sexta-feira, 1 de março de 2019

MÁRTIRES DE MARROCOS

Em janeiro de 1220, cinco frades franciscanos foram degolados em Marrocos. Não era a primeira vez que se aventuravam por terras do Magrebe para evangelizarem os infiéis. Esta tentativa, contudo, custar-lhes-ia a vida. Foram sacrificados no meio de uma trama político-diplomática, que envolveu Pedro Sanches de Portugal, irmão de Afonso II, e mercenário ao serviço do miramolim almóada.

O episódio foi um momento crucial para a afirmação do franciscanismo. Deu origem a uma assinalável produção artística em toda a Europa Ocidental, e a um culto em torno das relíquias dos mártires. Algumas dessas obras são dos séculos XVI e XVII e relacionam-se de perto com a ameaça otomana. Os algozes aparecem vestidos “ao jeito turco”…

Há meses, decidimos (o Joaquim Caetano, do Museu Nacional de Arte Antiga, e eu) dar início a um processo de recolha de imagens e de peças relacionadas com os Mártires de Marrocos. Em Portugal e no estrangeiro. Ao mesmo tempo, iriamos contextualizar essa produção no contexto do final da Reconquista. E utilizando materiais provenientes de diversos trabalhos arqueológicos realizados em Portugal. É que o martírio dos frades ocorreu 3 anos depois da conquista de Alcácer do Sal ao poder muçulmano e 12 anos antes do mesmo ter acontecido em Moura. Tempos intensos, em que muita coisa aconteceu.

Em Portugal manteve-se, e por razões que deixo de lado, uma celebração religiosa em intenção dos Mártires de Marrocos. Em meados de janeiro realiza-se em Travassô (concelho de Águeda) uma festa em memória dos mártires. Lá fomos, a caminho do norte, para assistir às procissões. E a nela participar, porque numa delas (!), o Joaquim foi convidado pelo pároco a explicar o projeto em que estamos a trabalhar. O que fez a contento, e ante o meu divertido silêncio.

A procissão de Travassô é uma celebração impressionante. Pela fé das pessoas, pelo entusiasmo da irmandade, pela teatralização dos factos. À frente do andor com os mártires seguem sete crianças, os cinco franciscanos e os dois algozes. Sob o pálio, vai uma das relíquias.

Saímos de Travassô com fotografias e filmes, que usaremos ou não, se o projeto avançar ou não. Em todo o caso, sentimos que a missão foi cumprida.

Um curioso dado final: o califa carrasco morreria pouco depois (castigo divino?), na que é a primeira colhida tauromáquica fatal de que há registo. A narrativa não é muito precisa e o cronista Ibn Idhari não avança muitos dados. Sabemos apenas que o Yusuf al-Mustansir faleceu quando lidava vacas à noite, em Marrakech. Foi na noite de 12 de Dhu'l-Hijja de 620 do calendário islâmico (6 de janeiro de 1224 d.C.).



Os mártires na procissão de Travassô e no quadro de Francisco Henriques (Museu Nacional de Arte Antiga). Crónica em "A Planície"

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