A
Júlia foi viver para França há 20 anos. Os nomes próprios dela são Júlia de
Fátima. De Fátima é uma desgraça. Uma prova clara de que os padrinhos não
tinham piedade nem complacência na hora da escolha. A questão é que, como toda
a gente sabe, o “De” em França está reservado, estritamente, a membros da
nobreza. Tal como o “Von”, na Alemanha: Valéry Giscard d’Estaing ou Herbert von
Karajan, por exemplo.
O
engraçado disto é que a Júlia foi, por várias vezes, questionada sobre a origem
nobre da família. Lá explicava que não, que é 100% plebeia, mas a conversa
soava de forma esotérica aos franceses. Ainda hoje, de tempos a tempos, a
confusão emerge.
Vem
isto a propósito da mania recente de acrescentar o “De” ao apelido, numa
espécie de “upgrade” antroponímico. Se a subida de classe não se faz de outro
modo, que se faça assim. A inflação dos “De” tornou-se notória e tem tanto de
visível quanto de ridícula. Sublinho que o “Do” e o “Da” não contam. São do
povo.
Acrescentar
o “De” ao nome pode ser uma tentação com resultados trágicos. Nem sempre dá
estilo. De Mendes ou De Dias não soa nada bem. Ao contrário, De Vasconcellos ou
De Mello, com consoante dobrada, são ótimas soluções. Já o tentar inventar um
Santiago De Macias não dá jeito nenhum. Soa a cantor de flamenco ou a
bandarilheiro. Não se lhe associa a ideia de promoção social. De Soto é bom,
mas está reservado a carros.
Refinado
mesmo é ter o De no nome e não o usar. Um amigo meu, que é marquês, de título e
não de nome, não usa o título nem o De no seu extensíssimo nome. Isso sim, é
“chique a valer”, como diria o Dâmaso Salcede do imortal Eça.
A
conquista do nome de família é
relativamente recente. É um elemento de identidade importante, mais ainda num
Alentejo quase tribalizado, e onde os apelidos denunciam, com frequência, uma
origem geográfica precisa. Chega? Para muitos não chega, claro. É preciso mais.
É necessário um “De” que azule o sangue e faça aproximação a passados
prestigiosos e de grandes feitos. A dias gloriosos, ainda que ficcionados e totalmente
inexistentes. Tanto quanto as partículas de nobreza inventadas. As quais são,
por isso mesmo, muito mais divertidas.
Quem nos vale, nestes tempos de dificuldade são os que, voluntaria
ou involuntariamente, nos ajudam a descomprimir dias que vão sendo penosos.
Nunca lhes agradeceremos em condições o esforço que fazem e que tanto nos
alivia.
Crónica publicada no jornal A Planície de 1.2.2012
Louis Auguste de France
Usava o De mas isso não o ajudou lá muito.
Sem nenhuma pretensão,os primeiros Rezende de Minas Gerais eram "de Rezende"(s ou z, tanto faz).As familias eram enormes. Com o casamento, as filhas perderam o "de"(ainda bem). Meu nome ficou assim: Lucrécia Rezende Gomes.Ficaria horrível se tivesse "de". Mas há um nome que eu acho muito bonito e não sei porque me lembra chocolate com licor de menta: Augusto.
ResponderEliminarÉ o "d'Estaing" meu caro amigo, é o "d'Estaing"...
ResponderEliminarEt le comble...meu caro é que para além de um DE sem qualquer valor no mercado francês : )) casou-se essa rapariga com um Valet que perdeu o duplo "L" por erro no registo civil quando o avô do marido foi registado !
Uma desgraça nunca vem so !!! : )))
Um "de" no meu apelido ficaria extramamente piroso. As elites e os pseudo aspirantes a elas que lhes faça bom proveito.
ResponderEliminarO Santiago continua a dar-lhe no ponto! Tendo em conta que estas pancadas são cíclicas, por exemplo, a seguir à revolução de Abril ninguém tinha coragem de assumir os De e restantes acrescentos, havendo até quem os escondesse. De há vinte anos para cá tudo quanto é alpinista social (para onde sobem nunca percebi) começou a inventar epítetos como forma de promoção, acontecendo geralmente como o exemplo que dá (não servir de nada). Ora no momento em que se assiste ao renascimento da classe dos Queques sem recheio e dos Betos sem Herdade, é fundamental que se perceba os ridículos a que estes patos bravos se propõem. Mais uma vez muito bem Santiago!
ResponderEliminarPois eu nem quero imaginar como ficaria o "De" com o meu apelido!!!!
ResponderEliminarEncantadíssima senhora, a mim Augusto lembra-me mais o louro :))))
ResponderEliminarTenho a certeza que um nome pode mudar um destino...
ResponderEliminarSoube através de familiares que essa Julia a que você faz referência teve para se chamar Natalia. Imagine caro Santiago :
Natalia de Fatima !!!!
Tenho a certeza que hoje a moça nao estaria em França, mas seria certamente fadista no Bairro Alto : ))
Costumo associar nomes a alguma coisa de que gosto. Pode ser a um doce ou a um perfume. São manias que adquirimos e o tempo parece reforçar. Recife me lembra perfume de alfazema. Augusto, chocolate c/licor de menta... É isso.
ResponderEliminaré verdade o que escreve, recordo-me dessas cenas em França quando questionavam os de's dos emigrantes!
ResponderEliminarainda também estranhos eram os nomes que seguiam depois do de Maria, ainda bem que esse estava là, porque tínhamos Purificação, Dores, Rosário,
em Portugal com alguma consonância sentimental, mas em França impossível para traduzir e até para pronunciar
recordo-me que havia raparigas espanholas igualmente com nomes difíceis de usar: Consuelo, Visitación, etc...
; )
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