sexta-feira, 30 de agosto de 2019

GEOPOLÍTICA DA ARTE ISLÂMICA


            O sol nasce a oriente, e a arte moveu-se de oriente para ocidente. O esplendor da arte islâmica está hoje sobretudo nos grandes museus europeus e norte-americanos. Por isso mesmo a exposição “O gosto pela arte islâmica” se socorreu de peças que se encontram nos Estados Unidos, em cinco países da Europa comunitária, às quais se juntaram as que o próprio Museu Gulbenkian detém.
            A exposição, e o esplendoroso catálogo que a acompanha, são uma parada de estrelas. É a elite ocidental que está no centro desta história. São financeiros e magnatas como John D. Rockfeller Jr. e John Paul Getty. Que, tal como Calouste Gulbenkian, alimentaram as suas coleções com a decisiva ajuda do petróleo. São historiadores da arte como Wilhelm von Bode e Ernst Künhel. São orientalistas e colecionadores, como Charles Schefer ou Frederic du Cane Godman. Pelo meio, fica uma intensa trama de contactos, nas quais desempenham papel de destaque negociantes arménios, com os quais Gulbenkian manteve relações próximas. A movimentada história das peças acompanha de muito perto a geopolítica do Médio Oriente. Uma peça exposta, um canudo de farmácia [cat. 111] do período zengida e aiúbida (final do século XII ou início do século XIII) sintetiza bem as mudanças ocorridas. Entre 1869 (ano do nascimento de Gulbenkian) e a atualidade, a cidade síria de Raca, de onde a peça provém, teve dez diferentes estatutos políticos. Os orientais ficaram longamente à margem deste processo de construção da sua própria identidade. Tanto do ponto de vista artístico, como do ponto de vista político.
            A exposição é uma viagem pela sensibilidade pessoal de Calouste Gulbenkian. Que ora se interessou por cerâmicas, ora por tapetes e por livros – e por eles porfiou -, mais tarde pelos vidros. A política de aquisições é-nos mostrada num gráfico, fundamental para se perceber a lógica de construção da coleção. A exposição tem cinco secções que refletem cinco momentos históricos, a construção do gosto pela arte islâmica (a palavra “rise” parece, neste contexto, mais adequada) e a forma como esse gosto acompanhou de perto a geopolítica do Medio Oriente. É o primeiro dos grandes trunfos do trabalho de curadoria de Jessica Hallett. Ou seja, a inequívoca beleza das peças e o seu valor artístico são enquadrados no seu tempo. Essa leitura é acompanhada por uma outra, mais minuciosa e erudita. “O gosto pela arte islâmica” é um percurso cruzado entre as peças em si, da fonte inspiradora em que muitas delas se tornaram – a exposição inclui obras da segunda metade do século XIX e de inícios do século XX, de Philippe-Joseph Brocard [cat. 37] e de William de Morgan [cat. 77], diretamente inspiradas em peças mamelucas ou otomanas – e do modo como o gosto, não isento de equívocos e de preconceitos, pelo oriente se espalhou na Europa, a partir do século XIX. O que está exposto tem uma história concreta. Um minucioso trabalho sobre o percurso de muitas peças ajuda-nos a entender o caminho que percorreram, quem por elas se interessou, como e quando foram adquiridas. Ao nosso dispor estão catálogos antigos, que nos mostram que o interesse pelas peças que estamos a ver tem, também ele, uma longa história.
            Luz e transparência são ideias chave da exposição. Se o trabalho de Jessica Hallett nos leva arte dentro, Mediterrâneo fora, o projeto de Mariano Piçarra foi elemento decisivo para que o discurso tenha ganho luminosidade e transparência. Que são, nitidamente, outras das ideias chave da curadora. E que peças como as lâmpadas mamelucas tão bem sublinham, iluminando o mundo em volta com a luz e com as palavras do Alcorão.
            “O gosto pela arte islâmica” levanta, a despeito do seu próprio título, uma ponta do véu sobre um debate que se adivinha estar a ser retomado. Se esta arte começou, muitas vezes, por ser “persa”, o que lhe conferia maior prestígio, o caminho para se chegar à designação atual foi longo. Só em 1928, com a criação do Museu das Artes Turcas e Islâmicas, em Istambul, o termo se generalizou. Mas, como escreve Jessica Hallett, “atualmente, com a globalização e a rápida evolução de definições e identidades nacionais e regionais, alguns académicos consideram eu o termo ‘islâmico’ continua a ser útil para englobar formas híbridas e múltiplas identidades, enquanto outros argumentam que reflete uma noção eurocêntrica do ‘Outro’. E o debate continua em aberto...”. Há peças que tornam o debate mais aceso e são, por isso, ainda mais interessantes. Como o cálice com inscrições turco [cat. 18], que aproxima oriente e ocidente. E que nos faz recordar uma cruz processional do Museu Nacional de Arte Antiga (M.N.A.A.), certamente feita por mãos muçulmanas.
            O início e o fim de “O gosto pela arte islâmica” são simbólicos e de deliberada intenção. Entra-se por um arco otomano [cat. 4], de finais do século XVI, oferecido por Gulbenkian ao M.N.A.A.. É uma peça que reúne geometria, caligrafia e fitomorfismo. Uma excelente síntese de vários domínios da arte islâmica. Não nos escapa ao olhar o mahmal, o palanquim cerimonial onde o sultão se fazia transportar na peregrinação a Meca [cat. 7], peça chave da exposição, enquanto obra de arte e símbolo do poder. Tal como não nos é indiferente a mensagem final do vaso com pássaros a voar [cat. 146], pela raridade da peça, pelo facto de ter uma das derradeiras aquisições do magnata arménio e por nos remeter para soluções de liderança que não dependem de homens providenciais.
            Expor a arte islâmica é importante? Sem dúvida que sim. Mas fazer da ocasião uma reflexão estética e política é crucial. Foi isso que se conseguiu. E que importará, um dia, pôr em diálogo com a arte islâmica ocidental.

“O gosto pela arte islâmica”
Curadoria – Jessica Hallett
Datas – 12 de julho a 7 de outubro de 2019
Horário - 10:00 – 18:00 (encerra à terça-feira)
Horário alargado: sextas das 18:00 às 21:00. 
Fundação Calouste Gulbenkian, Edifício Sede - Galeria Principal
Av. de Berna, 45 A - Lisboa

Classificação:*****

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

AINDA A PINTURA E O ACADEMISMO

Ainda a propósito do livro de Venturi, ri com gosto ao ler o comentário de Édouard Manet (1832-1883) sobre o frio academismo de Ernest Meissonier (1851-1891). Gabava-se este de conseguir retratar pessoas com inteira fidelidade. Nesse sentido, acaba por ser quase um hiper-realista como neste célebre 1814...

Em todo o caso, o que aqui conta é a frase de Manet sobre um dos seus quadros de uma batalha: tout est en acier, excepté les cuirasses - é tudo em aço, exceto as armaduras

RELENDO VENTURI

Há muitos anos que não regressava a este livro, que tão importante foi na minha juventude. Para compreender a pintura - De Giotto a Chagall atirou-me para História da Arte. Lembrava-me, ou julgava lembrar-me, de uma passagem sobre a atividade de Thomas Gainsborough (1727-1788). Erro crasso. O texto reporta-se a John Constable (1776-1837). Reproduzo um excerto, que usei num texto escrito esta tarde:

"Foi assim que, sob a pressão das circunstâncias materiais, Constable viu abrirem na sua frente dois caminhos: ou inclinar-se perante as leis da Academia e da opinião pública, ou conservar-se fiel à sua maneira de ver e de sentir. Não quis renunciar a nenhum deles e, na maturidade, pintou paisagens aos pares: um de harmonia com o seu ideal, para satisfação própria, a outra para corresponder às exigências da Academia".

E Venturi apresentava como exemplo as duas versões de The hay wain, de 1821. Lembrei-me muito deste quadro, e dos comentários de Venturi, nestes dias. A propósito de um texto que tive de escrever e, depois, de rever. E ambos eram/são verdadeiros.


quarta-feira, 28 de agosto de 2019

BIBLIOGRAFIA MOURENSE - UM REGISTO PESSOAL: 10 e 11/13

Quanto mais este projeto avançava, mais me recordava de um filme argentino: La nube, de Fernando Solanas. Nele, uma parte dos protagonistas anda sempre às arrecuas. E esta publicação foi mesmo feita em marcha-atrás... Em 2013, não consegui(mos) terminar o livro. A culpa no atraso foi minha. Mergulhado e enredado em compromissos fui atrasando o texto. A dada altura, propus aos colegas de jornada que editássemos primeiro o catálogo e depois a parte escrita. Uma manobra arriscada, porque as imagens têm de estar citadas no texto e com ele serem coerentes. Para mais, as fotografias e os desenhos estavam divididas por setores, o que tornava imperioso que não houvesse contradições. O catálogo foi publicado em 2013. Três longos anos teve o segundo (primeiro...) volume de esperar. Tinham, entretanto, surgido novos achados, que levaram à edição de um CD, que surgiu como apenso ao texto.

Como na célebre série televisiva dos anos 80, "confused? these questions — and many others — will be answered in the next episode of...Soap".

No final, resultou tudo bem. Bateu tudo certo, mas deu uma trabalheira dos diabos.

Em resumo, como sempre defendi a realização de publicações monográficas sobre intervenções arqueológicas, avançou-se com esta primeira síntese. Que avança com interpretações, com datações e com propostas globais. Num trabalho a prosseguir e a aperfeiçoar.


Castelo de Moura - escavações arqueológicas 1989-2012
Autores: Santiago Macias, José Gonçalo Valente e Vanessa Gaspar
Formato - 26 x 22
Nº de páginas - 190
Ano de edição - 2013 (catálogo)
Classificação CDU - 904(469.521)"-03/18" (083.82)


Castelo de Moura - escavações arqueológicas 1989-2013
Autores: Santiago Macias, José Gonçalo Valente e Vanessa Gaspar
Formato - 26 x 22
Nº de páginas - 136 + CD
Ano de edição - 2016 (textos)
Classificação CDU - 904(469.521)"-11/18"

terça-feira, 27 de agosto de 2019

MARRAQUEXE EXPRESS

Ao procurar imagens para um projeto em desenvolvimento, fui dar com um conjunto de fotografias antigas de Marraquexe, ponto central do tema que nos ocupa. Ainda desabafei para o meu colega, e amigo há quase 40 anos, "ainda vamos ser acusados de promotores do exotismo ou de orientalistas filhos do pós-colonialismo, vais ver a barraca...". Embora não pareça, ele tem muito mais juízo que eu e não (me) ligou nenhuma. Há muitos anos (seis, para ser preciso) que não vou a Marraquexe. Mas a imagem perene será, sempre, a daquele setembro de 1981, quando alguns sítios da cidade se pareciam ainda um pouco com o cliché orientalista.

E, isso sim, lembro-me de irmos no autocarro, estrada fora, enquanto na minha cabeça soavam os Crosby, Stills and Nash:

Would you know we're riding
On the Marrakesh Express
Would you know we're riding
On the Marrakesh Express
All on board that train


segunda-feira, 26 de agosto de 2019

COMISSÃO DE FESTAS

Por várias vezes, na minha carreira, desempenhei o papel de "comissário". Ou seja, de responsável científico no âmbito de uma exposição. É um trabalho que me agrada especialmente, por razões que não vêm agora ao caso.

Ora, tendo sido "comissário", nunca fui membro de uma comissão de festas. Muito menos da de Moura. É uma (A) falha maior, e dificilmente reparável, no meu caminho. Em todo o caso, fiquei feliz ao ver este grupo de amigos abalançar-se à Festa de 2020. Salvo erro da minha parte, cumprem-se 50 anos deste modelo de festa. Tenho a certeza que esta comissão grande vai ser uma grande comissão. Aqui fica o texto que hoje difundiram:

Caros Mourenses, 
Nenhum caminho é longo demais quando um amigo nos acompanha.
É com este espírito de grande amizade e união que nos apresentamos a vós como a novel Comissão de Festas em Honra de Nossa Senhora do Carmo.
Como todos sabemos, as nossas festas anuais são um marco importante da nossa cidade, e a sua continuidade, ano após ano, é imperativa e um dever que todos os mourenses devem honrar.
Felizmente o nosso povo nunca diz não, quer fazendo parte das comissões, quer com uma ajuda incansável, de todos, para com as mesmas.
Este ano cabe-nos a nós essa honra, e começámos já a trabalhar, para que no final a nossa Santa Padroeira e as suas Gentes se sintam orgulhosas com o nosso trabalho.
Em todos os nossos eventos terão a garantia máxima da nossa dedicação e trabalho, sempre a pensar em todos vós. 
Assim sendo, esperamos ver-vos a todos ao longo deste ano.
Marcamos já encontro na tradicional Feira de Setembro de 12 a 15 de Setembro. 
Que Nossa Senhora nos acompanhe a todos.
Com os melhores cumprimentos,
A Comissão de Festas 2019/2020

domingo, 25 de agosto de 2019

ESPOSENDE

A fotografia é de 1971. O autor é Armindo Cachada. Representa a romaria de S. Bartolomeu do Mar. Mostra-nos um Portugal telúrico, antigo e rural. Ao olhar, ontem à tarde, para esta imagem, ocorreu-me que muitos políticos só frequentam estes ambientes em datas pré-eleitorais. Ou que muitos académicos o fazem na perspetiva do voyeurismo.

É a altura das romarias de verão. Por entre o pó, o mar, o calor e a festa genuína. Mais ou menos religiosa, mais ou menos profana.

Dado curioso na fotografia: não está ninguém dentro de água. Parto do princípio que o banho ritual ainda não se iniciara...

sábado, 24 de agosto de 2019

NUNO CALVET, NA PÓVOA DE S. MIGUEL

O "Expresso" de hoje inclui uma entrevista com Nuno Calvet (n. 1932). Poucas exposições me deixaram tão perenes e fundas marcas como a sua "Além Terra", no início de 1983, na Fundação Calouste Gulbenkian. Na altura, aluno do 2º. ano da Faculdade e em crónico deficit financeiro, não pude comprar o catálogo. Mas ficaram-me gravadas as imagens e as cores da terra. Mas já não me lembrava concretamente desta fotografia, que hoje fui recuperar, à boleia do texto do "Expresso". Intitula-se "Região da Póvoa, Moura" e data de 1981.

Diz ele, na entrevista, "o Alentejo é um mundo". Se é!

CRÓNICAS OLISIPONENSES - XXXIV

20.8.2019 - 12.40 (Rua da Ribeira Nova)

Está um arrumador a tratar da vidinha. O ar é de desmazelo. Andrajos, cabelo comprido e oleoso (oleoso é favor, aquilo bem aproveitado dava para fritar uma travessa de batatas). Gesticula e orienta duas bifas, troce, troce, pró outro lado, tá ok. Elas saem, com aquele ar de atarantamento que, inevitavelmente, envergamos quando estamos em território desconhecido.

O arrumador desata aos gritos psstooooipsstooooiatenção aíthe brake! E faz o gesto de puxar. Uma entra no carro e, trrrrkkkkk, puxa the brakeVerdade se diga que, naquela niveladíssima rua, só um terramoto faria mover o carro. Mas mais vale ser profissional e justificar a moeda.

As bifas rimaram à Praça da Ribeira. Eu segui, Rua dos Remolares fora.

quinta-feira, 22 de agosto de 2019

BIBLIOGRAFIA MOURENSE - UM REGISTO PESSOAL: 9/13

A experiência que tive, como vereador na área do urbanismo e dos fundos comunitários, foi das mais interessantes por que passei, a nível profissional. O desafio era grande - executar os projetos com financiamento comunitário - e não admitia falhas. Implicou a mobilização de vários executivos camarários, num verdadeiro trabalho de equipa.

Ainda hoje ouço a voz de uma técnica da Câmara de Moura, que insistia repetidamente "o que nos está a pedir é impossível". E lá vinha com uma catadupa de fluxogramas e de termos de referência. Não era assim, e não só foi possível, como fomos mais além, recuperando verbas em overbooking. Facto muito criticado, dentro e fora de portas, recorremos a equipas exteriores para a execução de projetos e para a fiscalização de obras. O resultado foi, globalmente, muito positivo. Dele se deu conta, numa publicação de síntese, editada em 2013. Um antes e um depois do que se concretizou. Muito para além de protocolos e acordos assinados, bem entendido. Uma reflexão desses anos verá a luz do dia em 2020.

Download em:
http://santiagomacias.org/AUTARQUIA/Moura_Regeneracao_Urbana_2013.pdf


A complementar com:
http://santiagomacias.org/AUTARQUIA/revista_12_2015.pdf

http://santiagomacias.org/AUTARQUIA/revista_08_2017.pdf


Moura - parcerias para a regeneração urbana
Autores: Santiago Macias, José Maria Pós-de-Mina, Célia Gomes, Vanda Fialho e Maria de Jesus Mendes
Formato - 27 x 21
Nº de páginas - 64
Ano de edição - 2013
Classificação CDU - 711.5(469.521)

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

PRIORIDADES E URGÊNCIAS

Assim, de rompante:

O deputado do PAN, em mais um dos seus delírios, resolve advogar um SNS para cães e gatos. Um medida discriminatória para com os canários e para com os periquitos. Claro está que isto é uma prioridade, num País onde o outro SNS - o dos reles humanos - está sobre-financiado.

E depois há o despacho 7247/2019. Não é que criar medidas anti-discriminatórias esteja errado. Ao contrário! Tenho é as maiores dúvidas que os problemas se resolvam atirando para o terreno leis, sem que haja efetivas condições para que elas sejam cumpridas. Claro está que isto já resvalou para a caricatura. A redação do nº. 3 do artigo 5º é uma verdadeira mina.


MÉRTOLA E O SEU MUSEU

No texto da Rede Portuguesa de Museus usa-se a expressão "contemplados". Não gosto muito da palavra, por dar ar de sorteio. Pior ainda, uma rádio regional dizia "os felizes contemplados". Na verdade, os museus que vão ser apoiados por esta iniciativa do Ministério da Cultura não tiveram sorte. Porque este trabalho tem a ver com dedicação, com competência e com empenho e não com sorte.

O Museu de Mértola vai ter um apoio de 18.000 euros para o inventário. É uma opção pouco "espalhafatosa", mas muitíssimo acertada. O inventário "brilha" menos, mas é um domínio crucial. E que permite preparar o futuro.

A Câmara Municipal de Mértola continua a incluir domínios como a arqueologia, o património e os museus nas suas opções estratégicas, a nível cultural. Um trabalho de longo prazo que vai dando frutos.


terça-feira, 20 de agosto de 2019

TRUJILLO

Não ia a Trujillo desde 1974. Ou, talvez, 1975. Só recordava, vagamente, a Plaza Mayor. Juraria que a estátua de Francisco Pizarro estava no centro. Afinal, não está. Também tinha a ideia de um sítio muito bonito. Uma recente passagem por Trujillo, sim é um bonito cenário, gerou a mesma sensação de desconforto que outras cidades me tinham provocado. Arrisco-me a ser defenestrado ao dizer que me asfixiam sítios como Úbeda ou Cáceres... Demasiados palácios, demasiados brasões, fachadas cegas, arquitetonicamente irrepreensíveis, mas mudas e opacas. Demasiada aristocracia, muitos marqueses. Falta gente, falta povo, sobra sobranceria. Podemos passar, mas não ficar.

Os palácios? Viraram boutique hotel ou alojamento de luxo.

NÃO TEM GRAÇA...

... é que a criatura que coloca estas brincadeiras de adolescente no twitter tem às suas ordens (diretas ou indiretas) 1750 armas nucleares.


segunda-feira, 19 de agosto de 2019

FOTOGRAFIA A SUL

Não se pode dizer que, do ponto de vista plástico, as fotografias de Evans-Pritchard (1902-1973) sejam obras de arte. Contudo, sem as suas sucessivas incursões pelo Sudão do Sul dificilmente "teríamos" George Rodger. Ao deambular, há dias, em contínuas pesquisas de imagens voltei a este site, que já quase esquecera. Aí se reunem milhares de fotografias, da autoria de um conjunto de reputados antropólogos. Vale pena vê-las, até se perceber a motivação dos investigadores e o seu método de registo.

Esta fotografia de um homem do povo Aka data de dezembro de 1926.


Ver - http://southernsudan.prm.ox.ac.uk

domingo, 18 de agosto de 2019

VISIGODO EXTREMENHO

Foi de surpresa que aconteceu e a procura destes sítios será tema para um texto mais aprofundado. A San Pedro de Mérida já tinha ido - em 2008, durante um congresso em dias gélidos -, a Ibahernando nunca. Vi a placa na estrada e virei. Primeiro para um sítio, depois para outro. O primeiro tem as ruínas à vista, de forma anónima e sem explicação. O segundo está, literalmente, perdido no meio de uma herdade. Os textos de Enrique Cerrillo (n. 1950), lidos no inverno de 1983/84, estão algures, na babilónia do meu "escritório". A sua leitura, bem como o monumental trabalho de Pedro Palol (1923-2005), direcionou parte do meu caminho. Depois, viriam os estudos, não menos densos, de Noël Duval (1929-2018), sobre o Norte de África.

A finitude, e os limites físicos, da investigação tornaram-se-me ainda mais claros ao sol da Extremadura.


WOODSTOCK

É banal falar, no dia de hoje, de Woodstock. É que passam exatamente 50 anos sobre o fim do festival. Festivais e concertos nunca foram exatamente "a minha praia". Tal como os domínios da "contra-cultura" nunca o foram... Mas gostei muito do filme de Michael Wadleigh, um prodígio de improviso e de capacidade  de montagem.

sexta-feira, 16 de agosto de 2019

O GOSTO PELA ARTE ISLÂMICA

É um dos grandes momentos deste 2019. E dos anos anteriores. E, provavelmente, dos que virão. A exposição "O gosto pela arte islâmica", comissariada por Jessica Hallett, é uma reflexão sobre arte, coleções e sobre as circunstâncias políticas que lhe deram origem.

Na Fundação Calouste Gulbenkian, até dia 7 de outubro.

quinta-feira, 15 de agosto de 2019

BIBLIOGRAFIA MOURENSE: UM REGISTO PESSOAL: 8/13

Oitava publicação sobre temas concelhios: uma abordagem monográfica e fotográfica a Santo Aleixo. A ideia surgira muitos anos antes e foi avançando, de forma um pouco improvisada. Escolheram-se pessoas emblemáticas da aldeia. O Alberto Frias foi fotografando, eu ia fazendo entrevistas. Entre dúvidas, avanços e recuos, o esquema inicialmente pensado foi abandonado. Não haveria entrevistas - porque muito desiguais -, mas sim um texto "memorialista". O mais importante eram as fotografias. O lançamento, em agosto de 2010, foi completamente festivo. Com sessão de autógrafos e tudo, e uma bicha de pessoas, espraiando-se pelo adro da igreja.

Uns anos depois, uma pessoa veio falar comigo. Estava a fazer um livro sobre a sua aldeia. Comentou "mas não quero fazer um livro como o seu de Santo Aleixo, é muito maçudo". Ganhou o meu respeito. Se há coisa que gosto é de clareza e frontalidade. Por muito que, naquele momento, tenha, por várias vezes, engolido em seco.

Este livro deixou-me marcas. Estando fora do concelho, lembro-me, com muita frequência, de sítios, de pessoas e de situações. Santo Aleixo tem lugar permanente nesses momentos. É, desde 1973, "um daqueles sítios".

Santo Aleixo da Restauração
Autores: Alberto Frias e Santiago Macias
Formato - 23 x 21
Nº de páginas - 80
Ano de edição - 2010
Classificação CDU - 978-972-8192-43-3

ATUALIZANDO(-ME)

Com a amizade e a solidariedade do Rui Bebiano, o site/portfolio vai tendo atualizações. Agora, foram colocados online mais dois livros: Caligrafias (2018) e Mesquitas (2019). Mais algumas novidades dentro de dias, que a realidade é dinâmica.

AQPI: http://www.santiagomacias.org/publi.php?fotos

quarta-feira, 14 de agosto de 2019

ALFRED HITCHCOCK

Nasceu há 120 anos.
Fez filmes. Muitos e bons.
Não ganhou nenhum dos grandes prémios. Dos tais.
Nem Óscares, nem Cannes, nem Veneza, nem Berlim.
Os outros ganharam fitinhas e bonequinhos. Ele ganhou um lugar na História.
Faz parte do meu panteão privado.
Com que filmes?

Notorious
Strangers on a train
Rear window
Vertigo
North by northwest
Psycho
The birds

Etc.

terça-feira, 13 de agosto de 2019

ENTÃO, QUANDO É QUE TE FARDAS?

Era sempre assim. A noite já ia bem entrada quando o amigo Manuel Grilo deixava o protocolo de parte e me perguntava "então, mas afinal quando é que te fardas?", para depois me intimar "tens que te fardar!". Em 2016, para preocupação dos colegas da vereação e para preocupação ainda maior da família decidira-me a aprender música. Frequentei disciplinadamente a escola de música da Banda de Safara - o Flávio Robles fez-me uma certeira e mais que inteligente crítica, a propósito da minha personalidade... - até chegar à lição 20 e me darem um clarinete para praticar. No meio disto, estava um fraterno Manuel Grilo. Não me recordo de o ver de má catadura. A fotografia que a banda hoje colocou nas redes sociais reflete bem o seu estilo. Descontraído, amigável e paciente para com os mais novos. E sempre jovial. Quando me via com as partituras debaixo de braço, encolhia os ombros e soltava uma gargalhada.

Foi com imensa pena que li hoje a notícia da sua derradeira partida. Na próxima vez que for a Safara, já não o poderei ver. Tal como já não me cruzarei com ele nas procissões. Também já não falaremos um pouco, como sempre fazíamos depois das festas. E não poderei repetir, como da última vez, "sabe, amigo Manel, isto da música não é para quem quer, é para quem sabe...". Uma coisa tenho como certa, na minha memória ele ficará sempre.

É TÃO LINDO, O INTERIOR...

ALÔ, UNIDADE DE MISSÃO DE VALORIZAÇÃO DO INTERIOR!

Lisboa e Porto - 98 deputados
Beja, Évora, Portalegre, Guarda e Viseu - 19 deputados


segunda-feira, 12 de agosto de 2019

BALANÇO DA GREVE

Os motoristas estão encostados às cordas.
A oposição, à direita e à esquerda, ficou silenciosa (ao menos, Catarina Martins não se está a esganiçar, louvemos os deuses).
Entretanto, António Costa dá cartas. E ri.

PÉRIPLO CALIGRÁFICO

O caminho faz-se caminhando. Segue o percurso das "Caligrafias".

Depois de Évora, Alvito e Cuba, está, até final de setembro, em Mértola.

Próximo passo: Moura, em outubro.

Depois, talvez mais a sul, por terras algarvias.

A quem tenho de agradecer?

À Fundação Millenniumbcp, à Direção Regional de Cultura do Alentejo, às Câmaras Municipais de Alvito, Cuba e Mértola e à Sociedade Filarmónica União Mourense "Os Amarelos". E ao Jorge Calado, bem entendido.


domingo, 11 de agosto de 2019

QUANDO PENSAMOS QUE SE BATEU NO FUNDO...

... e depois pensamos "afinal ainda vai piorar". Exceto, claro está, para os colunistas do "Observador".

O Presidente da República Federativa do Brasil, que está à frente de uma nação com 200.000.000 de habitantes, que tem a sétima economia à escala mundial e que tem a Amazónia sugere que se defeque dia sim, dia não, de forma a causar menos poluição. A indigência vai a este ponto:

sábado, 10 de agosto de 2019

DA CIÊNCIA À RELIGIÃO: escritos dos dias que passam

O texto do padre Gonçalo Portocarrero de Almada, ontem, no "Observador", trouxe-me à memória o episódio do professor do Instituto Superior Técnico que negava, com argumentação científica, a possibilidade do Sputnik andar à volta da Terra.

Transcreva-se um excerto do que ontem foi publicado:

"Assim sendo, Jesus Cristo foi o primeiro ser humano a quem se pode atribuir, com propriedade, a condição de cosmonauta. Mas não a primeira criatura porque, dada a sua condição divina, unida à natureza humana da sua encarnação, não é criatura, mas o próprio Criador, com o Pai e o Espírito Santo.

Será então que, a primeira criatura humana que viajou no espaço, foi mesmo o astronauta russo Yuri Gagarin? Não, porque, segundo a doutrina católica, também a Mãe de Jesus de Nazaré, Maria, subiu ao Céu em corpo e alma. (...)".

Tive que ler duas vezes, para ter a certeza que o texto era a sério. O padre Teilhard de Chardin morreu três anos de Gonçalo Portocarrero de Almada ter nascido.


sexta-feira, 9 de agosto de 2019

CRETTO DI BURRI

Houve um terramoto e houve uma aldeia que desapareceu. A destruição foi total. A nova aldeia foi construída algures. No sítio da antiga foi redesenhado o parcelário tal como existia à data da catástrofe. Uma enorme e telúrica escultura é o que hoje se pode ver. O terramoto aconteceu em janeiro de 1968. O sítio, outrora com o nome de Gibellina, foi "rebatizado" com o nome do artista Alberto Burri (1915-1995).

Cretto di Burri fica na Sicília. Está a 1.811 kms. de Mértola. Só ouvi falar deste extraordinário sítio há semanas, em casa da Sofia Aleixo e do Victor Mestre. O repórter foi o Daniel Pires.

quinta-feira, 8 de agosto de 2019

BIBLIOGRAFIA MOURENSE - UM REGISTO PESSOAL: 7/13

Uma viagem a Bissau, no início de 2010, foi o pretexto para uma frenética recolha de imagens. As peripécias não foram poucas, durante os quatro ou cinco dias em que permaneci sozinho na cidade... O extraordinário interesse do sítio motivou o resto. Que se traduziu na proposta, ao presidente da câmara José Pós-de-Mina, para que se preparasse um pequeno livrinho, com umas dezenas de fotografias, a editar por ocasião da passagem por Moura do Eng. Armando Napoco, em maio desse ano.

A ideia de fazer uma edição bilingue esbarrou na dificuldade da tradução. Mesmo os colegas guineenses que falam o crioulo de forma corrente hesitam na forma de verter as palavras na sua forma escrita. Valeu-me o meu amigo Domingos Soares Semedo (Mingó), que convenceu a sua mulher, Odete Semedo (antiga Ministra da Educação), a fazer a tradução. O livro saiu mesmo. Aqui fica, em duas versões, o primeiro parágrafo do meu texto.


As cidades são um palimpsesto. As cidades escrevem-se no tempo e são a escrita do tempo. As cidades escrevem-se devagar, ao longo de séculos ou de milénios. Os séculos mudam-nas, apagam e reescrevem as suas páginas. Que são refeitas vezes sem conta. De dia e de noite, porque as cidades são, como as consoantes do alifato, solares e lunares. Os dias de Bissau e as noites de Moura fazem parte dessa escrita, que nem sempre é linear. E que nunca é silenciosa.


Prasas i suma ora ku bu na djubi rostu di fidju, ma bu na odja parsensa di rostu di si mame ku si papi. Sidadis o prasas e ta skirbidu na tempu, ma elis na se po di kurpu i kusa ku skirbidu. Prasa ta skirbidu divagarinhu, pikininu... pikininu, anu fora anu dentru. Anus ku ta muda sidadis, anus ku ta paga, i ta skirbi i torna skirbi mas na si fodjas. Si fodjas ta fasidu i torna fasidu, kantu bias ku ningin ka pudi kaba kontal. Prasas i suma letra di alfabetu, di dia e ta iardi suma sol, di noti e ta lumia suma lun’a. Dias di Bissau ku notis di Moura e fasi parti di e skrita; un skrita ku si kaminhu i ka di kumpridu. Ma tambi i ka di mukur-mukur.

Moura Bissau
Autores: Santiago Macias, José Pós-de-Mina e Armando Napoco
Formato - 16 x 16
Nº de páginas - 46
Ano de edição - 2010
Classificação CDU - 
77 Macías, Santiago
77(469)"19/20"
061.4(469)"2001


quarta-feira, 7 de agosto de 2019

ÁGUA CASTELLO - ANO 120

A Água Castello voltou a mudar de mãos. A empresa já não tem o impacto social que, em tempos, teve, na nossa terra. As dezenas de funcionários que ali labutavam todos os dias resumem-se, agora, a um pequeno grupo de trabalho. A marca continua, ainda assim, a ser um símbolo forte da terra. Nos últimos anos, e por conjugação do interesse que sempre tive neste tipo de contactos, como pela disponibilidade de Jorge Henriques e de Nuno Colaço, houve uma clara aproximação entre a autarquia e a empresa. Daí resultaram uma ativa colaboração da Água Castello na exposição"Água - património de Moura" (2015) e a edição da "Valsa da Água Castello" (2016).

Do ponto de vista do cliente, espero que a água mantenha as suas características e aquela identidade masculina. A finna nunca me encheu as medidas. Percebo as razões, nomeadamente a procura de novos mercados e de novos clientes, como Jorge Henriques detidamente me explicou, mas "aquilo" não é para mim.

terça-feira, 6 de agosto de 2019

FRATERNIDADE SOUSTOUNENSE

"Venha com a gente a França", desafiou o Valter. Eu disse que sim, claro que vou a França, ora essa. À medida que as semanas passavam e a data se aproximava, crescia a dúvida, "que vou eu fazer a França com moços que têm menos de metade da minha idade?". Um é da idade do meu filho mais velho, há muitos que são bem mais novos... Mesmo os "veteranos" (João Cortez, Rui Gorjão, Gonçalo Perfeito...) são muito mais novos que eu. Cheguei a colocar a dúvida ao cabo do grupo, que a afastou com um "deixe-se de moengas e venha daí".

Fui. Bem empregue tempo e bem empregues dias. Talvez um momento destes não se volte, para mim, a repetir. Por isso mesmo foi ainda mais excecional e divertido. Retenho duas palavras: fraternidade e solidariedade. A fraternidade, que se misturou com uma boa disposição que nunca abandonou o grupo. A fraternidade presente num grupo com quase 50 anos, e que representa o concelho e deixa Moura bem vista por onde quer que passa. A solidariedade que se manifesta na praça, nos bons e nos maus momentos. Coesão e amizade foram coisas que senti ao longo dos dias. Eles estavam tão mergulhados naquele espírito que nem davam por isso. Um outsider, como eu, não podia deixar de se entusiasmar com o espírito generoso dos moços.

Que o grupo esteve à altura e logrou um brilhante desempenho nas pegas? Sim, mas isso não é novidade. Não se trata de um acaso ou de sorte, é fruto de trabalho e de dedicação.

A última noite foi extraordinária, com a Rue Emile Nougaro tomada de assalto e com o reggae "Tomber la chemise" a marcar as horas. Fui fotografando, que um dia destes haverá qualquer coisa para ver.

Obrigado rapazes e viva o Real de Moura!


Os quatro mosqueteiros da noite

segunda-feira, 5 de agosto de 2019

É TÃO GRANDE O ALENTEJO...

Tão grande que, em 43 concelhos, só um tem uma biblioteca de verão? Só Mértola aparece no site da DGLAB (v. http://bibliotecas.dglab.gov.pt/pt/Paginas/default.aspx). Há outros concelhos que também têm esse serviço. É uma pena não haver divulgação, porque as praias, as bibliotecas e os jardins são excelentes sítios para momentos de leitura.

domingo, 4 de agosto de 2019

BIBLIOGRAFIA MOURENSE - UM REGISTO PESSOAL: 6/13

2005 foi também o ano de edição de um trabalho que fora começado em 1987, que tinha sido publicado de forma parcelar, mas que merecia mais.

No final dos anos 70 foi recolhido um coerente conjunto cerâmico nos terrenos do antigo Convento de Santa Clara. A despeito de não haver qualquer registo conhecido quanto ao local preciso de recolha ou quanto à forma como as peças foram recuperadas, era inegável a coerência tipológica dos materiais. Usamos, para o estabelecimento de balizas cronológicas, várias telas de Josefa d'Óbidos. Fez-se uma listagem das peças mais significativas, magnificamente desenhadas por Carlos Rico. E publicou-se um pequeno catálogo.

Convento de Santa Clara (Moura) - um conjunto cerâmico do século XVII
Autores: Santiago Macias e Miguel Rego
Formato - 20 x 20
Nº de páginas - 48
Ano de edição - 2005 (d.l. de 2007)
Classificação CDU - 902(469)"18/19"

sexta-feira, 2 de agosto de 2019

HOJE, EM SOUSTONS

Hoje à noite há corrida de touros, em Soustons, no sul de França. Lá estaremos, com os moços do Grupo de Moura. A reportagem virá depois.