quarta-feira, 10 de outubro de 2012

VENHA À RUA!

Quem ontem (dia 26.9) tiver assistido a um dos telejornais da TVI 24 teve a rara oportunidade de presenciar ao vivo um arremedo do que pode vir a ser o futuro. Um aluno vaiou e insultou o primeiro-ministro à entrada do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. O moço, ingénuo e, decerto, com escassa preparação política, caiu em duas esparrelas: tomar a iniciativa sozinho, à campeão, e não resistir à tentação, fácil e estúpida, do insulto. A coisa deveria ter ficado por aí. Ou, melhor, o aluno deveria ter sido alvo de procedimento disciplinar, se fosse caso disso. O pior é que não ficou por aí. Um dos gorilas do PM intimou o aluno com um “venha à rua!”. O estilo é ordinário, no género rufia de bar rasca. O jovem deveria ter recusado e armado barraca. Os colegas do jovem deveriam tê-lo ajudado em vez de se acagaçarem e virado costas. Sei bem o que o jovem terá sentido, porque me aconteceu o mesmo – não vaiar o primeiro-ministro mas ser deixado só, num momento de aperto. Claro que o jovem aprendeu coisas importantes, naqueles breves instantes. A mim aconteceu-me o mesmo.

A cena continuou com um agente da PSP, a chegar perto do moço para o identificar. Aquilo não se prolongou muito, mas deu para perceber várias coisas. Há alunos que não sabem, e deveriam saber, que as forças policiais não podem entrar, assim à toa, no espaço da Universidade. Os alunos não sabem que podem, e devem, resistir a intimidações de gorilas. Coisas básicas, mas que precisam de prática política. Mais importante e decisiva que aquilo das capas e das praxes.

A TVI 24 prestou um bom serviço jornalístico? Não foi bom, foi péssimo. Porque em vez de denunciar a atitude repressora – o fascismo vem com pezinhos de lã, dizia Sérgio Godinho – preferiu colocar a tónica da notícia no facto do gorila não querer que o operador de câmara lhe filmasse a cara. Só excecionalmente o jornalista é o sujeito da notícia. E naquele caso estava longe de o ser.

Quando não há outra razão, surge a da força. Os pequenos tiques multiplicam-se e são motivo de preocupação.


Esta crónica é dedicada a José Orlando Infante. Fui colega dele na Câmara de Moura. Ele foi meu chefe no Corpo Nacional de Escutas, há uns bons 40 anos. Eu tinha então 9, ele 16 anos, o que fazia com que me parecesse velhíssimo. Não era um chefe nada formal. Muito menos era dado a autoritarismos, o que sempre me fez ter saudades do estilo distraído com que dirigia os seus lobitos. Nos últimos 7 anos mantivémos contacto próximo, sendo eu vereador da área onde ele trabalhava. Nunca lho disse, mas aquela longínqua relação hierárquica causava-me um profundíssimo embaraço e, ao longo destes anos, nunca lhe consegui dar uma indicação direta, sendo obrigado a usar vários subterfúgios. Nunca lho disse e, agora, já não direi, porque o José Orlando partiu há dias, cedo demais e de forma inesperada. Como me afirmava o Vítor, durante as cerimónias, “era uma pessoa importante”. Para mim foi-o e continuará a ser. Para muita gente em Moura também. Como foi visível naquele final de tarde.

Crónica publicada em "A Planície" de 1.10.2012

1 comentário:

Sara disse...

Obrigada pela homenagem. Ainda não tinha tido oportunidade de lhe agradecer, por isso faço-o aqui. Também nós ficámos orgulhosos por ver tantos amigos que o meu Pai tinha e que o acompanharam na última despedida.
Obrigada,
Sara Infante