quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

LISBOA, ENTRE TERRA E MAR E TERRA

Deambulação matutina, à espera da hora de uma reunião. A zona ribeirinha de Lisboa ganha nova vida. Entre a Av. Ribeira das Naus e a Rua do Arsenal há novas áreas por onde se pode passear. Trabalhos arqueológicos trouxeram à luz do dia restos de um cais, ou de um estaleiro, memória de uma cidade que já não existe. Infelizmente, não há nenhuma informação sobre o que se vê. Onde houve rio, há agora terra, mas por aí nos ficamos.

Dobrando a esquina vamos em direção ao sítio onde, em tempos, foi a Rua Nova dos Mercadores, atrás do que hoje é o Terreiro do Paço, entre o início da Rua do Ouro e da Rua dos Fanqueiros.  Uma investigação recente terá identificado essa rua numa pintura de um autor anónimo holandês de finais do século XVI ou dos inícios do século XVI (v. aqui). A tela é uma fantástica cena de rua. A parte que mais achei curiosa - e isto deve ser deformação causada pelo cargo... - foi a presença de "inibidores". Uma parte da rua tem acesso condicionado. Preocupações no ordenamento que ainda hoje tanta gente rejeita e combate.

Virei para um Terreiro do Paço de luz coada e amena. Evocação rápida de uma cidade amada, com a companhia da arquitetura, da pintura e das palavras de Ana Hatherly.

Já agora, e lembrando as já muito longínquas aulas de iniciação à língua árabe, as palavras arsenaltercena têm étimo na mesma expressão: dâr sinâ'a, casa da indústria ou casa da oficina.



O Terceiro Corvo
Oh Lisboa
como eu gostava de ser
o terceiro corvo do teu emblema…
estar implícita na tua bandeira
negra e branca
como tinta e papel
como escrita e espaço!
Ser teu desenho
tua nova lenda
invenção deste século
que já não inventa
e se interroga:
donde vieram estes corvos?
Como tu, Vicente,
eu também não sou de cá
não sou daqui
não pertenço a esta terra
e talvez nem sequer a este mundo…
Porém estou aqui
nesta dolorosa praia lusitana
cheia de um tumulto inútil
que enegrece as tuas areias
e polui o ventre do rio
que os golfinhos há muito desertaram
E olhando as nuvens dedilhadas pelo vento
sentindo a terna dor do teu sentir sentido
peço-te, Lisboa:
surge de novo bela
reinventa
a santidade perdida do teu emblema
Ana Hatherly, in Em Lisboa sobre o mar, Poesia 2001-2010





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