sábado, 5 de janeiro de 2013

CARO BRAHIM ABU RADWAN

Há muitos anos que não sei o que é feito de si. Nas últimas semanas tenho-me lembrado de si, da sua miúda, que nesta altura já estará uma mulher, e da sua casa, na aldeia de as-Srouje. As notícias das bombas que caem sobre Alepo e sobre Damasco não deixam espaço às aldeias do deserto da Síria, como a sua. Talvez tenha tido sorte, oxalá que sim, e a casa esteja intacta e você esteja de boa saúde.
         Recordo muitas vezes aquela tarde passada na sua casa. Lá fora estava um calor abrasador e você, sem me conhecer de lado nenhum, convidou-me a passar para dentro e proteger-me do calor. A casa, em terra e com a forma de um pão de açúcar, estava fresca e recordo-me de você ter insistido para eu não me descalçar. E de ter ficado satisfeito com o facto de eu me ter mesmo descalçado e de ter deixado as botas à porta, seguindo o hábito da região. Penso muitas vezes nesses momentos, no silêncio da sua aldeia e na sensação de se estar no fim do mundo, por entre o calor e a nudez quase total da paisagem, na estrada entre Palmyra e Damasco. Parte da sua vida tinha sido passada na emigração, no Dubai. O tempo suficiente para regressar a as-Srouje, fazer obras na casa, comprar 50 ovelhas e umas oliveiras. A procura de criar uma vida melhor, nem mais nem menos do que fazem os meus patrícios que andam pela Suiça e pela França. Oxalá que a guerra não tocado a sua aldeia, que não lhe tenha levado a casa nem as ovelhas nem, sobretudo, a sua família.
         Recordo o seu sorriso indulgente quando lhe perguntei se podia fazer fotografias. E, depois, de ter dito à sua filhinha para ir colocar um lenço na cabeça. Foi esse momento que captei e que deu uma das melhores fotografias que fiz nesse périplo oriental. Perguntei mais tarde para onde poderia enviar as fotos. Deu-me a morada de um hotel em Hama, dizendo-me que passava lá de tempos a tempos. Espero que a encomenda tenha chegado.
         Hama, Homs, Alepo, Damasco soçobraram à onda de fogo. Do que se passa no Curdistão ou nas aldeias drusas sabe-se menos. Duvido que você tenha mail, Brahim, e por isso é menos que provável que algum dia voltemos a falar e que eu saiba o que se passou nesses sítios mais remotos. Mantenho a ténue ilusão que a paz chegará, mas duvido que algum dia possa voltar a as-Srouje. Depois da guerra, virão os radicais religiosos, travestidos de salvadores e as armas continuarão a falar mais alto. Nessa altura já será tarde, e outras sírias terão tomado o lugar principal nos telejornais.
         Caro Brahim, os tempos não estão risonhos. No ocidente as coisas vão mal. No oriente, ainda vão pior. Diz-se que a esperança é a última coisa a morrer. Assim seja.

Receba, neste começo de 2013 e aqui deste lado do Mediterrâneo, um abraço do Santiago Macias


Crónica publicada no jornal "A Planície" (Moura)  de dia 1.1.2013

1 comentário: