sábado, 27 de junho de 2020

VAMOS VER O POVO, VAMOS VER O POVO...

"Ser rico deve ser uma coisa porreira...", disse aquele meu amigo, bem mais velho que eu, e soltou uma sonora gargalhada. Estávamos em casa dele, na Lapa, e na televisão passava um documentário sobre a rodagem do "Apocalypse now". Francis Ford Coppolla, deus ex machina, regia aquele exército num jeito barroco. Os meios eram impressionantes. A cena dos helicópteros foi filmada em tempo real, e sem recurso a computadores. Uma coisa de ricos.

Lembrei-me muitas vezes deste episódio, nos últimos três meses. A diferença entre uns e outros está bem espelhada naquele que é um dos palcos evidentes da diferenciação social: os transportes públicos. O presidente da Câmara de Loures, Bernardino Soares, deixou isso bem claro numa entrevista à Antena Um, a meio da semana. Há mais casos naqueles concelhos - Amadora, Loures, Odivelas etc. - precisamente porque são os sítios onde as pessoas mais usam os transportes públicos e onde não têm alternativas Têm mesmo de ir trabalhar e têm de ir assim. A todos ocorre "ser rico deve ser uma coisa porreira...". É esse o teor, com nuances, de muitas conversas que ouço nos transportes públicos.

As fantasias ambientais que se propagandeiam, as ideias dos transportes limpos, baratos e eficazes, são boas para abrir telejornais e para as páginas da imprensa dominada pelas classes A e B. A realidade, e essa eu conheço bem!, é outra. A outra realidade é a do povo. Que uma certa classe política - não o PCP, que esse está sempre onde está o povo - frequenta, com curiosidade de zoo.



Vamos ver o povo
Que lindo é
Vamos ver o povo.
Dá cá o pé.

Vamos ver o povo.
Hop-lá!
Vamos ver o povo.

Já está. 


Mário Cesariny de Vasconcelos (1923-2006) in Nobilíssima Visão (1959)

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