sábado, 31 de maio de 2014

A SORTE DE TERMOS JOSÉ INÁCIO FARIA...


Bem podem os politólogos escrever e explicar o que foram as eleições europeias. Bem podem os produtores de opinião encher as páginas dos jornais. A verdade é que estas eleições se pautaram por uma uma singular e linear lógica. Tal como o apresentador Howard Beale no filme “Network”, que enlouquece, e grita para quem o quer ouvir, muita gente pensou “I'm mad as Hell and I'm not going to take this anymore”. A loucura do voto e a saturação de muita gente expressou-se de diferentes formas. Numa Grécia martirizada por um centro corrupto e sem soluções, as pessoas procuraram refúgio na extrema-esquerda e num partido nazi. Em França, o fascismo de tons desmaiados de Martine Le Pen levou a melhor sobre uma classe política acomodada. Na Inglaterra, são os independentistas quem leva a melhor sobre o duopólio habitual. Na Bélgica, o ambíguo Bart de Wever, enfatiza o seu discurso nacionalista. Na Dinamarca, os anti-europeístas do “Folkebevægelsen mod EU” ficaram em segundo lugar e os anti-islâmicos do “Fremskridtspartiet” ganharam um representante em Estrasburgo. Na Alemanha, os neo-nazis do  “Nationaldemokratische Partei Deutschlands” conquistaram um lugar no Parlamento Europeu. Chega? Não, não chega. Pode ser pior e é. Na Holanda, o “Partij voor de Vrijheid”, de Geert Wilders, com o seu discurso xenófobo foi o terceiro mais votado. Na Áustria, o fascizante e populista “Freiheitliche Partei Österreichs, FPÖ” atingiu 20%. I'm mad as Hell and I'm not going to take this anymore”? Sem dúvida. Muitos cidadãos desesperados procuram, a todo o custo, alternativas e respostas. A face civilizada desse protesto surge em Espanha, onde um filosófico “Podemos” chega aos 8% e aos 5 lugares. Um grupo surgido do nada e que deu voz a muita gente cansada. Em Portugal, a lógica é idêntica. Não teremos extrema-direita enquanto Paulo Portas fizer o pleno da demagogia e se apropriar dos temas caros a essa faixa do eleitorado. E como ninguém leva a sério José Pinto-Coelho ou Humberto Nuno Oliveira, o justicialismo populista é tomado de assalto por Marinho Pinto, aka Marinho e Pinto. O estilo Berlusconi assenta-lhe na perfeição. Ele sabe disso e gosta de se/o exibir. Ou seja, a nossa sorte é que o espaço que os fascistas poderiam ocupar é tomado por Marinho Pinto. E pelo obscuro José Inácio Faria, na realidade o grande vencedor destas eleições. Ironia das ironias, ainda temos de lhes agradecer…


Crónica publicada em "A Planície" de 1.6.2014

sexta-feira, 30 de maio de 2014

AMARELEJA - LE GRAND TOUR

Primeiro, telefona-me o meu amigo Christophe Picard, catedrático na Sorbonne, perguntando-me se estava disponível para dar algumas indicações a jornalistas franceses de um programa televisivo, do qual ele é consultor científico. Tema: as memórias e as influências islâmicas em Portugal.

Daí a ter os jornalistas Daniel Rihl e Enrique Pinto-Coelho em Moura foi um passinho, daí a sugerir-lhes duas ou três pistas foi um passinho ainda mais curto... Pratos fortes: os sabores e os sons. O vinho, as cabeças de borrego assadas (leia-se o sevilhano do século XII, Ibn Abdun, em caso de dúvida) e mais o cante alentejano. Os sons do pastoreio mesclados com as influências urbanas orientais. O ascetismo da paisagem e o hedonismo mediterrânico.

Quarta-feira foi dia de périplo, entre Mértola e Amareleja, com o meu amigo Cláudio Torres. O dia acabou chez José Piteira, no meio das vozes do grupo coral da Sociedade Recreativa Amarelejense.

A difusão do programa de Patrick de Carolis terá lugar, no outono, na France3.


Ver: http://www.legrandtour.fr

quarta-feira, 28 de maio de 2014

PARA A JÚLIA, QUE DAQUI POR UNS TEMPOS VAI A AREQUIPA

Terceira aparição dos Hermanos Vargas aqui no blogue. Em tempos, fui de propósito à Corunha ver uma exposição deles, para surpresa de quem me acompanhou... Grande fotografia peruana dos anos 20 e 30, a verdade é essa.

Gosto em especial dos noturnos e das imagens do quotidiano de Arequipa. Aquela imagem do bloco de cirurgia não é muito tranquilizadora, mas aconteceu há mais de 80 anos...

As justificações para este texto são a viagem que a Júlia vai fazer a Arequipa e o facto de já haver um site dedicado a estes extraordinários artistas.

Ver: http://www.vargashermanos.com


terça-feira, 27 de maio de 2014

I'M AS MAD AS HELL AND I'M NOT GOING TO TAKE IT ANYMORE!

Para quem não tenha percebido, foi isto que aconteceu no passado domingo. As pessoas, por todo o continente, deram voz à sua fúria, votando em partidos "à margem" do sistema. Os Howard Beale fizeram-se ouvir por toda a parte.

A escolha cinéfila da semana tem motivações políticas. Network, de Sidney Lumet, não é excepcional. Mas é muito interessante, e tem Peter Finch. Muito do que agora se passa pode ser lido à sombra desse filme. Até na forma como o discurso de Beale é domesticado.

segunda-feira, 26 de maio de 2014

DIA DE ESCOLHA - URBI ET ORBI


Data destes resultados? 25 de abril de 1975. Uma curiosidade, tendo em conta as semelhanças com o dia de ontem. Dá a ideia que, aqui, o relógio da História não avançou.

Resultados globais:
PS - 31,5 (8 deputados eleitos) + 1
PSD/PP - 27,7 (7 deputados eleitos) - 3
PCP/PEV - 12,7 (3 deputados eleitos) + 1
MPT - 7,2 (2 deputados eleitos) + 2
BE - 4,5 (1 deputado eleito) - 2
outros - 15

Resultados no concelho de Moura:

PS - 36,93 (32,11 em 2009; 49,7 em 2004)
PCP/PEV - 34,38 (32,58 em 2009; 27,16 em 2004)
PSD/PP - 12,78 (18,71 em 2009; 13,16 em 2004)

A abstenção é que é outra conversa. De 8,34% passou-se para 66,9 %. No concelho de Moura a abstenção andou pelos 73,3%

domingo, 25 de maio de 2014

MOURA - MAIS UM CONJUNTO DE EDIFÍCIOS CLASSIFICADO

As publicações têm alguns dias. Uma é de 29 de abril e define a Zona Especial de Proteção do Castro dos Ratinhos (oh, não! mais arqueologia...). Outra é de 7 de maio e classifica como conjunto de interesse público o Hotel de Moura, a igreja de Santo Agostinho e o ex-Grémio da Lavoura. Os processos de regeneração urbana passam também por estes processos de classificação. E por uma coisa não mensurável chamada auto-estima. 



sábado, 24 de maio de 2014

ASÍ ES LA VIDA...

Quase poderia dizer "joder!". Nunca vi o Benfica ganhar uma das tais. Nem o Atleti. Vi a final, em 15 de maio de 1974. E a finalíssima, dois dias mais tarde. Terei de esperar até 2054? É mais que provável que já cá não esteja...

Tenho pelo Atleti uma paixão antiga. Que fica mais firme, neste dia assim um pouco triste.

Aquela cena dos 5 (cinco) minutos de compensação custa a engolir, ok? Mais uma platinada?

AQUELE DIA EM QUE ESTAMOS ASSIM TIPO A REFLETIR

24 horas a refletir. Uma bizantinice hoje sem sentido. Alguém tem dúvidas que se poderia votar hoje, sem qualquer prejuízo para o sistema partidário, para a Democracia e para a Pátria?

Vou ter o meu dia de reflexão. Depois de uma breve pausa, seguir-se-ão o FITMOURA, a final da Liga dos Campeões e a noite de fados, na Sheherazade. No essencial, irei refletir até às tantas.


Rodin também pôs este senhor a refletir. Mas sem direito a voto. Curiosamente, a versão original desta escultura não é aquela que foi popularizada e deu origem a inúmeras cópias.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

SAÚDE E PATRIMÓNIO NA CIDADE DE SALÚQUIA

Mais um pouco e falhava a referência a estas duas importantes iniciativas...

Uma semana de sufoco quase me levou a falhá-las na íntegra... Hoje tive o prazer de ver a Igreja do Espírito Santo a abarrotar, porque havia muita gente interessada numa palestra. Amanhã será a vez do FITMOURA. Mesmo em cima da meta, mas vá lá, ainda a tempo...


quinta-feira, 22 de maio de 2014

JOSÉ NELA - II

Mais um quadro do pintor mourense José Mendes Alves (José Nela). Este data de 1973. Colagem pop e um certo toque expressionista. Segunda divulgação de uma série de cinco.

José Nela era uma figura muita querida e popular em Moura. Quando fiz a primeira publicação no facebook deu origem a uma chuva de "gostos". Ainda bem. Valha-nos a memória das pessoas. 


Em cima, à direita:
CASA.NA.CALÇADA.DE.
SANTANA.ONDE.
CAMÕES.TERIA.
MATADO.D. [?]
1590.

Em baixo:
F.6.2.1973
LUTA.DESESPERADAMENTE.DE.CAMOES.INTERVIR.NA.LUTA.
POR.VEZES.NA.COMPANHIA.DE.BOEMIOS.COMO.ELE.O.POETA.
RECORDA.OS.SEUS.SAUDOSOS.TEMPOS.DE.ESTUDANTE.
EM.ALEGRES.E.RUIDOSAS.PELOS.ARREDORES.DA.CASA.
ONDE.JULGA.VER.RECANTOS.GUERIDOS.NA.TABERNA.

quarta-feira, 21 de maio de 2014

TABAGISMO COLONIAL

De entre a memorabilia que anda lá por casa (há quem, de forma pouco gentil, lhe chame "tralha") gosto, em especial, deste cinzeiro cheio de referências coloniais. No centro está Portugal. Em volta estão as colónias. Todas. A Índia incluída. O colonialismo em forma tabágica. Um objeto que hoje é, apenas, uma divertida curiosidade. Tenho uma vaga ideia de como aquilo foi parar à Salúquia...

Memórias de tempos idos. Recordações de um Império que teve passado mas que, à época em que este artefacto foi comprado, já não tinha futuro. Como se viu.

À falta de inspiração, socorro-me do excerto da "Tabacaria" de que mais gosto.


Mas o dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta. 
Olhou-o com o desconforto da cabeça mal voltada 
E com o desconforto da alma mal-entendendo. 
Ele morrerá e eu morrerei. 
Ele deixará a tabuleta, e eu deixarei versos. 
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também. 
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta, 
E a língua em que foram escritos os versos. 
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu. 
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente 
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas, 
Sempre uma coisa defronte da outra, 
Sempre uma coisa tão inútil como a outra, 
Sempre o impossível tão estúpido como o real, 
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície, 
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?), 
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim. 
Semiergo-me enérgico, convencido, humano, 
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário. 

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los 
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos. 
Sigo o fumo como uma rota própria, 
E gozo, num momento sensitivo e competente, 
A libertação de todas as especulações 
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto. 

Depois deito-me para trás na cadeira 
E continuo fumando. 
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando. 

terça-feira, 20 de maio de 2014

STARDUST MEMORIES nº 1: CORPO NACIONAL DE ESCUTAS - AGRUPAMENTO 314

Post mourense.

45º aniversário do Agrupamento 314. Convidaram os mais velhotes a estarem presentes, para uma fotografia de grupo, que teve lugar no dia 11 de maio. Lá estive, claro, com os que, na altura, eram os meus chefes (já faltam alguns, que partiram demasiado cedo). Vai haver exposição fotográfica, durante a Festa. Lá estaremos, uma vez mais.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

RUMO A BIZÂNCIO

William Butler Yeats e Claude Lorrain. Um registo onírico, num dia em que quase andei por Bizâncio e me perdi na escrita, sem grande sucesso nem rumo. Amanhã, retomo a "normalidade", sem ter bem a certeza do que a palavra agora significa

I

Este país não é para velhos. Jovens
Abraçados, pássaros que nas árvores cantam
- essas gerações moribundas -
Cascatas de salmões, mares de cavalas,
Peixe, carne, ave, celebrando ao longo do Verão
Tudo quanto se engendra, nasce e morre.
Prisioneiros de tão sensual música todos abandonam
Os monumentos de intemporal saber.
II
Um velho é coisa sem valor,
Um andrajo apoiado num bordão, a não ser que
A alma aplauda e cante, e cante mais alto
Cada farrapo da sua mortal veste.
Nem há escola de canto somente o estudo
Dos monumentos de seu próprio esplendor;
Por isso cruzei os mares e cheguei
À sagrada cidade de Bizâncio.

III
Oh, sábios que estais no sagrado fogo de Deus
Qual dourado mosaico sobre um muro,
Vinde desse fogo sagrado, roda que gira,
E sede os mestres do meu canto, da minha alma.
Devorai este meu coração; doente de desejo
E atado a um animal agonizante
Ele não sabe o que é; juntai-me
Ao artifício da eternidade.

IV
Da natureza liberto jamais de natural coisa
Retomarei minha forma, meu corpo,
Mas formas outras como as que o ourives grego
Em ouro forja e esmalta em ouro
Para que o sonolento Imperador não adormeça;
Ou em dourado ramo pousado, cantarei
Para damas e senhores de Bizâncio
Cantarei o que passou, o que passa, ou o que virá.
William Butler Yeats
tradução: José Agostinho Baptista

sábado, 17 de maio de 2014

DON'T SPEAK TO ME IN HUNGARIAN, PLEASE

O filme tem trinta anos, mas é como se tivesse trinta dias. Tenho uma amiga que achava "aquelas coisas" do Jim Jarmusch (n. 1953) uma verdadeira paranóia. Para além do Paraíso é, admita-se, um pouco neurótico. Tem verdadeiros achados no desenrolar do argumento. Um é o da tia que fala em húngaro. O outro é o da visita ao Lago Erie, que está gelado e onde nada se vê.

O meu amigo Cláudio tem, pelos filmes de Jarmusch, a mesma admiração que eu tenho. Dedico-lhe esta escolha cinéfila, embora tenha a certeza que ele nunca passa pela blogosfera.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

O LUGAR ONDE O CORAÇÃO SE ESCONDE

Post sob um duplo equívoco. Estava convencido que tinha publicado este poema de Ruy Belo (1933-1978) e não o fizera. Estava também certo que já tinha divulgado fotografias de Duane Michals (n. 1932), mas afinal não.


O lugar onde o coração se esconde
é onde o vento norte corta luas brancas no azul do mar
e o poeta solitário escolhe igreja pra casar
O lugar onde o coração se esconde
é em dezembro o sol cortado pelo frio
e à noite as luzes a alinhar o rio
O lugar onde o coração se esconde
é onde contra a casa soa o sino
e dia a dia o homem soma o seu destino
O lugar onde o coração se esconde
é sobretudo agosto vento música raparigas em cabelo
feira das sextas-feiras gado pó e povo
é onde se consente que nasça de novo
àquele que foi jovem e foi belo
mas o tempo a pouco e pouco arrefeceu
O lugar onde o coração se esconde
é o novo passado a ida pra o liceu
Mas onde fica e como é que se chama
a terra do crepúsculo de algodão em rama
das muitas procissões dos contra-luz no bar
da surpresa violenta desse sempre renovado mar?
O lugar onde o coração se esconde
e a mulher eterna tem a luz na fronte
fica no norte e é vila do conde



The fallen angel data de 1968, o poema é de 1970. Assim, poética e sossegadamente, se entra no fim de semana.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

QUARTÉIS DE MOURA, QUASE

É agora. Está quase terminado o trabalho de reabilitação do Edifício dos Quartéis, monumento classificado, que durante muitos anos apresentou um assinalável estado de degradação. Voltarei ao tema dentro de dias, antes da abertura ao público, que terá lugar nos inícios de junho.

De momento, ficam aqui estas imagens, que sublinham o papel cenográfico de um belo projeto de luminotecnia. Os testes de iluminação começaram hoje, por sinal.




As casas habitadas são belas
se parecem ainda uma casa vazia
sem a pretensão de ocupá-las
tornam-se ténues disposições
os sinais da nossa presença:
um livro
a roupa que chegou da lavandaria
por arrumar em cima da cama
o modo como toda a tarde a luz foi
entregue ao seu silêncio
Em certos dias, nem sabemos porquê
sentimo-nos estranhamente perto
daquelas coisas que buscamos muito
e continuam,no entanto, perdidas
dentro da nossa casa

O poema de José Tolentino de Mendonça é sobre casas habitadas, justamente o contrário desta. O poema quer-se, assim, premonitório.


UM BENGALEIRO PATRIÓTICO

O Joaquim Simões, meu colega na vereação, perguntou-me "sabes o que ali está?" e apontou para um velho bengaleiro conservado na sede da Sociedade Filarmónica União Musical Amarelejense. Claro que eu não fazia a mínima ideia. Mas ele esclareceu, trauteando os primeiros compasso de "A Portuguesa".

Em tempos alguém teve a ideia de soldar notas musicais ao bengaleiro. Que passou, assim, a ter laivos patrióticos. Coisas curiosas e inventivas que acontecem na Amareleja.