O moçambicano Félix Mula (n. 1979) ganhou o NOVO BANCO PHOTO deste ano. Tenho a certeza que muita gente se recorda o interesse do BES na fotografia. Mas isso agora interessa pouco.
Não conhecia o trabalho de Félix Mula. Mas gosto do ar de desolação dos sítios (alguns amigos meus insistem que tenho uma fixação pelo tema de decadência), das casas coloniais abandonadas, do seu adormecimento e, sobretudo, da mudança de uso a que a incompreensão dos espaços leva.
As imagens são fortes e a ida ao CCB é inevitável.
Casa Abandonada
Deixem a casa velha! Que os pedreiros
não lhe tirem as rugas nem as gelhas.
Que não limpem de urtigas os canteiros,
que lhe deixem ficar as velhas telhas.
não lhe tirem as rugas nem as gelhas.
Que não limpem de urtigas os canteiros,
que lhe deixem ficar as velhas telhas.
Deixem a casa velha! Que a não sujem
com óleos e com tintas os pintores.
Que lhe deixem as nódoas de ferrugem,
os velhos musgos, as cansadas flores.
Que não fiquem debaixo do cimento
mais de cem anos de alegria e dor.
Não lhe pintem a chuva, o sol, o vento,
que a cor do tempo é assim: vaga e incolor.
Que tudo fique assim, parado e absorto,
no tempo sem limites, sempre igual.
Ah, não, por Deus! Como se faz a um morto,
não a sepultem sob terra e cal!
Não fechem as janelas mal fechadas,
ouçam da brisa o tímido lamento,
deixem que a vida e a morte, de mãos dadas,
vão com seu passo reflectido e lento.
Não endireitem as paredes tortas
nem desatem, da aranha, os finos laços.
Abram ao vento as desmanchadas portas,
ouçam do tempo os invisíveis passos.
Deixem que durma, quieta, ao sol do Outono,
velada pela flor, o vento, a asa.
Será talvez o derradeiro sono…
Que importa? Morra em paz a velha casa.
Fernanda de Castro (1900-1994), in «Asa no Espaço», 1955