terça-feira, 7 de julho de 2009

Ó LISBOA

"Ó!, Lisboa do Tejo e das viagens,
Onde é mais fundo o Céu, há mais azul.
Perspectivas de sonho e de miragens,
Já voei sobre ti, fui alma exul,
— Pasmavam os navios junto à amarra.
Estiravam-se os serros contra o sul,
Riam ondinas alvas para a barra!

Rias, e eu ri, lá donde as águias pairam;
Nunca tão fundo riso em vida ri.
Meus olhos inda, atónitos, desvairam,
Ao rever-te da altura a que me ergui.
O ser humano, em sua exiguidade,
É pó, já não existe, acaba ali:
Some-se o homem; ergue-se a cidade.

Vi lá em baixo, e duvidei da vista,
Parada a sombra pálida das asas,
Enquanto um alto monte, desde a crista
À base se encurvava e pelas rasas
Planuras abatia em torva espuma.
Fitei o olhar: já não se viam casas;
Dobravam-se as colinas, uma a uma.

Dobravam-se aos galões, como o possante
Oceano em seu vaivém, quando onda após
Onda balouça; e eu era tão distante
Que, parado, te via andar veloz;
Dos homens nem a sombra lá no fundo;
Só tu ganharas ser e, em vez de nós,
Caminhavas agora sobre o Mundo.

Caminhavas ligeira, que eu bem via,
E, quanto mais as asas me libravam,
Mais fundo o olhar no abismo se embebia
E as coisas mais a custo se enxergavam.
E, ao baloiçar violento no vazio,
Eram as velas brancas que acenavam
Duma varanda em pé - o azul do Rio.

De súbito caí num desses poços
Do ar, e vi teu vulto milenário
Dum tom sangrento, a carne sobre os ossos
Como o rosto de Cristo no sudário;
E tu, crucificada na amplidão,
— Cada colina em sangue era um Calvário,
­Sofrias sete vezes a Paixão!

Vi-te com fundos golpes lacerada
Pela dor, pelo tempo que destrói:
O Castelo sem paço, a Sé tombada,
A Ribeira sem naus (como isto dói!);
Era o Carmo em ruína um mausoléu,
Que destaparam para ver o Herói
E, trágico, ficou de ossos ao léu!

Baixei o olhar entre o Castelo e o Carmo
E d'aí ao Terreiro, e logo veio
Não sei que frio súbito gelar-mo;
Cortam-te sulcos hirtos pelo meio,
E bem se vê, de fundos, quem os fez:
Da praça aos cinco golpes do teu seio
Gravam-se a palma e os dedos do Marquês.

Segui e à beira d'água, mais além,
Como antigas ossadas de gigantes,
Vi o mosteiro e a torre de Belém;
E, em baixo, pela praia, os mareantes,
Levando uma ave enorme para o vau,
Agitavam-se inquietos, como dantes,
Ao desfraldar as velas duma nau.

E sob um arco de triunfo aberto
(Via-se à barra o arco da Aliança)
Encarnando o fantasma do Encoberto,
Em corpo de saudade e de esperança,
Sopro de luz, de vento e azul etéreo,
Larguei à desfilada, erguendo a lança
Pelas planícies desse Quinto Império.

E ao longe o vulto, eu bem te vi erguê-lo.
Oh! Lisboa dos Mares, de monte a monte,
Desde o Castelo à praia do Restelo;
Poisaram-te Os Lusíadas defronte,
Sonhavas o que foste, mas não és:
Então tocaste as nuvens com a fronte
E o Tejo, manto azul, caiu-te aos pés

.


Este bonito poema, intitulado Lisboa vista do céu - impressões de um voo de avião, foi escrito pelo grande escritor e historiador Jaime Cortesão (1884-1960) em 1923. Lembrei-me dele por ter ido ontem a Lisboa inaugurar a exposição Mértola - o último porto do Mediterrâneo na sede do Millennniumbcp. Espero disponibilizar amanhã as imagens do evento.

3 comentários:

  1. Quem nao conhece Lisboa,
    Nao conhece coisa boa !

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  2. ... de facto Lisboa é uma cidade linda, eu quando fui aos açores a vista de avião é sem palavras,monsanto aquela parte do rio tejo... só me deu vontade de por a cabeça de fora e gritar que nem um maluco...

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  3. Aí, estamos de acordo. Uma chegada a Lisboa pelo lado sul, ao fim da tarde, é um deslumbramento.

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