Os projectos foram aguardados com expectativa. Tratava-se, nem mais nem menos, da renovação do Martim Moniz e da sua revitalização. No Martim Moniz desses tempos (final da década de 70 havia um largo vazio, o Teatro Ad-Hoc (para revistas "de esquerda"), a igreja e o Salão Lisboa, que passava cobóiadas e era popularmente conhecido como o Salão Piolho.
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Houve concurso e ganhou um projecto do ateliê Carlos Duarte/José Lamas (seriam, anos mais tarde, os autores do primeiro Plano de Salvaguarda do Centro Histórico de Moura). O projecto previa um Centro Comercial, uma praça renovada, mas sobretudo, e espero não me estar a enganar e a confundir a proposta vencedora com outra, criar naquela zona de Lisboa uma pequena rive gauche. O Martim Moniz estaria fadado para a criação, os espaços de encontro de intelectuais e, bem entendido, para a fruição (palavra horrorosa!).
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O que aconteceu depois é uma história divertida e, aqui sem ironia, bem interessante. Os lisboetas não aderiram aqueles espaços e a proximidade da Mouraria fez com que outros protagonistas assumissem um papel de destaque no Martim Moniz. O centro comercial rapidamente foi conquistado por comerciantes africanos e orientais. Cheiros, sabores e tecidos do Senegal, do Paquistão e da China reinam hoje às portas da Mouraria. É um multiculturalismo modesto mas estimulante. Os portugueses vivem à margem do fenómeno. Por diversas vezes atravessei o centro comercial sem me cruzar com nenhum branco. Alguém me perguntou "não tens medo de ir ali?". A pergunta não mereceu resposta.
. O Martim Moniz (em cima) e duas imagens do documentário Lisboetas
Quém és tu? O que fazes aqui? A pergunta surgia nos cartazes do filme Lisboetas, de Sérgio Tréfaut (n. 1965). O documentário, de 2004, é uma peça de rara e comovente beleza. Fala-nos desses novos lisboetas, os que chegaram das mais variadas partes do mundo e dão vida e cor e alma à cidade. Lisboetas tem sensibilidade e audácia, está montado com a fibra que um documetário deve ter e conta-nos parte da história de uma Lisboa que desconhecemos, mas que existe.
Sérgio Tréfaut tem ligações à cidade de Moura, terra natal do seu pai, intelectual de grande craveira e meu amigo e camarada.
Infelizmente uma zona que está bem arranjada mas muito mal aproveitada. Por todo o lado existe um cheiro a "mijum" intenso que consegue tirar-me a vontade de beber uma imperial, mesmo nas calorosas tardes de Verão (acho que não são esses cheiros que o caro Santiago se refere. Os edificios lá construidos, nomeadamente os centros comerciais, estão desenquadrados com toda a área circundante. Claro, isto é a minha opinão!
ResponderEliminarNa verdade, são dois, os centros comerciais, os do Martim Moniz e o da Mouraria.
ResponderEliminarE o mais interessante dos dois é, sem dúvida, o Centro Comercial da Mouraria (CCM) - uma arquitectura de gosto mais que duvidoso esconde dentro um autêntico formigueiro de gente, gente que a todos os minutos entra e sai de lojas, desce e sobe as escadas, abre e fecha as portas, carrega e descarrega os sacos e os pacotes, uma autêntica mole humana, multicolorida multiracial, formigas e cigarras em plena actividade de aforramento outonal.
Ciganas, indianos, chineses, paquistaneses, guineenses, homens e mulheres de todas as cores e línguas cruzam-se e entrecruzam-se, por dentro e por fora, num corrupio que não cessa nunca. Nos corredores escuros e por entre as últimas novidades em plástico friável de Sichuan, chinesas adolescentes vigiam bebés de colo que dormem tranquilos à sombra do Guanxi da comunidade. Lá fora grupos de seus conterrâneos de idade indefinida jogam mahjong em silêncio, apostando forte e feio, os dedos amarelados de tabaco empurrando as peças com determinação.
No meio do bruáá da multidão passam por muitas mãos sacos e sacos de plástico preto, aqui e ali entrevê-se a roupa a granel, os electrodomésticos made in China e o demais outro brique-a-braque destinado a ser vendido nas esquinas e nas calçadas da cidade europeia, oferecido ao passante por outros ciganos, indianos, chineses, paquistaneses e guineenses, todos com um olho no potencial cliente e outro na hipotética patrulha da Policia Municipal, quiçá a cavalo na sua Segway, para melhor ser avistada à distância.
O CCM é o Colombo dos emigrantes em terras olisiponenses. É onde se vende e compra o telemóvel roubado aos estudantes incautos, é onde se adquirem os bilhetes de avião mais em conta para Luanda ou para o Sal, é onde se encontra a agência de viagens especializada em fazer o transfer para o espaço Schengen dos parentes mais ou menos afastados que ainda permanecem em Guang Zhou, é a loja onde se pode ouvir o último CD de kuduro directamente importado do musseque, enquanto se desfrisa e estica o cabelo nos cabeleireiros afro; o CCM é, também, o local indicado para se comprar aqueles condimentos indianos e as cervejas chinesas que não se encontram em mais outro lugar qualquer - algo a evitar fazer por curiosos, já que nestes supermercados chineses ou indianos os empregados não falam uma palavra de português e os rótulos dos produtos estão todos nas línguas originais (e falando em comeres: desde que se tenha estômago para tal, nada como provar a comida chinesa mais característica de Portugal, servida pelo quiosque em frente ao CCM. As iguarias que por lá são confeccionadas à maneira tradicional são as mais similares àquilo que se consome realmente hoje em dia na República Popular da China e nada têm a ver com a comida sensaborona que é servida para português comer nos restaurantes chineses que ainda por aí sobrevivem...)
A propósito das diversas etnias e povos que vivem por perto do Martim Moniz, a CMLisboa promove este fim de semana, lá e na Mouraria, as Caminhadas de Cultura para criar um espaço e um tempo em que possam partilharas expressões das suas culturas próprias.
ResponderEliminarCito "Vestir um sari, cortar o cabelo num cabeleireiro chinês ou africano, calibrar os pneus do carro a preços convidativos ou dançar como em Bollywood serão apenas algumas das actividades possíveis entre 10 e 13 de Setembro, em Lisboa"
Ver mais em http://www.guiadacidade.pt/portugal/?G=artigos.index&artid=21282&distritoid=11.
Promete.
Abraço
MEG
O Alexandre tem razão. São dois centros comerciais. O da Mouraria é mais intenso e o resultado, em termos de arquitectura, é mesmo mais que duvidoso...
ResponderEliminarObrigado à Eugénia pela informação.