terça-feira, 4 de agosto de 2009

UM TEXTO SOBRE FILMES E CINEMAS

O poeta e antropólogo Luís Filipe Maçarico enviou-me este interessantíssimo texto à guisa de comentário. Mesmo na rapidez de um blogue merece mais que uma caixa de comentários. Sem sequer ter pedido autorização ao Luís aqui vai:
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Estas memórias remetem-me para o meu "Éden Piolho", um cineminha de bairro ali em Alcântara, onde deliciado vi filmes do outro mundo que não recordo, enquanto sons e cheiros se misturavam. Creio até que houve quem tivesse mijado do balcão para a plateia, ou estarei a fazer uma evocação consciente do Dinis Machado ("O Que Diz Molero,lembram-se?)
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Há anos em Jerba, na cidadezinha-capital da ilha tunisina, onde Ulisses viu sereias, senti um "frisson" ao entrar no escuro de uma espécie de cinema Paraíso, nas traseiras da igreja de S. José, fechada aquando da independência, reaberta neste novo milénio. A poalha no ar, enquanto a película de terceiríssima categoria se desenrolava, lembrou-me a adolescência. A mesma ambiência.
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Por essa época perdi o ano escolar - andava no 4º ano do curso comercial e era ministro da educação Veiga Simão, a quem recorri, sem resposta - pois soube, num sábado à tarde após mais uma dose de dois filmes, à saída do Éden, que o exame da segunda época, de Cálculo Comercial, tinha sido nessa manhã... O aviso surgira, "à queima roupa", na tarde da véspera (sexta feira).
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Nunca gostei de Matemática (o odioso professor que tive de gramar, que dava uma aula de matéria no início de cada mês e depois fazia sucessivas sessões de revisão da matéria dada, criou terrores de filme)e o incidente fílmico adensou ainda mais o asco, repartido em partes iguais pela matéria e pelo "barrote queimado", alcunha que a criatura tinha...mas isso dava matéria para um filme, talvez de animação.
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A infelicidade que este episódio me trouxe, foi ter de repetir todas as cadeiras, dado que esse chumbo marcou-me para sempre, pois tive de suportar uma turma de repetentes, que soltavam pássaros nas aulas, abriam malas de viagem encontradas no lixo e diziam palavrões às professoras mais frágeis e a um professor que pelos seus ademanes parecia ser homossexual, fazendo lembrar a malta de "To Sir With Love", com um Sidney Poitier mais baixo e anafado e a anos luz de distância do actor, a nível de simpatia.Lamentavelmente, não havia Lulu, pois nesse tempo as raparigas e os rapazes nas escolas fascistas não se misturavam, não havia turmas mistas.
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O cinema de Odeceixe também teve uma estória que merece ser contada. Um dia a mãe do Cláudio (que é hoje o afável proprietário da Residencial do Parque) meteu-o na camioneta da carreira e o puto saiu do seu monte alentejano e foi conhecer o pai naquele começo do Algarve, onde o Alentejo ainda se espreguiça.Ficou a ajudá-lo a passar filmes, como no filme do velho Alfredo (Philipe Noiret, que também foi o poeta chileno no Carteiro de Pablo Neruda). Trauteio a música lindíssima deste filme e revejo mentalmente a sequência final dos beijos censurados, constatando o quanto existe de cinema nas nossas vidas de cidadãos destes prodigiosos séculos.
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Por falar em O carteiro de Pablo Neruda, de 1994, aqui fica a imagem de uma sereia, Beatrice/Maria Grazia Cucinotta, e do desajeitado Mario, interpretado de forma absolutamente inesquecível pelo malogrado Massimo Troisi (1953-1994).

5 comentários:

  1. Oh Santiago, fiquei sem jeito...palavra, não esperava esta surpresa, escrevi o texto ao correr do teclado, alinhavando memórias.
    O seu texto é que teve o mérito de despoletar o que escrevi.
    Obrigado de qualquer maneira pelo projector, que iluminou palavras destinadas apenas a comentar mais um belo post (sem salamaleques)...
    Abraço
    Luís

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  2. Amigo
    Peço que me corrija: Dinis Machado obviamente e não Domingos.
    Obrigado
    Luís

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  3. Se o anónimo dos insultos soubesse escrever duas linhas "ao correr do teclado" provavelmente o Santiago não lhe tinha dedicado um post :))
    Mas há pessoas que sabem, é o caso do Luis. Aproveito para lhe dar os parabéns pelos "Cadernos de Areia", gostei imenso.

    Cumprimentos

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  4. Um dos filmes mais tocantes dos últimos anos. Está na lista dos meus preferidos: pela simplicidade, pelas poesia, pelas metáforas, pela música, pela amizade, pelos ideais, pela veracidade da interpretação de Massimo Troici ... Simplesmente comovente.

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