sábado, 31 de março de 2018

VISITA AO CONCELHO

MAI'NADA!
Começar pela Torre do Relógio é boa ideia.

sexta-feira, 30 de março de 2018

COM A DEVIDA VÉNIA, PORQUE É EXATAMENTE ISTO...

Texto de Francisco Seixas da Costa (na sua página do "facebook")

“DEUS NÃO DORME”
No jornalismo português, ficou célebre um editorial subscrito por esse homem sério e de bem (assumo a redundância) que se chama Mário Mesquita, intitulado “Deus não dorme”. Foi a constatação, perante uma derrota eleitoral de Mário Soares, de que os erros se pagam.
Hoje, foi divulgada a lista dos árbitros de futebol escolhidos para o Mundial de futebol. Nenhum juíz português figura entre os árbitros designados. Também aqui, pelos vistos, “deus não dorme”. Aleluia, embora o dia só seja amanhã!
A seleção portuguesa está no topo dos resultados à escala internacional. Mas o futebol português, dirigido por uma escumalha de dirigentes de clubes que a todos nos envergonham, com as suas moscambilhas medíocres de influência sobre as classificações e “gestão de carreiras” dos homens do apito, bateu já há muito no fundo. E o mundo sabe isso! 
Se não houver um rápido saneamento desse coio de gangsters, de claques e dirigentes sórdidos, de comentadores “cartilhados” a que todos (repito, todos) os media dão uma cobertura cúmplice, incitando javardamente as hostes, os golos geniais de Ronaldo de nada nos valerão. 
E uma Federação Portuguesa de Futebol que tem, entre os seus diretores, um jogador de que o mundo conhece fotografias a dar um murro na barriga de um árbitro internacional qualifica-se a si própria. Só comparável à “justiça desportiva”, essa gargalhada que aí anda a armar ao sério, atulhada de juristas nomeados pela ”balcanização”, supostamente equilibrada, da obediência alarve aos emblemas de estimação.
É muito bem feita esta exclusão da arbitragem portuguesa do Mundial da Rússia, embora gente séria do apito acabe por pagar pelos pecadores. Que as mãos não doam à FIFA, já que as autoridades portuguesas se mostram cobardemente incapazes de pôr um ponto final a esta vergonha - dos emails lampiónicos do Paulo Gonçalves à fruta andrade do Pérola Negra e do “jornalismo” do Francisco J. Marques, passando por essa figura de opereta saloia e mal educada que, para mal dos nossos pecados, dirige hoje o (meu) Sporting. E outros, claro! 
Portugal não apita na Rússia? Deus não dorme, felizmente!

O QUE ACONTECEU AO PROJETO DO MUSEU DA AMARELEJA?

O projeto foi anunciado em setembro de 2015. Já lá vão dois anos e meio. Iria avançar um museu na Amareleja. Saudei a ideia com entusiasmo (ler aqui). O tempo passou e nada parece ter acontecido. Como profissional desta área, e como natural do concelho de Moura, só (me) pergunto: o que terá acontecido ao Museu da Amareleja? Vai para a frente ou não vai? É que se não for, é pena...

DECÁLOGO MEDITERRÂNICO: AZEITONAS

Debaixo das Oliveiras



Este foi o mês em que cantei
dentro de minha casa
debaixo
das oliveiras.

O mês em que a brisa me pôs nas mãos
uma harpa de folhas
e a terra me emprestou
sua flauta e sua lua.
Maré viva. Meu sangue atravessado
por um cometa visível a olho nu
tangido por satélites e aves de arribação
navegado por peixes desconhecidos.

Este foi o mês em que cantei
como quem morre e ressuscita
no terceiro dia
de cada sílaba.

O mês em que subi a uma colina
dentro de minha casa
olhei a terra e o mar
depois cantei
como quem faz com duas pedras
o primeiro lume. Palavras
e pedras. Palavras e lume
de uma vida.

Este foi o mês em que fui a um lugar santo
dentro de minha casa.
O mês em que saí dos campos
e me banhei no rio como quem se baptiza
e cantei debaixo das oliveiras
as mãos cheias de terra. Palavras
e terra
de uma vida.

Este foi o mês em que cantei
como quem espelha ao vento suas cinzas
e cresce de seu próprio adubo
carregado de folhas. Palavras
e folhas
de uma vida.

O mês em que a mulher
tocou meus ombros com sua graça
e me deu a beber
a água pura do seu poço.
Este foi o mês em que o filho
derramou dentro de mim
o orvalho e o sol
de sua manhã.

O mês em que cantei
como quem de si se perde e reencontra
nas coisas novamente nomeadas.

Este foi o mês em que atravessei montanhas
e cheguei a um lugar onde as palavras
escorriam leite e mel.
MILAGRE MILAGRE gritaram dentro de mim
as aves todas da floresta.

Então reparei que era o lugar do poema
o lugar santo onde cantei
entre mulher e o filho
como quem dá graças.

Este foi o mês em que cantei
dentro de minha casa
debaixo
das oliveiras.




Poema de Manuel Alegre (n. 1936) e este Oliveiras, pintado em Saint Rémy, em junho/julho de 1889, por Van Gogh (1853-1890). Das oliveiras se tiram as azeitonas. Um dos melhores frutos do mundo. Desde que não se queiram comer logo, tirados da árvore, como fez uma amiga açoreana.

O quadro está no MOMA.
Hoje é sexta-feira da Paixão.

quinta-feira, 29 de março de 2018

BOLSA DE ESTUDOS DR. ALBERTO FERNANDES



Há pessoas que imaginamos como eternas. Temos a certeza, mas a certeza mesmo, que nunca sairão da nossa vida, e que estarão numa qualquer esquina da nossa terra. O Dr. Alberto era uma dessas pessoas. Lembro-me dele, era eu ainda muito pequeno, quando ele já andaria perto dos 40. Parecia-me uma pessoa velha porque, quando somos pequenos, todos os que passaram da adolescência são velhos. O meu pai acompanhava, com frequência, o Dr. Alberto nas suas saídas ao campo, ajudando-o nas tarefas de vacinação dos animais. Numa tarde, e segundo relatos fidedignos, bateram ambos o recorde mundial de salto em altura, ao serem perseguidos por um pouco amigável touro bravo, na Herdade da Galeana.



Às vezes, muito raramente, admitiam garotos como eu nesse círculo. Com tanto de profissional, como de fraterno. Foi assim que passei pelas emoções fortes de um pneu de um carocha rebentado na reta do Sobral, com o carro aos ziguezagues, até parar. E pelo atropelamento de que fui vítima por um leitão furioso por ter sido vacinado, que me atirou, patas ao ar, num monte algures. Devo essas impressivas recordações ao Dr. Alberto. E dou graças à “irresponsabilidade” paterna, que me arrastava, em horas de escola e ainda que com conhecimento da D. Jacinta, por esses caminhos improváveis.



Momento altos? Houve vários. Talvez o mais inesquecível tenha sido em 1984, quando chamaram o Dr. Alberto para anestesiar uns cavalos. Rodava-se, em Noudar, o filme “A moura encantada”, de Manuel Costa e Silva. Numa das cenas, havia uma batalha e havia cavalos mortos. O Dr. Alberto foi chamado para os por a dormir. Deu-me depois boleia para Moura. Onde cheguei, tardíssimo, e depois de uma deambulação por inúmeros sítios. Ele estava capaz de recomeçar o dia, eu mais anestesiado que os cavalos...



Fui encontrando, a espaços, e até há muito pouco, o Dr. Alberto nas mais variadas circunstâncias. A vida não alterou nem a sua bonomia, nem a sua generosidade. Nem a sua amizade pelos Forcados de Moura, que o tinham como homem de grande respeito. Nem a energia. O encontro era selado com um sonoro “Don Santiago!”, a que se seguia um abraço que me deixava as costas em mau estado. Vou ter saudades, para sempre, dessa saudação.



Escrevi, em dezembro de 2011, quando lhe foi atribuído o título de “mourense do ano”: “o Dr. Alberto, como é popularmente conhecido, dedicou toda a sua vida à medicina veterinária, numa atividade que teve, ao longo de muitas décadas, tanto do profundo conhecimento técnico quanto de sacerdócio e de entrega ao próximo. Simpático e dotado de rara simplicidade, é figura popularíssima no concelho de Moura, e muito para lá das suas fronteiras, conseguindo a rara proeza de gerar um amplo consenso entre os mais diversos setores sociais e políticos da nossa terra”. Poderia repetir hoje tudo isso e acrescentar uma faceta da sua personalidade, que sempre me causou funda perplexidade. Tinha uma memória extraordinária, que lhe permitia fixar centenas de números de telemóveis e dizer, de cor, o plantel da equipa de futebol xis de 1968. Dizia-me um familiar, com um sorriso já de saudade, naquela tarde em que me fui despedir do Dr. Alberto, “é claro que depois nunca se lembrava da matrícula do seu próprio carro...”.



Fixar a memória daqueles que tanto se entregaram a uma terra é obrigação de todos nós. Fazê-lo através de um nome de rua, pode ser honroso, mas nunca me pareceu grande solução, por banal. Perpetuar o nome dos que, como Alberto Fernandes, tanto trabalharam para tantos, a todos deve dizer respeito. Creio que a atribuição de uma bolsa de estudos, com o seu nome, destinada a estudantes de veterinária do nosso concelho, seria uma forma apropriada de celebrar a carreira de Dr. Alberto Fernandes. Seria uma iniciativa que tomaria, estando num lugar (Câmara Municipal ou Junta de Freguesia) onde essa capacidade de decisão me coubesse.

Texto publicado em "A Planície". Fotografia do facebook do amigo Luís Lança.

quarta-feira, 28 de março de 2018

ELEMENTOS - TERRA 3

Arquitetura em terra ou a partir da terra. Motivo para recordar o trabalho de um amigo, José Alberto Alegria, autor de casas do sul. Um homem caloroso e uma arquitetura de tons quentes e nunca motiva indiferença.

O último projeto do Museu de Mértola em que efetivamente trabalhei foi o setor da arte islâmica. Um processo duro e longo (1991-2001). Que foi tema para uma utilíssima aprendizagem. A terra é o elemento em destaque aqui no blogue. Momento para recordar a arquitetura em terra e a arte islâmica, bem presente em Mértola.


POST COMPLETAMENTE COTA

Quem se lembra dos Porfirios? Ou, melhor dizendo, dos POR-FI-RI-OS? A minha mãe detestava lá ir, aquilo era tudo muito apertado, tinha música aos berros e "dava-lhe aflição".

No anúncio (dizia-se réclame, ok?) de baixo gosto, em especial, do singular. A calça, tal como o óculo, o sapato...

A loja de Lisboa abriu em 1965, fechou em 2001.


terça-feira, 27 de março de 2018

LORD SWORD STRIKES BACK

Não somos? Claro, alguns eram maoistas...

Aquela cena do Sir Karl Popper e eu a tomar chá e tal já aborrece. Era muito melhor quando Lord John Charles Sword era radical e amava o proletariado e não sabia onde fica Oxford nem sabia quem era Tocqueville. E era diretor da Voz do Povo. E queria fazer a revolução a todo o vapor. Isso sim, tinha graça...

E AINDA QUENTIN TARANTINO ACHA QUE É MUITO ORIGINAL


Diferença fundamental: como isto é um País de Brandos Costumes é só mesmo a parte da Bíblia. Já no Pulp Fiction...


"The path of the righteous man is beset on all sides by the iniquities of the selfish and the tyranny of evil men. Blessed is he who, in the name of charity and good will, shepherds the weak through the valley of darkness, for he is truly his brother's keeper and the finder of lost children. And I will strike down upon thee with great vengeance and furious anger those who attempt to poison and destroy my brothers. And you will know I am The Lord when I lay my vengeance upon you."

VAI SER AQUI

Local de novas funções. A partir de 3 de abril. Falta uma semana.

REGRESSO ÀS SALÉSIAS


Nesta extraordinária fotografia, dos inícios do século XX, feita no local do futuro Estádio das Salésias vemos jogadores do Sport Lisboa (e Benfica) e do C.I.F.. O melhor de tudo? Um dos jogadores (na melhor das hipóteses é o árbitro, de calções brancos...) usa um chapéu!

E então não é que as coisas mudaram? Eu apostaria que não, mas enganei-me. Cinco anos separam estas duas imagens:


AINDA O TAL SWINDLE


Foi esta a "fonte de inspiração" de um texto de ontem. Um filme sobre os Sex Pistols. Quanto mais ouço o que hoje se vai fazendo, mais gosto dos Sex Pistols. No (hard) feelings...

Aos amigos que têm a pachorra de ler o blogue deixo um encarecido pedido: não vejam os vídeos atuais do que sobrou dos Sex Pistols... Devia haver uma norma que impedisse os rockers, outrora rebeldes, de fazerem certas e determinadas figuras.


segunda-feira, 26 de março de 2018

ADEUS, LINKEDIN...


Depois de receber umas 30 ou 40 notificações de novas possibilidades de trabalho, como, por várias vezes, a de tosquiador de cães (uma atividade estimável, mas que não se enquadra bem na minha atividade, nem nas minhas vocações e interesses), resolvi acabar com a brincadeira e cancelar a conta do LINKEDIN. Sempre é menos uma coisa a encher-me a caixa do correio.

AUTOR - PROCURA-SE

Com as arrumações in fine fui dar com este postal, que uma amiga me enviou, em outubro de 1989. Estava então à venda na loja do Museu Nacional de Arte Antiga. Fez parte do concurso "Um tesouro para descobrir, promovido pelo Instituto Português do Património Cultural. Que tem especial? Três coisas:

1) O desenho é muito bonito;
2) Retrata a torre do relógio, no Castelo de Moura;
3) O/a autor/a era aluno/a da então Escola Preparatória de Moura.

Fica a questão: quem fez tão bonito desenho?

domingo, 25 de março de 2018

TERRA FORTE


Ontem à tarde, por terras de Serpa. O slogan é muito bom e dá bem ideia da vibração que Serpa tem.

Da Rua dos Lagares à Casa do Cante, na Rua dos Quartéis, é um passinho (uns 150 metros, se tanto). Passei aí o final de tarde, às voltas com o tema da Reconquista. E, pela minha parte, falando de Moura. O magnífico livro de Joaquim Boiça, sobre o papel de Serpa na formação do reino de Portugal teve, em contraponto, uma extraordinária intervenção de Luís Filipe Oliveira. De como a geoplítica foi decisiva nesse processo e de como a luta entre centros de decisão nacionais e estrangeiros foi questão central nessa altura. Ontem como hoje, poderemos dizer.

Tudo isto se passou em Terra Forte.

Ver - http://www.casadocante.pt

GERÚNDIO OU A MORTAL DOENÇA



MORTAL DOENÇA
Na febre do amor próprio estou ardendo,
No frio da tibieza tiritando,
No fastio ao bem desfalecendo,
Na sezão do meu mal delirando,

Na fraqueza do ser vou falecendo,
Na inchação da soberba arrebentando.
Na dureza do peito atormendada,
Na sede dos alívios consumida,

No sono da preguiça amadornada,
No desmaio à razão amortecida,
Nos temores da morte trespassada,
No soluço do pranto esmorecida,

Já morro, já feneço, já termino,
Vão-me chamar o Médico Divino.
Na dor de ver-me assim, vou desfazendo,
Nos sintomas do mal descoroçoando,

Na sezão de meu dano estou tremendo,
No risco da doença imaginando,
No fervor de querer-me enardecendo,
Na tristeza de ver-me sufocando,

Já morro, já feneço, já termino,
Vão-me chamar o Médico Divino.
Vou ao pasmo do mal emudecendo,
À sombra da vontade vou cegando,

Aos gritos do delito emouquecendo,
Na tristeza de ver-me sufocando,
Já morro, já feneço, já termino,
Vão-me chamar o Médico Divino.

Ouvi, ontem de manhã, na Antena 2, este poema de Soror Maria do Céu (1658-1753).

Não sei porquê, ou talvez sim..., evocou-me o monumento à Beata Ludovica Albertoni, obra de Gian Lorenzo Bernini, que a realizou entre 1671 e 1674 para a igreja de San Francesco a Ripa, em Roma.

sábado, 24 de março de 2018

CIDADE DAS ROSAS

Em determinada altura da minha carreira pensei que o meu "último sítio" (em termos de arqueologia, bolas...) seria a Cidade das Rosas, à saída de Serpa. Uma villa romana com ocupação até ao final do período califal. Um sítio excecional, que precisa de um projeto de intervenção/escavação, que vá além da maquilhagem de circunstância. Várias razões levaram-me a abandonar essa intenção. Não farei/faremos escavações na Cidade das Rosas, paciência...

Refaço/reafazemos agora o caminho, noutro sítio. Os mundos e os modelos de transição sempre na linha do horizonte. Em articulação com a escavação do Castelo de Moura. 


THE BOYS FROM BRAZIL

O título do filme era esse. Creio que em português se chamou Os comandos da morte, ou algo parecido. Foi parcialmente rodado em Portugal (numa cena, durante uma festa de antigos combatentes, vê-se Fernando Pessa vestido de militar nazi). Supostamente, a história corria algures na América Latina. O realizador era o prestigiado Franklin J. Schaffner (1920-1989). Eugenia, o terrível Josef Mengele e a produção de clones de Hitler são os temas centrais. Havia meninos selecionados com métodos mais que rigorosos.

Agora, no Brasil importam, dos U.S.A., esperma de brancos (com olhos azuis, de preferência). A notícia vem no Wall Street Journal (ler aqui). Este mundo não anda bom...

Só me consigo lembrar daquela cena do ABC DO AMOR, em que os espermatozóides andam aos trambolhões e um esparmatozóide negro só pergunta "o que é que eu estou aqui a fazer?".

Oxalá troquem os tubinhos. Isso sim, teria graça.

sexta-feira, 23 de março de 2018

LEI ORGÂNICA

Ouvindo, há pouco, um dos comentadores de turno na Antena Um vieram à baila os incêndios e a Proteção Civil. O que está mesmo, mesmo em falta, segundo o nosso comentador? Uma lei orgânica. Ora nem mais. Com uma lei orgânica é que é.

Bendito País que tudo "resolve" com leis orgânicas, portarias e despachos.

ORGULHOSAMENTE NÓS?


"UM AMARGO DIA MUNDIAL DA POESIA"
Por José Luiz Tavares
Ontem, dia mundial da poesia (e da luta contra a discriminação racial), dirigi-me à Casa Fernando Pessoa, em campo de ourique, onde se ia proceder à leitura de Tabacaria em língua caboverdeana e ao lançamento duma edição bilingue, promovida por uma associação de afro-descendentes de lisboa. Afazeres pouco poéticos fizeram com que eu chegasse alguns minutos depois da hora aprazada para o início da sessão. Uma tarjeta amarela, em inglês e português (Pessoa teria gostado), avisava que não seriam permitidas mais entradas. Remoendo as minhas razões, resolvi tocar à campainha. Logo um diligente vigilante acudiu à porta, dizendo educadamente que por razões de segurança não seriam admitidas mais entradas.
Não sei quem dirige hoje a Casa Fernando Pessoa, nem quem lá trabalha, mas pedi ao vigilante se podia chamar alguém responsável, pois poderia ser alguém que eu conhecesse, dado que em tempos fui assíduo frequentador da Casa, concebi um programa para uma quinzena da cultura caboverdeana, fui convidado de um dia mundial da poesia, onde recitei excertos da Ode Marítima taduzida por mim para caboverdeano (numa casa cheíssima, com gente até nas escadas), fui convidado de um «Dias do Desassosego», com escritores brasileiros e portugueses (sendo um 10 de junho, fiz a minha abertura com um soneto de Camões traduzido por mim para caboverdeano), a biblioteca da casa possui alguns dos meus livros, por mim oferecidos, sou tradutor de Pessoa para o caboverdeano, utilizando o seu alfabeto oficial (uma antologia intitulada Na Sol di Nhas Angústia esteve pronta para sair em 2007, aquando da passagem de Francisco José Viegas pela casa e ainda hoje aguarda edição), ainda a semana passada o número de inverno da revista LER, dirigida pelo mesmo Fancisco José Viegas, publicou uma montagem minha da Ode Marítima em caboverdeano, razões não para ter algum tratamento privilegiado, mas apenas justificativas do interesse que eu tinha naquela sessão onde seria lido e apresentado Tabacaria na minha língua materna, poema que eu próprio traduzi em 2007, e que aqui vos ofereço na versão de então.
Passados instantes entrevi, pela fresta da porta meio aberta, uma senhora de fogachos loiros nos cabelos, que entretanto descera até ao patamar da recepção, falar com o vigilante, acenando que não com a cabeça. Logo este se dirigiu a mim, que se encontrava do lado de fora, dizendo: «Lamentamos, cavalheiro, por razões de segurança...». Gostei muito, eu simples poeta, de ser tratado por «cavalheiro», pois a minha aparência não deixava dúvidas: devido ao frio eu vinha trajado de sobretudo castanho-claro, finas luvas castanho-escuro, cachecol verde-escuro, chapéu preto à Pessoa. Quando já ia embora pelo passeio do outro lado da rua, sorrindo como o Esteves sem metafísica, vi aproximarem-se duas senhoras, cujo tez ainda divisei no lusco-fusco de fim de inverno, e sem delongas sumiram casa adentro. Sorri mais uma vez, com um sorriso triste, alvitrando, para meu consolo, que talvez se tratasse do múltiplo Fernando, reencarnado, não heteronimicamente mas em carne e osso, em femininas figuras, e teria vindo indagar ao que vinha tanta gente de pele escura e linguajar estranho.
Aconteceu num dia mundial da poesia – e sou poeta. Aconteceu na cidade de lisboa – e dediquei-lhe em livro um monumento de palavras intitulado Lisbon Blues. Foi no bairro de campo de ourique, e estavam os meus livros numa feira no jardim da parada. Aconteceu na Casa Fernando Pessoa, e sou tradutor dele. Foi num dia mundial contra a discriminação racial e senti-me profundamente preto.
Lisboa, 22 de março de 2018,
José Luiz Tavares 



Talvez tenha sido só uma coincidência. Talvez se lá fosse eu também me acontecesse a mesma coisa. Que José Luiz Tavares tenha razões para pensar que foi discriminação pura e dura, disso não duvido eu.

ORGULHOSAMENTE SÓS


TÃO FELIZES QUE NÓS ÉRAMOS, por Clara Ferreira Alves


Neste filme a preto e branco, pintado de cinzento para dar cor, podia observar-se o mundo português continental a partir de uma rua. O resto do mundo não existia, estávamos orgulhosamente sós
Anda por aí gente com saudades da velha portugalidade. Saudades do nacionalismo, da fronteira, da ditadura, da guerra, da PIDE, de Caxias e do Tarrafal, das cheias do Tejo e do Douro, da tuberculose infantil, das mulheres mortas no parto, dos soldados com madrinhas de guerra, da guerra com padrinhos políticos, dos caramelos espanhóis, do telefone e da televisão como privilégio, do serviço militar obrigatório, do queres fiado toma, dos denunciantes e informadores e, claro, dessa relíquia estimada que é um aparelho de segurança.
Eu não ponho flores neste cemitério.
Nesse Portugal toda a gente era pobre com exceção de uma ínfima parte da população, os ricos. No meio havia meia dúzia de burgueses esclarecidos, exilados ou educados no estrangeiro, alguns com apelidos que os protegiam, e havia uma classe indistinta constituída por remediados. Uma pequena burguesia sem poder aquisitivo nem filiação ideológica a rasar o que hoje chamamos linha de pobreza. Neste filme a preto e branco, pintado de cinzento para dar cor, podia observar-se o mundo português continental a partir de uma rua. O resto do mundo não existia, estávamos orgulhosamente sós. Numa rua de cidade havia uma mercearia e uma taberna. Às vezes, uma carvoaria ou uma capelista. A mercearia vendia açúcar e farinha fiados. E o bacalhau. Os clientes pagavam os géneros a prestações e quando recebiam o ordenado. Bifes, peixe fino e fruta eram um luxo. A fruta vinha da província, onde camponeses de pouca terra praticavam uma agricultura de subsistência e matavam um porco uma vez por ano. Batatas, peras, maçãs, figos na estação, uvas na vindima, ameixas e de vez em quando uns preciosos pêssegos. As frutas tropicais só existiam nas mercearias de luxo da Baixa. O ananás vinha dos Açores no Natal e era partido em fatias fininhas para render e encharcado em açúcar e vinho do Porto para render mais. Como não havia educação alimentar e a maioria do povo era analfabeta ou semianalfabeta, comia-se açúcar por tudo e por nada e, nas aldeias, para sossegar as crianças que choravam, dava-se uma chucha embebida em açúcar e vinho. A criança crescia com uma bola de trapos por brinquedo, e com dentes cariados e meia anã por falta de proteínas e de vitaminas. Tinha grande probabilidade de morrer na infância, de uma doença sem vacina ou de um acidente por ignorância e falta de vigilância, como beber lixívia. As mães contavam os filhos vivos e os mortos, era normal. Tive dez e morreram-me cinco. A altura média do homem lusitano andava pelo metro e sessenta nos dias bons. Havia raquitismo e poliomielite e o povo morria cedo e sem assistência médica. Na aldeia, um João Semana fazia o favor de ver os doentes pobres sem cobrar, por bom coração.
Amortalhado a negro, o povo era bruto e brutal. Os homens embebedavam-se com facilidade e batiam nas mulheres, as mulheres não tinham direitos e vingavam-se com crimes que apareciam nos jornais com o título ‘Mulher Mata Marido com Veneno de Ratos’. A violação era comum, dentro e fora do casamento, o patrão tinha direito de pernada, e no campo, tão idealizado, pais e tios ou irmãos mais velhos violavam as filhas, sobrinhas e irmãs. Era assim como um direito constitucional. Havia filhos bastardos com pais anónimos e mães abandonadas que se convertiam em putas. As filhas excedentárias eram mandadas servir nas cidades. Os filhos estudiosos eram mandados para o seminário. Este sistema de escravatura implicava o apartheid. Os criados nunca dirigiam a palavra aos senhores e viviam pelas traseiras. O trabalho infantil era quase obrigatório porque não havia escolaridade obrigatória. As mulheres não frequentavam a universidade e eram entregues pelos pais aos novos proprietários, os maridos. Não podiam ter passaporte nem sair do país sem autorização do homem. A grande viagem do mancebo era para África, nos paquetes da guerra colonial. Aí combatiam por um império desconhecido. A grande viagem da família remediada ao estrangeiro era a Badajoz, a comprar caramelos e castanholas. A fronteira demorava horas a ser cruzada, era preciso desdobrar um milhão de autorizações, era-se maltratado pelos guardas e o suborno era prática comum. De vez em quando, um grande carro passava, de um potentado veloz que não parecia sujeitar-se à burocracia do regime que instituíra uma teoria da exceção para os seus acólitos. O suborno e a cunha dominavam o mercado laboral, onde não vigorava a concorrência e onde o corporativismo e o capitalismo rentista imperavam. Salazar dispensava favores a quem o servia. Não havia liberdade de expressão e o lápis da censura aplicava-se a riscar escritores, jornalistas, artistas e afins. Os devaneios políticos eram punidos com perseguição e prisão. Havia presos políticos, exilados e clandestinos. O serviço militar era obrigatório para todos os rapazes e se saíssem de Portugal depois dos quinze anos aqui teriam de voltar para apanhar o barco da soldadesca. A fé era a única coisa que o povo tinha e se lhe tirassem a religião tinha nada. Deus era a esperança numa vida melhor. Depois da morte, evidentemente.

Não simpatizo "excessivamente" com CFA. Mas este texto é certeiro. Mais ainda quando "historiadores" e "politólogos" cantam hossanas aos progressos económicos de Portugal antes do 25 de abril dá (sempre!) vontade de perguntar de que Portugal falam. Ou se o Portugal abrangido por tão brilhante desempenho se cingia ao eixo Lisboa-Cascais.