quinta-feira, 28 de setembro de 2017

AS AUTARQUIAS E A CONSERVAÇÃO DA NATUREZA


Sendo, do ponto de vista de formação académica, um alienígena neste meio, são sobretudo as preocupações do autarca-cidadão que irão passar por esta breve texto.

Sendo demasiado fácil enveredar pela acusação em relação ao que está, ou supomos estar mal, tentarei evitar esse género de abordagem. Quero, por isso, felicitar sinceramente a equipa que elaborou a PROPOSTA DE ESTRATÉGIA NACIONAL PARA A  CONSERVAÇÃO DA NATUREZA E BIODIVERSIDADE 2025. Mesmo que a minha área de formação não seja esta, percebe-se claramente o esforço de compilação que foi feito, a aturada reflexão a que este trabalho obrigou e a seriedade e consequência das propostas que são apresentadas. Até aqui, tudo ou quase tudo bem.

Da leitura que fiz dos comentários e dos contributos dos meus colegas do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável torna-se clara a concordância, em termos globais, com a maior parte das propostas. Não são postas em causa opções de fundo ou a pertinência dos caminhos a seguir.

Não farei também, faço questão em o sublinhar, o papel de calimero autárquico. Ou seja, os queixumes e lamentos, quantas vezes mais que justificados, não nos ajudam na reflexão e no debate.

Há problemas e há limitações? Há. E são algumas dessas questões, transversais à maioria dos municípios que gostaria do poder aqui sublinhar.

Qual o tópico principal que me ocorre quando se fala em conservação da natureza?

O fator humano. Não é possível a conservação da Natureza sem gente. Os recentes acontecimentos de Pedrogrão Grande levantaram um estendal de acusações e constatações do que já se sabia. Concentremo-nos num dado crucial. Os municípios de Pedrogão Grande, Góis, Pampilhosa da Serra, Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos somam um total de 22.000 habitantes. A freguesia da Estrela, onde está a Assembleia da República, tem pouco mais de 4 km2 e um pouco mais de 20.000 habitantes. Não cuidei de ver a estrutura etária dos municípios acima referidos, mas tenho a certeza que o envelhecimento é uma das suas marcas mais evidentes. Conto uma pequena história pessoal: a primeira vez que, em 1986, fui à freguesia de Cardigos (na zona do pinhal) havia, num dos pequenos aglomerados da localidade, cerca de 20 habitantes. Hoje, não há um só. Ou seja, de pouco nos serve falarmos de grandes estratégias se partes cada vez mais significativas do nosso território não têm gente.

O interior despovoa-se e envelhece. Faltam políticas capazes de invertir a situação e faltam, a este nível, homens de Estado. O último a ter uma noção precisa da importância do interior foi o Marquês de Pombal. Morreu há 235 anos e usava, em temos políticos, métodos que eram, para ser gentil, muito discutíveis.

Durante a II Guerra Mundial, quando o esforço militar consumia todos os recursos das ilhas britânicas, foi sugerido ao primeiro-ministro Winston Churchill que cortasse nas verbas da cultura. O homem que conduziu a Inglaterra à vitória sobre a Alemanha recusou perentoriamente. “Se cortamos na cultura, estamos a fazer esta guerra para quê?”. (fim de citação)

É esse um dos tópicos do nosso combate quotidiano, nas autarquias. E se nos referimos à cultura, não é à sua vertente literária e artística, apenas. Mas à necessidade de termos uma perspetiva cultural do nossos concelhos e do mundo à nossa volta.

É essa perspetiva cultural que nos leva a reabilitar as nossas localidades. É por termos essa certeza que cedemos terrenos e colaboramos no financiamento de escolas e no seu melhoramento. É esse enquadramento cultural que nos leva a renovar redes de águas e fazer obras de saneamento. É uma lógica ligada à cultura que nos levou a participar nos processos de renovação urbana. Sem gente não há futuro e sem condições para aqui vivermos não há gente. A equação é simples. Tão simples como simples e direta é a nossa determinação.

Bem sei que me afasto do tema da ESTRATÉGIA NACIONAL PARA A  CONSERVAÇÃO DA NATUREZA E BIODIVERSIDADE 2025. Mas o tópico essencial continua a ser o da presença humana nos nossos territórios – e cada vez temos mais problemas num número crescente de territórios de baixa densidade.

Há cerca de 30 anos, o jornalista José Manuel Fernandes escreveu nas páginas do “Expresso” uma notável série de reportagens intitulada “Em busca do país fantasma”. Nesse percurso percorria-se toda a raia, de Sul para Norte, trilhavam-se caminhos abandonados, pontes esquecidas, aldeias semi-desérticas e dava-se a conhecer um país que morria às mãos da indiferença.

Nesse país fantasma viveram e resistiram, durante centenas de anos, centenas de gerações. Artesãos, professores, sapateiros, pastores, tecedeiras, perde-se o conto ao número e ao nome dos que por nada trocariam os horizontes do seu território por qualquer outro sítio do mundo. Nunca ninguém lhes perguntou quanto queriam por ficar nem quanto valia o seu amor à terra que os vira nascer. Muitos partiram, por não terem meios de sobrevivência.

Em 1999, talvez alguns se recordem disso, o governo da nação quis incentivar trabalhadores da função pública a fixarem-se nas zonas mais carenciadas. Para tanto, estava prevista a atribuição de subsídios de valor variável, consoante a categoria do funcionário. Os apóstolos da nova colonização prometiam ainda um conjunto de outras benesses, algumas delas de legalidade duvidosa, para quem se quisesse embrenhar nos territórios esquecidos do Alentejo profundo, da Cova da Beira ou de Trás-os-Montes.

Significou isto que não se encontrou melhor forma de resolver a desertificação do interior do que atirando umas missangas e engodando quadros, eventualmente entediados, com promessas de subsídios de instalação e mais uns dinheiros para ajudar a pagar a renda da casa. Foi a versão cor-de-rosa dos “40 acres e uma mula”, a conquista do Oeste sem o tom épico de Hathaway e de John Ford.

Se bem se recordam também, o projeto não deu em nada. Rigorosamente em nada. Quase 20 anos depois, o problema essencial continua a ser demográfico.

Perpassa, por todo o documento, a ideia de envolvimento dos municípios, a sua participação ativa em atos de gestão. Perpassa, também, um moderado otimismo quanto à participação ativa dos municípios no âmbito da conservação da natureza. Confesso, aí, o meu ceticismo. O crescente estrangulamento administrativo e financeiro das autarquias e, agora, as novas competências (que virão trazer um inevitável acréscimo de despesa corrente) irão fazer das autarquias centros redistribuidores. Ou delegações do Poder Central. A margem de manobra vai ser cada vez mais curta. Somos exímios em criar documentos, pacotes legislativos e enquadramentos. Criamos quadros de funcionamento perfeitos. Queremos, no fundo, trabalhar como os noruegueses, mas contando com os recursos financeiros dos malianos. E com leis à nossa maneira.

Cito, do parecer do Conselho Nacional do Ambiente e do Deseonvolvimento Sustentável referente à PROPOSTA DE ESTRATÉGIA NACIONAL PARA A  CONSERVAÇÃO DA NATUREZA E BIODIVERSIDADE 2025, que globalmente subscrevo: “Em conclusão, o CNADS considera que, na generalidade, a proposta de Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e da Biodiversidade é tecnicamente sólida e, face aos conhecimentos atuais sobre o estado das espécies e dos habitats, tem objetivos ambiciosos, corretamente explicitados e bem sistematizados, carecendo contudo de definição de recursos financeiros objetivos que a permitam levar a cabo. Esta a primeira recomendação: a identificação, sistematização e calendarização concreta dos recursos financeiros para a sua implementação, em função dos objetivos e prioridades expostos”.

Justamente. Não haverá política de conservação da natureza sem meios financeiros. Nem sem gente que, no terreno, a suporte. Regresso a esse tópico, que não pode ser desligado da atividade agrícola. A qual, singularmente, aparece muito pouco nesta proposta de estratégia. É a única reserva com que fico. Espero que possa ser retomado o tema, porque esses mesmos agricultores são, em princípio, os primeiros interessados na conservação da natureza.

Santiago Macias
Presidente da Câmara Municipal de Moura

24.7.2017

Texto lido em sessão na Assembleia da República em final de julho passado. Fotografia do amigo Jorge Campaniço.

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