sábado, 27 de setembro de 2014

CASQUINHA E CARAVELA - 35 ANOS DEPOIS

Foi há 35 anos. Recordo-me do dia com se fosse hoje. Dois trabalhadores da UCP Bento Gonçalves, no concelho de Montemor-o-Novo, foram mortos a tiro, durante uma ação de protesto. António Casquinha, de 17 anos, e José Geraldo "Caravela", de 54, militantes comunistas, já não voltaram casa, nessa trágica quinta-feira.

A força da GNR disparou para ar... Era primeira-ministra Maria de Lurdes Pintasilgo. Era Ministro da Agricultura Joaquim da Silva Lourenço. Era Ministro da Administração Interna Manuel Costa Brás. Era Ministro da Justiça Pedro Sousa Macedo, mais tarde presidente do Supremo. Não houve conclusões. Ninguém foi acusado. Ninguém foi responsabilizado.

O momento foi imortalizado por João Hogan. A extraordinária tela pertence à Câmara Municipal de Cuba. Depois de ter sido ocultada entre 2001 e 2013, foi agora recuperada, ocupando merecido lugar de destaque no gabinete de meu colega e camarada João Português.


A morte saiu à rua num dia assim
Naquele lugar sem nome pra qualquer fim
Uma gota rubra sobre a calçada cai
E um rio de sangue dum peito aberto sai

O vento que dá nas canas do canavial
E a foice duma ceifeira de Portugal
E o som da bigorna como um clarim do céu
Vão dizendo em toda a parte o pintor morreu

Teu sangue, Pintor, reclama outra morte igual
Só olho por olho e dente por dente vale
À lei assassina, à morte que te matou
Teu corpo pertence à terra que te abraçou

Aqui te afirmamos dente por dente assim
Que um dia rirá melhor quem rirá por fim
Na curva da estrada, há covas feitas no chão


E em todas florirão rosas duma nação

(José Afonso)

1 comentário:

  1. O poeta José Gomes Ferreira que esteve no funeral dedicou-lhes este poema:


    Aqui
    nesta planície de sol suado
    dois homens desafiaram a morte, cara a cara,
    em defesa do seu gado
    de cornos e tetas.

    Aqui
    onde agora vejo crescer uma seara
    de espigas pretas.


    Quando os dois camponeses desceram às covas,
    ante os punhos cerrados de todos nós,
    chorei!

    Sim, chorei
    sentindo nos olhos a voz
    do que há de mais profundo
    nas raízes dos homens e das flores
    a correrem-me em lágrimas na face.

    Chorei pelos mortos e pelos matadores
    - almas de frio fundo.

    Digam-me lá:
    para que serviria ser poeta
    se não chorasse
    publicamente
    diante do mundo?

    José Gomes Ferreira

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