O balcão ficava de frente para a porta. Detrás do balcão havia uns caixotões enormes de madeira, onde se guardavam o feijão e o grão. Haveria outras coisas, mas só me lembro mesmo dessas duas. Do lado esquerdo de quem entrava, ficava a guilhotina com que se cortava o bacalhau e um aparelho mágico, eu acho que era mágico, que se enchia de petróleo e de onde o petróleo passava para as garrafas das mulheres do bairro da Salúquia. Detrás do balcão estava sempre o sr. Joaquim Romão. Eu não tinha mais que 5 ou 6 anos e, claro, achava-o um homem muito, muito velho. Nessa altura o sr. Joaquim Romão não teria mais de 35 ou 36 anos. As mulheres do bairro gritavam todas ao mesmo tempo “Joaquim, o café”, “Joaquim, a linguiça”, “Joaquim, ainda não me aviaste”. Era engraçada a cena, mas não me lembro dele alguma vez ter perdido a paciência ou ter gritado com alguma das mulheres do bairro. E, Deus meu, como algumas mereciam que ele gritasse com elas.
Claro que estava sempre desejando que a tia Ana me levasse ladeira acima, até virar para a Rua da Rosa – e como o caminho me parecia longo… -, até à loja do Joaquim Romão. Claro que, quando ia à loja, a minha tia também falava um pouco mais do que era costume, mas o sr. Joaquim permanecia, impassível e cordato, atendendo e aturando as mulheres todas ao mesmo tempo. E eu ficava sempre desejoso que a conversa demorasse um pouco mais, para ver a máquina mágica que fazia subir e descer o petróleo e a faca com que ele cortava, com gestos precisos, as postas do bacalhau. E, embora fosse muito, muito velho para os meus 5 anos, era sempre simpático – ao contrário de outros da idade dele – e, muitas vezes, dava-me um rebuçado daqueles coloridos, que acho que já não existem e que só pessoas velhas como eu se lembram.
Com os anos a loja cresceu. A loja pequenina tornou-se num mini-mercado, mas o negócio continuou na família. Mulheres sem idade continuaram a frequentar o local. Cada vez mais tenho a certeza que é verdade o que escrevi um dia: “a Salúquia é o reino das mulheres, e das batas de algodão vestidas pelas mulheres. É vê-las, às mulheres da Salúquia, caiando pela manhã, nas compras, nas idas à loja do Joaquim Romão, tomando conta dos netos. É vê-las, às mulheres da Salúquia, de bata, conversando às esquinas.” Os anos passaram, a loja mudou, mas aquele sítio e o seu proprietário foram-se tornando, cada vez mais, um insubstituível ponto de referência do bairro.
Com o desaparecimento físico de Joaquim Romão Pires é um pouco da vida da Salúquia que parte. Tornar-se-ão um dia menos nítidas as memórias que temos dos sítios e das pessoas que neles viveram e trabalharam. Dificilmente, muito dificilmente, se apagará de todos nós a imagem daquele senhor simpático, que tratava toda a gente com calma e educação e que tinha uma máquina mágica com que enchia garrafas. E que dava rebuçados coloridos, daqueles que tenho a certeza que já não existem.
Claro que estava sempre desejando que a tia Ana me levasse ladeira acima, até virar para a Rua da Rosa – e como o caminho me parecia longo… -, até à loja do Joaquim Romão. Claro que, quando ia à loja, a minha tia também falava um pouco mais do que era costume, mas o sr. Joaquim permanecia, impassível e cordato, atendendo e aturando as mulheres todas ao mesmo tempo. E eu ficava sempre desejoso que a conversa demorasse um pouco mais, para ver a máquina mágica que fazia subir e descer o petróleo e a faca com que ele cortava, com gestos precisos, as postas do bacalhau. E, embora fosse muito, muito velho para os meus 5 anos, era sempre simpático – ao contrário de outros da idade dele – e, muitas vezes, dava-me um rebuçado daqueles coloridos, que acho que já não existem e que só pessoas velhas como eu se lembram.
Com os anos a loja cresceu. A loja pequenina tornou-se num mini-mercado, mas o negócio continuou na família. Mulheres sem idade continuaram a frequentar o local. Cada vez mais tenho a certeza que é verdade o que escrevi um dia: “a Salúquia é o reino das mulheres, e das batas de algodão vestidas pelas mulheres. É vê-las, às mulheres da Salúquia, caiando pela manhã, nas compras, nas idas à loja do Joaquim Romão, tomando conta dos netos. É vê-las, às mulheres da Salúquia, de bata, conversando às esquinas.” Os anos passaram, a loja mudou, mas aquele sítio e o seu proprietário foram-se tornando, cada vez mais, um insubstituível ponto de referência do bairro.
Com o desaparecimento físico de Joaquim Romão Pires é um pouco da vida da Salúquia que parte. Tornar-se-ão um dia menos nítidas as memórias que temos dos sítios e das pessoas que neles viveram e trabalharam. Dificilmente, muito dificilmente, se apagará de todos nós a imagem daquele senhor simpático, que tratava toda a gente com calma e educação e que tinha uma máquina mágica com que enchia garrafas. E que dava rebuçados coloridos, daqueles que tenho a certeza que já não existem.
Esta crónica foi publicada na edição do jornal A Planície de 1 de Junho de 2009.
A Inês tem 8 anos. A Clara 4. Mas para elas o nome de Joaquim Romao ficara para sempre associado às férias passadas em casa da avo Julia na Saluquia.
ResponderEliminarO programa da manha passava sempre pela ida à loja do Joaquim Romao para ir buscar o pao. Era so a avo pedir companhia, e hop, ja estavam "postas na perna".
Este sera o primeiro verao sem o nome de Joaquim Romao. Mas as idas matinais à rua da Rosa essas continuarao...
Um abraço com amizade para a Rosa e a Madalena.
Julia Macias-Valet
Este foi um dos homens que marcou Moura pela simplecidade,amizade e honestidade caro Santiago homens como o Joaquim Romão deveriam ser imortais e já não se fabricam nos dias de hoje.Numa sociedade solitária,hipócrita e invejosa.
ResponderEliminarSIM, É VERDADE O JOAQUIM ROMÃO FOI E SERÁ SEMPRE UMA FIGURA IMPORTANTE NO BAIRRO DA SALUQUIA E EU QUE ATÉ NEM SOU DE MOURA,MAS AGORA MORADORA DE HÁ 6 ANOS A ESTA PARTE, NA AVENIDA DA SALUQUIA, EU E A MINHA NETA ÉRAMOS CLIENTES (AINDA SOMOS)ASSÍDUAS DA FAMOSA LOJA PRA NÃO DIZER QUASE DIARIAMENTE, A QUEM EU E A MINHA NETA, APELIDAVAMOS CARINHOSAMENTE O JOAQUIM ROMÃO DE ( NOSSO JAQUIM ).
ResponderEliminarSEMPRE QUE ME VIAM SUBIR A AVENIDA,QUANDO NÃO ERA PRA ENTRAR NO CAFÉ, ALGUMAS MULHERES( AS TAIS DA BATA QUE CONVERSAM Á ESQUINA ) DIZIAM-ME LOGO,,, JÁ VAIS AO TEU JAQUIM,,,,? E ERA ASSIM QUASE TODOS OS DIAS,,,HOJE AINDA SINTO MUITO A FALTA DELE NA LOJA, PARECE QUE ENTRO EM OUTRA LOJA QUALQUER QUE NÃO A DELE, EMBORA SEJA TAMBEM COMPENSADA PELA PRESENÇA DA LENA E DA ISABEL, MAS FALTA ALGO,ALGUEM ,,(ELE)
QUE ERA O EX LIBRIS DA LOJA.
MAS PARA MIM FICARÁ PARA SEMPRE NA MINHA MEMÓRIA UM HOMEM RARO (SINCERAMENTE )AQUELA PESSOA QUE TODA A GENTE GOSTARIA DE TER COMO AVô, UM HOMEM PACIENTE, CALMO, COM MUITO BOM INTIMO, ENFIM NÃO CONSIGO DE TODO, ACHAR UMA CARACTERISTICA DEPRECIATIVA PARA O MEU JAQUIM.
MEU DEUS A MINHA NETA SEMPRE QUE ÍA Á LOJA VIRAVA A LOJA DE PANTANAS,FAZIA CASTELOS COM OS PACOTES DE LEITE E O PÓ DA MAQUINA ENTRE OUTRAS DESARRUMAÇÕES,EU RALHAVA COM ELA MAS ELE JAMAIS FEZ MÁ CARA,E DIZIA-ME SEMPRE,,, NÃO FAZ MAL A MENINA PRECISA DE BRINCAR E CLARO TAMBEM NÃO SAÍA DA DA LOJA SEM OS DITOS REBUÇADOS QUE AGORA SE TRANSFORMARAM EM PASTILHAS E GOMAS,,,,,,E PODERIA DIZER MUITO MAIS MAS FICO-ME POR AQUI.
SEI QUE ELE A ESTA HORA ESTÁ NUM LUGAR TRANQUILO E CHEIO DE LUZ PORQUE ELE MERECIA.
SAUDADES DA PAULA E DA LARA
Caro Santiago em nome da minha familia (Pires, sou o neto) quero agradecer-lhe pela crónica que escreveu sobre o meu avô. Escrevo este comentário com as lágrimas nos olhos e um aperto tão grande no coração. Fico feliz por ver que existem pessoas que sabem o bem que este HOMEM fez para com o povo Mourense, criou a Salúquia inteira, deu fiado a muitas pessoas e ainda perdou algumas dividas a quem dizia mal dele, nos tempos que decorrem é impossivel existir pessoa tão boa. Moura para mim deixou de fazer sentido, pois como o Anónimo menciona "sociedade solitária,hipócrita e invejosa", cansa. Contudo irei sempre recordar-me todos os bons momentos que passei com o meu GRANDE HOMEM IDOLO, AMIGO, PAI, EXEMPLO DE VIDA O MEU AVÔ JOAQUIM ROMÃO PIRES. SAUDADE ETERNA
ResponderEliminarque saudades que eu tenho do meu grande amigo. tanto que eu precisei da tua ajuda e conselhos. Eu não sei mais o que fazer, perdoa-me se errei com a decisão que tomei. Pensei com o coração e as emoções do momento.Tal como as pessoas que reconhecem o homem que fostes, assim eu te reconheço e horrei o teu nome até á tua partida.Sabes o que eu fui e isso me consola e dá forças para viver,lutámos juntos vencemos batalhas e como sempre te disse, AS ÁRVORES MORREM DE PÉ. Obrigada por me deixares o teu sangue a tua honrra e a tua dignidade, isto são heranças que nascem e morrem com a gente.Sempre vivi segundo os teus valores e sempre viverei. Obrigada Santiago nosso grande amigo só agora consegui escrever ,homens como tú ,passam por esta vida e deixam boas marcas com a sua simplicidade e bondade.Eternamente grata por tudo. Obrigada a todas as pessoas que sempre estimaram e nunca esqueceram o Joaquim Romão, meu querido PAI. filha Lena
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