segunda-feira, 1 de agosto de 2022

HEURÍSTICA DA MÚSICA PIMBA

Foi há mais de dez anos, numas Festas da Vila, em Mértola. Um amigo comentava-me, enquanto Quim Barreiros evoluía no palco: “já viste isto?... uma coisa sem qualidade...”. Bem-disposto e muito animado, respondi, em tom trocista, “é verdade! a Orquestra Filarmónica de Berlim esta semana não estava disponível...”. E continuei a saltitar, num estilo “coreográfico” que uma amiga designa como “uma tábua abanando ao vento”.
Continuo a pensar que cada coisa tem o seu sítio. E que nessas festas de verão sentiria a falta de Ana Malhoa, de Emanuel, de Toy, de José Malhoa, de Micaela, de Tony Carreira, de Quim Barreiros e de todos os outros que, empenhadamente, espalham animação e alegria por todo o País. Emanuel imortalizou a designação. O “pimba” é uma opção? É. Recordo, com prazer, o dia em que Emanuel, música com formação a sério, explicou, coloridamente, ao maestro António Victorino de Almeida como fazia as suas músicas. Entretendo-se em mostrar vários tipos de arranjos – jazz, blues, flamenco – para o que se chama música “pimba”. Diverti-me a sério e fiquei rendido. Tony Carreira foi distinguido pelo governo francês com o grau de Cavaleiro da Ordem das Artes e Letras. Tem como pares nomes como Jackie Chan, Shakira, Eduardo Lourenço, Idrissa Ouédraogo ou Maïa Plissetskaïa. Um exemplo de diversidade e abrangência bem ao gosto gaulês. O snobismo nacional olhou com despeito e sobranceria a condecoração.
Ao longo dos anos habituei-me a dar cada vez maior importância ao sítio específico para cada coisa. E à convicção que há espaço para tudo e para todos. O que me faz balançar, sem problemas, entre a RTP2, as óperas no MET e as festas de verão, onde espero sempre ver aqueles cantores que referi mais acima e ainda bandas de camião como Século XXI ou Função Pública. Por isso, nas Festas de Verão reajo sempre com entusiasmo quando são anunciados os bons músicos populares. Pimbas ou não pimbas.
Recorde-se ainda que os chamados cantores pimba são, muitas vezes, os nossos embaixadores junto dos portugueses – de primeira, de segunda, de terceira gerações – que vivem em Cergy-Pontoise, em Champigny-sur-Marne, em Lausanne, em Preverenges ou em a Epesses. Esses são os sítios onde os cantores populares estão entre o povo e se sentem como em casa. Desempenham um papel inestimável de ligação entre cá e lá. Não é por acaso que as salas por onde passam esgotam e são tratados de forma amiga e fraterna. E fazem girar à sua volta verdadeiras máquinas de produção, que dão trabalho a muita gente.
No caso de Quim Barreiros temos, em Moura, um dado suplementar de reconhecimento. Em 1973 gravou, em conjunto com o Trio Guadiana, a “Nossa Senhora do Carmo”. O vídeo está no youtube e tem mais de 63.000 visualizações: https://www.youtube.com/watch?v=A7-K2pAMmN0.
Porquê “heurística da música pimba”? Heurística tem a ver com descoberta. E um título assim chama sempre a atenção.

Crónica publicada hoje em "A Planície"








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