quinta-feira, 2 de outubro de 2014

O PÃO E O PAIO E O PRESUNTO

Se uma coisa define o bicho-homem é aquilo que come. E aquilo que procura e de que tem saudades. Aquela minha amiga achava tudo maravilhoso em Las Vegas. Las Vegas, no Novo México, não no Nevada, que esta é terra de jogo e perdição e casamentos à saída dos casinos. A minha amiga achava, pois, tudo muito melhor que no cantinho natal. A escola, o ambiente, o clima e os passeios. E a comida, claro. A comida era fantástica, deixando até a léguas qualquer paparoca caseira...

Continua tudo magnífico (podia dizer cinco estrelas mas odeio a expressão cinco estrelas). Bom, quase tudo. Desaparecido o fascínio inicial por tudo, mesmo tudo, fica aquela coisa do palato, que é por ele que começamos a sentir saudades de casa. E que é sempre pelo ponto onde regressamos à infância.

Da moça tão urbana – pizzas, mcnuggets (blagh!) e outros mcjunk – chega um mail lancinante. Queria um pouco de presunto e um pouco de paio. E um pouco de pão. Se possível de Monte Fialho, o monte no meio da serra de onde sai um daqueles que já quase não há.

A encomenda ficou por uma pequena fortuna. As carnes iam naquelas embalagens modernaças, vácuo e tal, para não se estragarem e não federem. O pão – chega em 3-dias-3, minha senhora, disseram nos cê-tê-tê – num saco de plástico, cuidadosamente dobrado. Imaginei sandes de presunto e de paio, partilhadas com as colegas espanholas, em genuíno festim mediterrânico. Passa uma, duas semanas e a encomenda chega. Quando vi a fotografia no facebook torci-me de riso. O pão transformara-se numa colónia de bolor e nem o miolo se aproveitava para manjar... Ainda assim, o paio e o presunto fizeram as delícias da colónia mediterrânica, mesmo em sandes de mcbimbo.


Quando em dezembro voltar à Pátria para as férias do Natal imagino reinvindicações meridionais. O pão, o tal de Monte Fialho, mais o paio e o presunto. E o queijo, aquele dos Cotéis ou o da Abelheira. E migas, claro, que é coisa que não se faz com pão de plástico. Neste entretanto, uma coisa a minha amiga já percebeu. Há, felizmente, patrimónios de infância que nunca nos deixam. Ela poderá ter saído de Mértola para sempre. Mas há sempre qualquer coisa de Mértola que nunca a deixará.


Crónica publicada ontem, em "A Planície"

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