Excerto (modificado) de um texto já com algum tempo, mas só agora publicado (conjuntamente com José Gonçalo Valente e Vanessa Gaspar):
Quatro fragmentos de dolia existentes em Moura permitem relançar o debate em torno da toponímia local e a colocação de hipóteses sobre o nome antigo da cidade. Moura conta-se no grupo dos sítios para os quais não dispomos de dados no que à épca romana diz respeito. A hipótese de uma correspondência entre Nova Civitas Arucitana e Moura foi desmontada, há anos e de forma definitiva, por José d’Encarnação. As peças descobertas na Rua de Arouche, na Primeira Rua da Mouraria e nas reservas do Museu Municipal referem, como vimos, a existência de uma Ecclesia Santa Maria Lacaltensis. Ou seja, de uma igreja consagrada a Santa Maria, numa localidade denominada Lacalt ou Lacalta. A concentração de peças num só sítio permite supôr que o nome romano ou tardo-romano de Moura seria esse. A hipótese é plausível, mas deixa outra questão em aberto, o da sua modificação dentro do período islâmico. A ligação entre Julumaniya e Moura é um equívoco que remonta ao século XIX e que não será aqui tida em conta. Se aceitarmos como válido o texto de Ibn al-Faradi e a proposta que, a partir dele, faz David Lopes, fazendo corresponder a islâmica Mura com a atual Moura, ligação hoje aceite de forma generalizada, temos uma base de trabalho para a toponímia posterior ao século XI. Continua por saber o nome da localidade em épocas anteriores.
O nome de Lacalt vem abrir novas possibilidades de explicação para a localização de um topónimo islâmico (Laqant), do qual está próximo foneticamente e para o qual se têm esboçado várias teorias. As referências a Laqant surgem, quase sempre, com a exceção do oriental Yaqut, em textos antigos, reportando-se a acontecimentos cuja cronologia não ultrapassa o período califal.
Quatro fragmentos de dolia existentes em Moura permitem relançar o debate em torno da toponímia local e a colocação de hipóteses sobre o nome antigo da cidade. Moura conta-se no grupo dos sítios para os quais não dispomos de dados no que à épca romana diz respeito. A hipótese de uma correspondência entre Nova Civitas Arucitana e Moura foi desmontada, há anos e de forma definitiva, por José d’Encarnação. As peças descobertas na Rua de Arouche, na Primeira Rua da Mouraria e nas reservas do Museu Municipal referem, como vimos, a existência de uma Ecclesia Santa Maria Lacaltensis. Ou seja, de uma igreja consagrada a Santa Maria, numa localidade denominada Lacalt ou Lacalta. A concentração de peças num só sítio permite supôr que o nome romano ou tardo-romano de Moura seria esse. A hipótese é plausível, mas deixa outra questão em aberto, o da sua modificação dentro do período islâmico. A ligação entre Julumaniya e Moura é um equívoco que remonta ao século XIX e que não será aqui tida em conta. Se aceitarmos como válido o texto de Ibn al-Faradi e a proposta que, a partir dele, faz David Lopes, fazendo corresponder a islâmica Mura com a atual Moura, ligação hoje aceite de forma generalizada, temos uma base de trabalho para a toponímia posterior ao século XI. Continua por saber o nome da localidade em épocas anteriores.
O nome de Lacalt vem abrir novas possibilidades de explicação para a localização de um topónimo islâmico (Laqant), do qual está próximo foneticamente e para o qual se têm esboçado várias teorias. As referências a Laqant surgem, quase sempre, com a exceção do oriental Yaqut, em textos antigos, reportando-se a acontecimentos cuja cronologia não ultrapassa o período califal.
O que nos dizem as fontes sobre Laqant?
Um primeiro dado tem a ver com a inclusão do sítio nas negociações que tiveram lugar no primeiro momento da islamização. Vários testemunhos, quer islâmicos quer cristãos, sublinham o caráter relativamente pacífico da “conquista” do Garb, nomeadamente no que toca à existência de negociações que terão caraterizado a islamização de uma parte importante do território a norte do Tejo. A existência dos tratados que permitiram situações como essa foi relatada por Muhammad al-Wazir al-Ghassani no século XVII, a partir de um texto de Ibn Muzayn, autor andaluz do século XI.
Um primeiro dado tem a ver com a inclusão do sítio nas negociações que tiveram lugar no primeiro momento da islamização. Vários testemunhos, quer islâmicos quer cristãos, sublinham o caráter relativamente pacífico da “conquista” do Garb, nomeadamente no que toca à existência de negociações que terão caraterizado a islamização de uma parte importante do território a norte do Tejo. A existência dos tratados que permitiram situações como essa foi relatada por Muhammad al-Wazir al-Ghassani no século XVII, a partir de um texto de Ibn Muzayn, autor andaluz do século XI.
A enumeração das fontes islâmicas, omissas quanto a
locais precisos, ajuda-nos a delimitar o âmbito territoral no qual nos movemos.
Ibn Idhari refere, pouco depois de meados do século VIII uma
revolta, que teria tido lugar em Beja ou em Laqant e que teria sido conduzida
por Ala b. Mughit al-Yassubi. No final do século VIII, ao mencionar-se uma
campanha militar conduzida por Abu Ayyub Sulayman, refere-se a retirada que
este teria feito para o “país de Firris e Laqant”. Os textos diferem um tanto sobre o início da
revolta. Ibn al-Athir, retomando a interpretação do Fath al-Andalus escreveu: “(...)Ala b. Mughit al-Yassubi passou da Ifriqiya
à cidade de Beja, no al-Andalus, onde arvorou a cor negra dos Abássidas e fez
fazer a hutba em nome de al-Mansur. Numerosos aderentes se lhe juntaram
rapidamente”. A mesma suposta origem norte-africana viria a ser
retomada por outros autores, embora a veracidade desta informação mereça
grandes reservas. Segundo outra versão, a do Behdjat en-nefs, al-Ala ter-se-ia revoltado num local chamado
Laqant, pertencente à kura de Mérida, tendo depois marchado sobre Beja e tornado-se
senhor de todo o oeste da Península. A localização não é segura, fazendo-se coincidir
Laqant com a zona de Fuente de Cantos, perto de Mérida e Firris com Castillo
del Hierro, nas serranias a oriente de Sevilha.
Os documentos da Baixa Idade Média (em particular
ao longo dos séculos XIV e XV), num período em que se torna necessário definir
de forma mais precisa a divisão entre Portugal e Castela, começam a assinalar
novos pontos de referência. Por exemplo, mencionam de modo sistemático a
ribeira de Alcarache como limite dos novíssimos termos de Mourão e de
Villanueva del Fresno. Ainda que esta zona semi-desértica e controlada
por isoladas comunidades de pastores pouco interesse pudesse suscitar em época
islâmica não há dúvida que marcava o final do território de Beja e o começo de
uma outra área de influência. Foi, afinal, desta região que sairam movimentos
tão importantes como o que terá tido origem em Laqant, referido expressamente como fazendo parte do
“canton de Beja”. Esta região juntou-se a Sulayman b. Martin em
219/835 para fomentar uma revolta que assolou toda a kura de Beja. A importância estratégica de Laqant leva os Madjous, na invasão de 229/844 a enviar
destacamentos para este sítio, bem como para Firrish, Moron e Córdova.
Nesta zona, cerca de 50 quilómetros a leste de
Beja, e no limte oriental da kura, as
ligações familiares e a componente mullawad
continuam a marcar presença preponderante. Ibn Hayyan assinala a revolta de Faraj
b. Hayr al-Tutaliqi, que se rebelou em 234/848-849 contra o emir Abd al-Rahman
II a partir de Aroche e de Dnhkt, topónimo não identificado. Pode tratar-se de um
problema de transcrição e a referência reportar-se a Laqant e não a Dnhkt. Vencido
pelas tropas do emir, põe-se ao serviço deste e é nomeado para diversos cargos,
nomeadamente o de governador de Beja.
É ainda o sítio de Laqant que Abd al-Rahman III coloca sob o comando
de Abd al-Malik b. al-Asi, jurisdição que passaria, anos depois, para Abd
al-Rahman
b. Muhammad
b. al-Nazzam, juntamente com Firrıis, Llano de los Pedroches e B.tr.l.s.
Perto do final do século X, Laqant era ainda
referida como kura: “en el jumada de
este año [362 h., ou seja, entre outubro de 972 e outubro de 973), salió el sahib al-radd Abd al-Malik ibn Ibn al-Mundhir Ibn Said a las coras
occidentales – que son: Ferris, Laqant, Sevilla, Niebla, Carmona, Morón, Ecija
y Sidonia – en visita de inspección (...)”. Pela mesma época, e numa história da conquista da
Península, é feita a seguinte referência explícita quando se fala da rota
seguida pelas tropas: “después de Sevilla se fué a Lacant (es decir) a un lugar
que se llamó “el desfiladero de Musa” en las cercanías de Lacant, en dirección
a Mérida”.
Yaqut nos séculos XII-XIII, refere ainda o nome da
localidade, mas a verdade é que nunca visitou o ocidente, sendo as suas
informações fruto de dados recolhidos junto de outros autores. Sobre Laqant diz
que “es el nombre de dos castillos (husun) pertenecientes a Mérida, en al-Andalus: Laqant la Mayor (Laqant
al-kubra) y Laqant la Menor (Laqant al-sugra) y están situados de modo que se
miran frente a frente”.
Não é possível estabelecer uma ligação direta entre
o nome antigo de Moura, partindo do princípio que o mesmo foi Lacalta, e o
toponómio de Laqant. A ligação entre ambos parece-nos, contudo, passível de ser
sustentada. São conhecidas as ligações antigas entre a zona de Moura e o eixo
viário que ligava Mérida a Sevilha. O caminho entre Beja e Sevilha passava a
curta distância da nossa cidade e seria, decerto, um meio privilegiado do
contacto com a zona costeira meridional.
A mutação do nome, ocorrida presumivelmente nos
século X-XI, tal como sucedeu noutros sítios do Garb, como Ocsónoba,
justificaria o esquecimento do nome antigo e a “criação” de um novo topónimo.
Versão completa em O sudoeste peninsular entre Roma e o Islão.
Caro Santiago,
ResponderEliminarCreio que esta tua hipótese faz muito sentido , mesmo muito.
O teu artigo merece ser lido por alunos de História do al-Andalus e discutir o tópico com eles.
É uma hipótese mesmo muito boa.
Parabéns!
Un abraço