"O menino da sua mãe"
No plaino abandonado
Que a morta brisa aquece,
De balas traspassado
- Duas, de lado a lado -,
Jaz morto, e arrefece.
Raia-lhe a farda o sangue.
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.
Tão jovem! Que jovem era!
(Agora que idade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
"O menino da sua mãe".
Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lhe a mãe. Está inteira
E boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.
De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço... Deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.
Lá longe, em casa, há a prece:
"Que volte cedo, e bem!"
(Malhas que o Império tece!)
Jaz morto, e apodrece,
O menino da sua mãe.
Nesta peregrinação pelo corpo - quase só feminino - alguém me disse "falta o ventre". Não o ventre num sentido estritamente sensual, mas o ventre materno. Admitamos que sim. Daí também o sentido da imagem e das palavras. O retrato da mulher grávida (La donna gravida) foi pintado por Rafael por volta de 1505. Está hoje no Palazzo Pitti. A este tema, pouco habitual na época, juntam-se a palavras de Fernando Pessoa. Que nos trazem uma imagem a posteriori. Do tempo que não regressa e da esperança perdida.
Ver:
http://www.uffizi.firenze.it/palazzopitti/
A primeira vez que li este poema (não aqui, já era meu conhecido), enquanto mãe, fiquei com um nó na garganta. É, para mim, de uma crueza sem limites. Só um excelente poeta para colocar com tamanha precisão esse castigo terrível de uma mãe nas palavras.
ResponderEliminarNo entanto, também enquanto mãe, acho o post tão cru quanto as palavras do poeta: uma mulher de ventre cheio receia desde o primeiro minuto até ao seu último suspiro tal desfecho. E não gostaria de ver o seu ventre acompanhado pelo "menino de sua mãe".
Talvez por isso, tal como o poema, seja um bom post.
Talvez por isso também, esta leitora do blog, não goste da conjugação quadro/poema.