quinta-feira, 4 de junho de 2015

UMA CIDADE E O SEU MUSEU: 13/20 - BAMACO

Revisito Bamaco, cidade que já aqui passou várias vezes. Um texto que saiu no Público, em 2008 (v. mais abaixo), e uma peça na qual me "fixei". Não guardo grande memória do Museu Nacional do Mali. Mas esta peça levou-me a comprar o catálogo.

Que o museu tenha grande arte africana é banal. Que conserve esta lápide funerária é extraordinário: provém da necrópole de Sané, em Gao. Poderá datar do século XII ou XIII d.C. O facto espantoso é ter sido importada da região de Almeria, no sul de Espanha. Que fica a 2300 km. Que a classe superior de Gao mandasse esculpir essas lápides a tal distância diz bem do prestígio dos ateliês andaluzes e diz bem da pujança do comércio entre o Mediterrâneo e as regiões sub-saarianas.

Sei que uma equipa de arqueólogos japoneses esteve a trabalhar em Gao. Desconheço os resultados dessa investigação ou, sequer, quem eram esses arqueólogos. Uma dúvida que se tornou numa quase obsessão. O tema das necrópoles islâmicas anda num limbo, há quase 20 anos.


DOMINGO EM BAMACO

É assim que se chama o disco, Dimanche à Bamako. E nós ficamos a imaginar como será o dimanche à Bamaco. Haverá acácias e belas mulheres à sua sombra, nos domingos de Bamaco? As águas do Níger trarão frescura aos domingos de Bamaco? Correrá um pouco do harmattan, o terrível vento do deserto, nas ruas dos domingos de Bamaco? Soprará esse vento sobre as águas do Níger, por entre as acácias e as belas mulheres? Que oásis haverá?

Há poucos oásis em Bamaco. A planta da cidade vista só em planta é um enredo de ruas direitas e há até guias que falam nas árvores dos bairros de Sogoniko ou de Badalabougou. Foi talvez assim um dia, e agora temos pena de não termos conhecido esses dias e esses domingos de Bamaco. Agora os dias são de caos, há fumo, meu Deus, há fumo e mais fumo. A cidade vive envolta em fumo. Dos carros com carburadores asmáticos, do lixo a arder ao lado dos hotéis e dos campos de golfe, do lume dos restaurantes, digamos que são restaurantes, que aparecem por toda a parte. Afinal o vento não sopra em Bamaco e por isso o fumo não viaja, ficando a pairar sobre a cidade. A cidade colonial é uma miragem curta nesta parte do Sudão e as glórias passadas fenecem por entre destroços.

Nos dias que não são dimanche há mais trânsito e nota-se muito mais o fumo. Há mais carros, mais motoretas e maquinetas. Nesses dias um milhão de pessoas cruza o gigantesco bairro da lata que Bamaco é, e nós ficamos sem perceber nada. De que vivem todas aquelas pessoas? De que vivem os vendedores se não há ninguém para comprar ou, pelo menos, ninguém parece comprar coisa alguma? Quando é dimanche à Bamako respira-se um pouco melhor, sem o travo do gasóleo a arder nas narinas e na garganta. Quando é dimanche podemos fugir mais ao fumo.

Aos domingos podemos esgueirar-nos um pouco mais à vontade, por entre as latas das barracas, por entre os montes de lixo semeados à toa. Para quem gosta dos mercados, há o novo mercado, nos guias lê-se que é novo mas parece já ter nascido com muitos anos. Mais longe, na margem do Níger, uma sugestão de jardim dá um pouco de placidez aos domingos de Bamaco.

Há uns séculos atrás ninguém passeava ao longo do Níger nas tardes de domingo porque a cidade ainda não existia. Nesses dias havia pirogas que passavam por entre as ilhotas onde agora os poucos pássaros vão pousar. Mas as pirogas partiram e o rio é agora um deserto de água. Nesses dias lá longe os caminhos do Níger levavam para Tombouctu e para Gao. É para aí que iremos um dia, porque lá onde estão não há fumo, de certeza que não, nem um milhão de pessoas amontoadas, como nesta aldeia de homens e mulheres gentis.

Agora é Inverno em Bamaco, aceitemos que 35º possam ser Inverno, e por isso o tempo é muito seco. O calor ainda vem longe e mais longe ainda está a chuva. Tenho dificuldade em imaginar como serão esses domingos de Verão, com a chuva que não pára, o calor terrível, o fumo dos carburadores asmáticos e a maior parte das ruas a serem pasto da lama e dos mosquitos.

Na próxima vez vou chegar a um domingo. Vai ser num dos beaux dimanches cantados por Amadou e Mariam. Nesse domingo haverá, decerto, menos fumo e menos gente perdida a deambular pelas ruas. Haverá, decerto, belas mulheres cujas pulseiras rivalizam, por entre as acácias, com a curva da corrente do Níger.

Sem comentários:

Enviar um comentário