégicos, se deixa prolongar uma guerra durante mais de 50 anos. Nessa História caberá também um capítulo, decerto, para a narrativa da pilhagem dos recursos sudaneses. Que amanhã terá, tranquilamente, continuidade.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

FELICITAÇÕES 2: MANUEL JOSÉ



Quem merece também ser parabenizado é o treinador Manuel José. É, pela sexta vez, campeão egípcio. O clube talismã é o al-Ahly (o "nacional"), do Cairo. Com o qual já ganhou, por 4 vezes, a Taça dos Campeões de África. E a Super-Taça do mesmo continente, mais 4 vezes. E 2 vezes a Taça do Egipto. E mais 4 vezes a Super-Taça daquele país.


É obra.

FELICITAÇÕES 1: CARLOS JÚLIO


Vamos lá acabar a semana pondo as contas em dia.


Depois do Prémio Jornalistas pela Igualdade, Saúde, Cidadania e Desenvolvimento, foi agora a vez do Prémio Gazeta da Rádio. O distinguido chama-se Carlos Júlio e é jornalista da TSF. E é alentejano. E é um profissional que admiro e respeito. Um abraço de parabéns, aqui de Mértola.

AUPRÈS DE MON ARBRE

Um leitor do blogue comentava, a propósito da árvore mais antiga de Portugal, que tem o "privilégio de observar a árvore em questão da [...] janela" e que brincou "em criança muitas vezes em cima dela". O comentário é interessante, porque todos temos as nossas árvores. Lembro-me sempre de duas, em Moura: o pilriteiro da ponte do coronheiro e a(s) amoreira(s) da estrada do Sobral.

Daí que as palavras de Georges Brassens (1921-1981) façam todo o sentido:

Auprès de mon arbre
Je vivais heureux
J'aurais jamais dû
M'éloigner d' mon arbre
Auprès de mon arbre
Je vivais heureux
J'aurais jamais dû
Le quitter des yeux

Muitas vezes tenho pensado nestas palavras, muitas mesmo.



Três notas laterais:
1. O primeiro minuto da gravação é um pouco pompier. Vale a pena esperar.
2. Por causa de uma música de Brassens quis uma vez ir à Porte des Lilas, ante o ar atónito do Bruno, que não percebia o que raio de interessante haveria na Porte des Lilas. Garanti-lhe que não tinha lá nenhuma "petite amie" mas nunca expliquei as verdadeiras razões.
3. Veja-se: http://www.georges-brassens.com/

quinta-feira, 7 de julho de 2011

ZAMBUJEIRO - 840 a.C.


Esta oliveira bravia é, segundo investigadores da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, a árvore mais antiga de Portugal. Noutros tempos teria de estar em Guimarães ou em Aljubarrota. Hoje, pode prosaicamente, ficar-se pelo Bairro da Covina, em Loures, no que resta de um antigo olival próximo das ruínas do castelo de Pirescouxe.

A oliveira bravia é também designada como zambujeiro. Um nome curioso, de origem berbere. A palavra é ainda hoje usada no norte de África, embora não se aplique necessariamente ao domínio da flora: tenho uma amiga argelina a quem a mãe chamava "zambuj", dado o seu feitio rebelde; um facto que pude confirmar, em mais que uma ocasião.

O zambujeiro de Pirescouxe tem, na base, um perímetro de 10,15 metros. E data, mais ou menos de 840 a.C. Em rigor, é em muito anterior a Viriato. É que os jornais, em momento de inflamado lusitanismo, dizem que a árvore é contemporânea do célebre guerreiro. É verdade. Mas teria sido mais rigoroso dizer que o zambujeiro é da idade de Homero. Mais verdadeiro e mais poético.

DESAFIO

A Moody's acaba de cortar o rating de Lisboa, de Sintra, dos Açores, da Madeira, da CP, da REFER, da Parpública e da RTP.
Então, e eu? Cortem lá o meu rating, se são homens!


Fotografia (da autoria do meu camarada e amigo Rafael Rodrigues) feita nos dias em que, bem protegido - à minha direita, Paulo Macedo, atual ministro da Saúde; à minha esquerda, Fernando Nogueira, secretário-geral da Fundação Millenniumbcp -, pensava estar imune ao rating.

MATILDE MARÇAL


Matilde Marçal (n. 1946) homenageia, numa das suas telas, o pintor espanhol Francisco Zurbarán. A exposição esteve patente, até hoje, em Moura. Matilde Marçal é um valor seguro do nosso meio artístico, com trabalho importante no domínio do ensino. Aos gestos da sua pintura não são alheios os diálogos com Gil Teixeira Lopes e com Rogério Ribeiro. Quem não passou pela galeria do Cantinho pode ser tirar partido do catálogo.

Os bodegones do grande pintor espanhol de origem extremenha têm aqui uma digna citação. E antes que o Joaquim Caetano diga que me vendi ao maneirismo, esclareço que o interesse em Zurbarán, ou em Josefa d'Óbidos, tem sobretudo a ver com leituras arqueológicas que os objetos representados permitem.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

QUIZZ ADEQUADO AO MOMENTO (solução)


Quem manda em Portugal?

Fácil, fácil, fácil: Raymond W. McDaniel, Jr., CEO da Moody's

Lê-se, entretanto, num despacho da AFP:
BERLIM, Alemanha — O ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schäuble, declarou nesta quarta-feira que é preciso "romper o oligopólio das agências de classificação e limitar sua influência", um dia depois que a agência Moody's reduziu inesperadamente em quatro escalões a dívida de Portugal. "Não consigo ver o que há por trás desta valorização", declarou Schäuble, referindo-se à classificação da Moody's.

Para os alemães estarem tão interessados no minúsculo Portugal algo me diz que estão entalados com esta história. Digo eu, mas eu sou de História da Arte, não de Economia. Embora goste que me tratem por "Santiago" e não por "sr. professor".

CAMPO MAIOR: tic tac TOE


Final do registo campo-maiorense para uma breve nota sobre estas festas, que são, de facto, do povo. Em vários sítios, lojas, ateliês, serviços camarários, mãos hábeis vão tecendo as flores em papel. Só assim se consegue dar corpo a um céu de flores que irá cobrir mais de 90 ruas. Só com esse empenho coletivo os resultados se alcançam.

Durante uma semana a vila há-de ser um mar de cores. Este ano conto fazer a primeira incursão por essa celebração do Alto Alentejo. Depois da Festas de Santo Aleixo, bem entendido.

As Festas do Povo têm uma irregularidade salutar e pouco helvética. As últimas foram em 2004. Reata-se agora a iniciativa. De 27 de Agosto a 4 de Setembro.

HÁ COISAS QUE EU GOSTAVA DE PERCEBER


Paolo Pinamonti foi contratado como diretor do Teatro Nacional de S. Carlos em 2001;
Teve um percurso de sucesso, obtendo reconhecimento generalizado por parte da crítica especializada;
Em 2007, o secretário de estado da cultura Mário Vieira de Carvalho resolveu dispensá-lo em nome de uma qualquer renovação;
A saída foi feia e, tanto quanto li, não houve sequência para o trabalho que estava a ser desenvolvido;
Paolo Pinamonti foi agora escolhido, de entre 27 candidatos, para dirigir a prestigiadíssima Zarzuela, de Madrid.

Há, de facto, coisas que eu gostava de perceber.

terça-feira, 5 de julho de 2011

QUIZZ ADEQUADO AO MOMENTO


Então aqui vai a pergunta:

Como se chama o indivíduo da fotografia e qual o lugar que ocupa?

Uma dica para facilitar: é ele quem manda em Portugal.

ACABAM AS GOLDEN SHARES, É A VEZ DO GOLDFINGER

O governo acaba com as golden shares na EDP, na PT e na GALP. Já se sabe, é o mercado de capitais, mais a livre concorrência, mais o memorando de entendimento. etc etc etc

Fica-se, sei lá porquê, com a ligeira sensação de que o nosso destino não está nas nossas mãos, mas algures lá longe, nos mercados.

Aqui fica um dos começos mais interessantes de um filme de James Bond. Com a voz de Shirley Bassey. Neste caso 007 contra Golfinger (1964). Que era o vilão que queria dar cabo do ouro guardado em Fort Knox, para depois manipular os mercados à vontade. Tem maningue Goldfingers nos nossos dias...


LE RETOUR D'ARCHIBALD HADDOCK

João Gonçalves, animador do cáustico blogue O Portugal dos Pequeninos, é agora assessor de Miguel Relvas, a quem em tempos chamou de "pequeno Torquemada de Tomar".

Pas mal, mas nada que se compare ao chorrilho de insultos com que mimoseou Passos Coelho:

vulgar cacique
abrótea
vacuidade absoluta
alforreca perdida
candidato a futuro artista de circo
formado no pior aparelhismo

Concluia João Gonçalves:

"homem que chegou 'a fazer um casting para participar num musical do La Féria, no Politeama' mas que, pelos vistos, não chegou aos calcanhares de uma Anabela ou de uma Wanda Stuart."
e
"Passos já vai na terceira ou na quarta oportunidade e ainda não conseguiu uma primeira boa impressão. Palpita-me que tem um lindo futuro atrás dele".

Uf! Final de série, como se dizia nos bailes de outrora.


A investigação que levou a isto foi foi pelo blogue Câmara Corporativa. Nada surpreendente. No dia 7 de Junho fiz a previsão (v. aqui), fácil, de que os blogues socráticos iam passar a ser divertidos. Não errei.