quarta-feira, 19 de outubro de 2011

FASHION

O texto que segue nada tem a ver com o evento da passada semana. É uma crónica publicada no jornal "A Planície" do passado dia 1 de outubro, com o título Moura and Mértola Fashion. Problemas com a roupa, sem solução à vista:




Temos, todos nós, características de comportamento ou pequenos tiques que se vão agravando, ou tornando mais visíveis, com o passar dos anos. Um dos meus tem a ver com a roupa. Não me refiro ao gosto pelas camisas africanas, que muitos amigos consideram discutível, ou coisa que o valha. É que, pura e simplesmente, gastar fortunas com roupa me parece algo muito próximo do absurdo. E levar horas a escolher fatiotas – camisas africanas à parte – é um desperdício total, grotesco mesmo.


O meu problema com a roupa é antigo. Nunca liguei grande coisa ao assunto. Comprava camisas por atacado (três ou quatro camisas brancas, na mesma loja, em rápida transação), fazendo o mesmo com camisolas ou calças. Depois esquecia-me do assunto e vestia a roupa até estar quase no fio. Para minha suprema indignação, houve sempre alguém a fazer desaparecer as camisolas preferidas porque “já não estão que se vistam”. Uma frase misteriosa e cuja dimensão nunca entendi.


O tema do “tens de comprar roupa” assola-me com regularidade. Com o tempo aprendi a deixar-me arrastar para um centro comercial, desligando do universo durante um par de horas. Acho que isso pesará um dia na balança, e para compensar outras coisas, quando chegar a hora de enfrentar o Criador.


Momentos verdadeiramente dramáticos ocorrem no verão, quando têm início as escavações arqueológicas. Sistematicamente, e por mais que me esforce, levo sempre para o castelo as calças mais novas, às vezes ainda por estrear. Uma desesperada Isabel tentou, ao longo de 25 anos, que distinguisse a “roupa nova” da “roupa velha”. Nada. Zero. Fracasso total. Numa ocasião, e não tenho a certeza que ainda assim seja, reservou o lado esquerdo do roupeiro para um setor e o direito para o outro. Ao regressar a casa e ao ouvir “comprámos essas calças na semana passada” dei-me conta que trocara os lados do roupeiro. Um insucesso total, agravado pela destrutiva resina dos pinheiros de Mértola. A inversa também é verdadeira. Fui para uma cerimónia oficial com um “pull-over” azul que me pareceu giríssimo. Quando regressei ouvi outra frase misteriosa, pronunciada em tom angustiado “isso é para andares em casa! a camisola está toda passajada! o que é que as pessoas terão dito…”. Mirei a peça de roupa com toda a atenção. Não vi nada de errado. Não tenho a certeza sobre o que quer dizer “passajado”, não quis averiguar e continuei a achar o “pull-over” giríssimo. Pelo sim, pelo não, coloquei-o de parte, embora não possa jurar que, um dia destes, não volte a usá-lo.


As escavações arqueológicas no castelo de Moura cumprem este ano a sua nona temporada. Depois de muitos pares de calças arruinados e muitas camisas aniquiladas começamos a ter dados seguros para interpretar a evolução do sítio entre os séculos XII e XX. O esforço compensou e já merecíamos mais que uma estéril remoção de entulhos. Começo a desconfiar, bem entendido e naquilo que me sobra da “mentalidade mágica”, que há uma ligação estreita entre o uso intenso da roupa, a sua destruição e a investigação científica. Um ponto de vista que, para minha tristeza, não é partilhado por mais ninguém lá em casa.



O autor do blogue, durante a campanha para as Autárquicas/2009


(fotografia: António José Martins)

16 comentários:

  1. Nem seria de esperar outra coisa de um Indiana Jones !

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  2. ...um Indiana Jones tem outras coisas em que pensar...senao nao é um Indiana Jones mas um Great Gatsby !

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  3. Hum! Gosto muito da camisa!?
    Um dos melhores exemplares do país!

    Mas, para quando os seus livros??
    Sim, porque toda a memória tem um fim!

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  4. Um momento de boa disposição logo pela manhã.
    O texto está muito engraçado :)

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  5. Bela prosa; sinal de que é possível escrever bem sobre "quase nada".
    MB

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  6. Bem...
    A camisinha do Burkina Faso tá o máximo!!

    LA

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  7. Senegal. Comprada numa feira de artesanato.

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  8. Caro SM, eu não critico as camisas "africanas" nem as considero feias mas que o gosto é duvidoso e que elas são feias, são sim senhora!

    Mas aparte isso: tenho experiências muitos similiares quanto à roupa: a que fica bem para andar em casa, a que é boa para ir a cerimónias, a que serve para levar para o trabalho e aquela que nem para uma coisa nem para outra, só serve para rodilha de limpar o pó.

    Infelizmente a minha cara metade não critica só a roupa que eu visto como critica a roupa que escolho em raras ocasiões para a minha filha de 7 anos!!! Ou porque as calças são para 5 anos, ou então a saia não fica bem com a camisa ou então questiona-me se "essa roupa não será um pouco fresca (ou quente, conforme a época do ano) para ela?"

    Como te compreendo, SM!

    Abraços,
    AMC

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  9. "Caro SM, eu não critico as camisas "africanas" nem as considero feias mas que o gosto é duvidoso e que elas são feias, são sim senhora!"

    Mai nada!

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  10. A mais gira de todas é a verde!!

    LA

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  11. Ena!!! LOL X 7!!!

    O LA a comentar as camisinhas!!!

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  12. Ah,Ah,Ah,Ah! Olha quem fala!!Desculpe. LOL X 8.
    (Para o anónimo das 15.29)

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  13. Malgré lui?? Non, seulement lui pour y faire, n'est pas? Lol X 9!!

    LA

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