Naquela tarde de 19 de novembro de 1978 houve festa na Luz. O Benfica goleou o Sporting por 5 a 0 (resultado feito na primeira parte). O Presidente da República assistiu ao jogo. Nessa mesma tarde, a APU quebrava um impasse político na Câmara de Évora e conquistava a maioria absoluta numa eleição intercalar. Título de A Bola no dia seguinte: Tarde Vermelha com Eanes a assistir. Autor da "brincadeira": o jornalista Carlos Pinhão.
Comentei o facto a Carlos Pinhão quando o conheci, em 1982 ou 1983. Ficou surpreendido e agradado por me recordar do título, passado tanto tempo. A minha missão era simples. Indicar, a pedido do Rafael Rodrigues, o caminho para Moura a Carlos Pinhão e a Batista-Bastos, e acompanhá-los ao longo desses dias. Cheguei cedo à casa de Carlos Pinhão. Fui surpreendido, depois de o cumprimentar formalmente, com a exigência de nos tratarmos por tu. O que me deixou muito pouco à vontade. Depois, mais espantado fiquei quando me perguntou, com ar preocupado, "achas que o Batista-Bastos conduz bem?". Nunca tinha visto o Batista-Bastos na vida e não fazia a mínima ideia, mas achei piada ao tom juvenil da pergunta. Para quebrar o gelo, resolvi elogiar um livro de Carlos Pinhão. Ele ouviu e depois disse "acho bem que gostes desse livro, mas não é meu, é do Castrim". Corei até ao tom púrpura, mas ele resolveu o assunto com um "deixa lá, já dei barracas piores".
Foi o começo de um fim de semana absolutamente inesquecível. Que só fez para aumentar a enorme admiração que tinha pelo trabalho jornalístico de Carlos Pinhão e pela verticalidade da sua postura cívica. Contou imensas histórias - sobre os problemas da Bola no PREC, sobre as visitas à URSS, sobre a forma de trabalhar na redação -, com elegância, graça e calma. O que me pareceu decisivo nesse contacto com Carlos Pinhão foi o seu domínio do métier (nessa altura eu ainda queria ser jornalista), a sua enorme cultura e a sua capacidade em ouvir e em registar. O que ía a par com um modéstia e uma simplicidade verdadeiramente tocantes.
Voltei a encontrá-lo mais umas duas ou três vezes. Sempre simpático e descontraído. Sempre a escrever com leveza e humor. À despedida dizia sempre "vê lá se apareces lá em casa; tens o número, é só telefonares". Ficava envergonhadíssimo, dizia que sim e, claro, nunca telefonei. Continuei apenas a lê-lo, regularmente e com uma admiração crescente.
Carlos Pinhão partiu cedo demais, faz hoje vinte anos. É uma daquelas pessoas que, por uma razão ou por outra, recordo com regularidade.
eEra no tempo em que estavam apostados na promoção cultural, em particular no interior, ao qual se deslocavam com enorme vontade de participar e de se aproximar dos leitores e da população. Não eram deuses e andavam na terra
ResponderEliminarÉ mesmo, Rafael. O teu comentário vem mesmo a propósito. Homens entusiastas como o Pinhão fazem tanta falta!
ResponderEliminar