Recebi, esta manhã, um mail, onde me perguntavam opinião sobre Ramalho Eanes, antigo Presidente da República.
Em 1980 ainda não era eleitor e não pude votar em Eanes para Presidente. Tenho dele uma imagem da maior integridade e de um sentido de serviço à causa pública que não tem par na maioria dos governantes atuais. O seu ar esfíngico marcou uma época na presidência. O estilo marcial, primeiro estranhou-se, depois entranhou-se. É, seguramente, um dos homens públicos mais respeitados em Portugal.
Fui protagonista de um pequeno episódio ocorrido com Ramalho Eanes, em 1984 ou 1985, na Faculdade de Letras de Lisboa. Havia uma qualquer comemoração, a que o Presidente iria assistir. Acompanhavam-no o Ministro da Cultura, António Coimbra Martins, e o da Educação, José Augusto Seabra. Os estudantes do Superior tinham uma especial embirração por Seabra. Naquele tempo, as cantinas estavam num estado miserável e a comida era absolutamente intragável. Resolvemos, na direção da associação de estudantes, chatear o ministro. Como era impossível furar a barreira de segurança, alguém (tenho ideia que ou o Carlos Almeida ou eu próprio) sugeriu que convidássemos o ministro para almoçar através de uma pancarta gigante. Se bem o pensámos, melhor o fizémos. Já a sessão decorria, no anfiteatro 1, quando entrámos silenciosamente com uma monumental folha em papel de cenário, onde se lia "A Associação de Estudantes convida o Sr. Ministro para almoçar". Eanes, sentado no palco, fulminou-nos com o olhar e ficou (ainda mais) hirto.
À saída repetimos a gracinha. Corremos para o átrio e esperámos a passagem da comitiva. Seabra, de ar azedo, escapuliu-se, porta fora. Eanes, seriíssimo, caminhou na minha direção (tinha o azar de ser o mais alto no grupo...). Pensei, confesso que pensei, "vou levar uma rabecada em público". O Presidente parou à minha frente e perguntou-me, no seu tom inconfundível: "Posso perguntar-lhe porque é que convidou o sr. ministro para almoçar e a mim não?". Ante o meu ar estupefacto - conseguiu emudecer-me - sorriu e continuou o seu caminho. Seguia-o um divertido Ministro da Cultura.
Uma pequena história? Decerto. Mas o estilo das pessoas avalia-se, e muito, pelas pequenas histórias.
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