Há muitos anos
que não sei o que é feito de si. Nas últimas semanas tenho-me lembrado de si,
da sua miúda, que nesta altura já estará uma mulher, e da sua casa, na aldeia
de as-Srouje. As notícias das bombas que caem sobre Alepo e sobre Damasco não
deixam espaço às aldeias do deserto da Síria, como a sua. Talvez tenha tido
sorte, oxalá que sim, e a casa esteja intacta e você esteja de boa saúde.
Recordo
muitas vezes aquela tarde passada na sua casa. Lá fora estava um calor
abrasador e você, sem me conhecer de lado nenhum, convidou-me a passar para
dentro e proteger-me do calor. A casa, em terra e com a forma de um pão de
açúcar, estava fresca e recordo-me de você ter insistido para eu não me
descalçar. E de ter ficado satisfeito com o facto de eu me ter mesmo descalçado
e de ter deixado as botas à porta, seguindo o hábito da região. Penso muitas
vezes nesses momentos, no silêncio da sua aldeia e na sensação de se estar no
fim do mundo, por entre o calor e a nudez quase total da paisagem, na estrada
entre Palmyra e Damasco. Parte da sua vida tinha sido passada na emigração, no
Dubai. O tempo suficiente para regressar a as-Srouje, fazer obras na casa,
comprar 50 ovelhas e umas oliveiras. A procura de criar uma vida melhor, nem
mais nem menos do que fazem os meus patrícios que andam pela Suiça e pela
França. Oxalá que a guerra não tocado a sua aldeia, que não lhe tenha levado a
casa nem as ovelhas nem, sobretudo, a sua família.
Recordo
o seu sorriso indulgente quando lhe perguntei se podia fazer fotografias. E, depois,
de ter dito à sua filhinha para ir colocar um lenço na cabeça. Foi esse momento
que captei e que deu uma das melhores fotografias que fiz nesse périplo
oriental. Perguntei mais tarde para onde poderia enviar as fotos. Deu-me a
morada de um hotel em Hama, dizendo-me que passava lá de tempos a tempos.
Espero que a encomenda tenha chegado.
Hama,
Homs, Alepo, Damasco soçobraram à onda de fogo. Do que se passa no Curdistão ou
nas aldeias drusas sabe-se menos. Duvido que você tenha mail, Brahim, e por isso
é menos que provável que algum dia voltemos a falar e que eu saiba o que se
passou nesses sítios mais remotos. Mantenho a ténue ilusão que a paz chegará,
mas duvido que algum dia possa voltar a as-Srouje. Depois da guerra, virão os
radicais religiosos, travestidos de salvadores e as armas continuarão a falar
mais alto. Nessa altura já será tarde, e outras sírias terão tomado o lugar
principal nos telejornais.
Caro
Brahim, os tempos não estão risonhos. No ocidente as coisas vão mal. No
oriente, ainda vão pior. Diz-se que a esperança é a última coisa a morrer.
Assim seja.
Receba, neste começo de 2013 e aqui deste
lado do Mediterrâneo, um abraço do Santiago Macias
Crónica publicada no jornal "A Planície" (Moura) de dia 1.1.2013
muito bonito santiago,que coração.abraço sotero
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