terça-feira, 11 de janeiro de 2011

TUNÍSIA I: EL KEF

Estacámos à porta da cervejaria, pois disso se tratava. Dezenas de homens enchiam por completo o espaço. Sobre as mesas, que eram muitas, espalhavam-se centenas de minis. O barulho era ensurdecedor. Fomos conduzidos à única mesa disponível, ainda espantados e aturdidos. Bebemos uma cerveja rapidamente, antes de tomarmos o caminho da rua, antes que o som nos derrotasse. O bar continuou cheio pela noite dentro. Alguns dos frequentadores acusavam já o peso das libações, quando lá voltámos a passar.
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"Imaginavas uma coisa destas?", perguntou-me o António Cunha. Claro que não imaginava. Quem diabo poderia imaginar que em El Kef, a pouco mais de 20 km. com a Argélia, iríamos encontrar um tal antro de perdição. Mais do que o consumo livre do álcool o que mais surpreendeu foi o ar de descontracção dos frequentadores. Ali, não havia repressão religiosa ou social que valesse.
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Tempos depois perguntei a um amigo tunisino o que explicava aquilo. Sorriu e explicou que a região de El Kef era especial. Porquê? Por causa dos tumultos e protestos populares ocorridos anos antes. Desde então, uma inusitada tolerância reinava na região. Um jogo de compensações? Sem dúvida.
Cidade orgulhosa, antiga capital, em território de montanha, o espírito de El Kef vai bem com a paisagem agreste.
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Ao ler, nos últimos dias, as notícias da Tunísia, constatei, sem grande surpresa, que a rebelião estalara no limite ocidental do país, em Kasserine e em Thala, perto de El Kef.
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Um amigo tunisino lamentava que os países europeus voltassem as costas a este problema. Em política, nem sempre o que parece é. E a displicência ocidental é a tradução do apoio não explícito a um status quo que lhe é mais conveniente que qualquer deriva islamita. É uma aposta arriscada e que uma juventude flagelada pelo desemprego não entenderá. Ou os bares ou as mesquitas irão encher-se, em El Kef.
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El Kef (a antiga Sicca Veneria) numa gravura de finais do século XIX

5 comentários:

  1. Conheço El Kef. Foi a primeira localidade da Tunísia, a seguir a Tunis, que visitei no já distante Agosto de 1991.
    Ali, senti a passagem do tempo, entre colunas, mesquitas e um horizonte de cereais, povoado de andorinhas, com cânticos de muézzine a rasgar o silêncio da tarde quente.
    Comi couscous, com a família de Makrem e nunca vou esquecer a fantástica experiência para os sentidos, que foi percorrer as suas ruas de noite e de dia, fumando chicha em Sidi Bou Maklef.
    Salam Aleikoum!

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  2. Não deixo te referir a todos que "conheço" as manifestações diárias em Rabat por parte de estudantes licenciados que não arranjam emprego, em frente ao parlamento . Há sempre feridos e a comitiva de segurança mostra-se agressiva e bem equipada para meter medo. Não se nota a presença de órgãos de comunicação social e fica-se com a certeza que em outras cidades marroquinas nada se sabe destes protestos.
    A única câmara de filmar presente é do dispositivo de defesa que tenta filmar os manifestantes e observadores para os identificar.
    No primeiro dia e numa única hora em que estive presente os feridos foram 4 e apareceram duas ambulâncias.
    É de salientar, igualmente, que alguns dos manifestantes já levavam com eles gaze para feridas.
    O que mais me marcou foi que não havia medo de lutar pelos seus direitos, coisa que aqui tanto falta.

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  3. Em 2004 visitei a Tunisia. Foi a primeira vez que vi uma ditadura tão explícita e que me chocou todo o controlo/intimidação policial.
    Há poucos dias noutro país do Magreb vi as manifestações já aqui referidas pela mesma base popular (jovens licenciados desempregados). Tenho amigos Berberes na Argélia que me contam o que é ser Kabilye e ao mesmo tempo da força que têm os fundamentalistas na Argélia.

    Não consigo ter uma opinião formada. Sou avesso a toda a forma de repressão (seja estatal seja social). Mas de facto sou levado a acreditar que os fundamentalistas religiosos a dominarem um território e as mentalidades surgem na última linha.
    Oxalá não se adivinhem tempos muito complicados para o Magreb. A relação entre os acontecimentos da Tunísia e a capital marroquina há duas semanas atrás são para mim arrepiantes.

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  4. Apesar de não haver ecos no sul do que se passa em Rabat (3 manifestações em 3 dias consecutivos não me parecem um fenómeno isolado), há cerca de dois meses em Marraquexe na Universidade Cadi Ayyad os protestos estudantis eram frequentes todas a semanas. Alguns colegas quiseram-me convencer que os alunos reivindicavam melhores condições no ensino. Não duvido que essa fosse a Luta, porém um colega sarauí confirmou-me que se continua a exigir a libertação de colegas sarauís nas revoltas que ocorreram há 3 anos naquela mesma universidade e das quais resultaram vários feridos e presos depois de uma noite de duros confrontos com a policia.

    Vide:

    http://www.algerie-dz.com/forums/archive/index.php/t-82561.html

    P.S.: paralelamente também os jornalistas neste momento continuam impedidos de ir ao Sahara Ocidental depois dos motins de Outubro passado em El Aiún.

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  5. Merda....

    http://www.publico.pt/Mundo/egipcio-ferido-gravemente-ao-imolarse-em-frente-ao-parlamento_1475655

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