A história é verídica e aconteceu há muitos anos. Naquele tempo,
comecemos assim, que a narrativa merece, ainda não havia SIADAP nem a
quantidade de estúpidos e inúteis relatórios e formulários que hoje temos de
preencher. Mas a ameaça começava a esboçar-se.
Foi o que aconteceu naquele serviço. Chegou um jovem chefe. Vinha
carregado de fórmulas e de gráficos. A rentabilidade, a ra-cio-na-li-za-ção,
palavras assim. Achou que estava na ordem de organizar as coisas, de
estabelecer hierarquias, de arrumar as peças e de dar um toque europeu e
ocidental aquele setor de barbas por fazer e palitos ao canto da boca. Olhou em
volta e escolheu o motorista mais antigo e mais credenciado. Arvorou-o em chefe
do parque de máquinas ou coisa parecida. A partir daquele momento seria ele, o
mais antigo e o mais credenciado, a reportar perante si próprio. Com um
relatório. De forma moderna e europeia.
Durante uma semana, o serviço
correu como sempre. Carros que saíam, carros que entravam, reparações,
problemas a resolver, problemas que se resolviam.
Ao fim de uma semana, chegou o grande momento. Era necessário
entregar o relatório. O tal relatório que poria o serviço, outrora antiquado e
de palito ao canto na boca, no limiar da modernidade e do progresso. O
motorista, o mais antigo e credenciado, estendeu ao novo chefe uma folha, onde
estava o relatório, relatando o que devia ser relatado. O chefe olhou o papel e
empalideceu. Eu não assisti e não posso jurar, mas acho que empalideceu. O
relatório, o tal que iria lançar aquele setor na senda de uma germânica
eficiência dizia apenas “ESTÁ TUDO NORMAL”. Claro ! Se estava tudo a correr bem
e nada havia a dizer, que raio deveria ele escrever? O motorista mais antigo
não sabia que a isso se chama “gestão por exceção”, mas o jovem chefe aprendeu
depressa e desistiu dos relatórios e permitiu que o serviço voltasse ao velho e
eficiente ritmo. Como aquele treinador de Beja que, ante o mau desempenho da
equipa, declarou no intervalo “na segunda parte não há tática nem meia tática;
ou seja, na defesa porrada, na avançada rematar às redes”. Os relatórios são
necessários? São. A organização também. Mas nada pior do que querer impor
esquemas de funcionamento rígidos e seguindo manuais e receitas.
O motorista está, há muito, reformado. Ainda no outro dia me cruzei com ele numa rua de Moura. Não lhe falei nesta história, com a qual três pessoas muito aprenderam: ele, o chefe dele e eu próprio.
Relator da era pré-computador recebendo a visita de um comissão de acompanhamento
Crónica publicada no jornal "A Planície" - 1.julho.2012
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