ESTÚDIO C – 50 ANOS DEPOIS
Passam, ou iriam passar, 50 anos no dia 12 de abril. O
Estúdio C, de Carlos Ferreira, abriu as portas no dia 12 de abril de 1966.
Poucas pessoas tinham máquinas “de tirar retratos”. Os que tinham, e alguns até
iam de férias, passavam depois à do senhor Carlos, para deixarem os rolos para
revelação. Mas a principal clientela do Estúdio C eram os jovens casais, que
iriam casar e ali tinham a garantia de uma reportagem de qualidade. E, bem
entendido, as fotos-tipo-passe de que necessitávamos para o bilhete de
identidade ou para outros documentos.
Guardo imagens impressivas da minha primeira fotografia. A
minha mãe ordenou “vais à do Carlos, pedes 12 fotografias [aquilo era por
atacado] e dizes que eu depois passo lá”. Eu, timidíssimo e mãezeiro, afirmei
“não vou” e bati com o pé no chão. Levei uma nalgada e fui. Claro. O estúdio
tinha uma máquina como eu nunca tinha visto e uns holofotes enormes. “Levanta a
cabeça, endireita os ombros, olha aqui para a minha mão, vá lá um sorrisinho”,
o Carlos com um ar alegre e simpático e eu embezerrado. Um clarão imenso e o
anúncio “já está!”. Fiquei quieto e recordei “ainda faltam 11”. O fotógrafo deu
uma imensa gargalhada e explicou “é só uma, dessa faço cópias”. Fiquei
vexadíssimo.
Ao longo dos anos, Carlos Ferreira, além de construir a
memória de várias gerações deste concelho, foi fazendo um percurso de grande
interesse artístico. Retratos, paisagens, monumentos, o bucolismo da região, os
homens e as mulheres do povo, os ciganos (em especial os ciganos) passaram pela
objetiva deste mourense. Tinha máquinas de qualidade – recordo uma Hasselbald
-, que só o ajudavam a majorar o talento. O tom épico das paisagens ou o
tratamento da luz no estúdio faria inveja a muitos. A mim faz, e eu nem fotógrafo
sou...
Ao longo de cinco décadas, o Estúdio C foi assim. Há
trabalhos que talvez ainda existam, mas cujo paradeiro desconheço. Recordo um,
extraordinário e que me lembrava a arte centro-africana, que decorava uma das
paredes do Clube de Campismo. Lembro-me, como todos nós seguramente nos
lembramos, das montras feitas para as Festas de Nossa Senhora do Carmo.
Momentos únicos, criativos e baseados na inspiração do momento. Um dia
perguntei “você tem registos disso tudo, não tem?”. A resposta foram um sorriso,
um encolher de ombros e a frase “tenho para aí de quatro ou cinco anos, não
mais; as coisas só me interessam no momento”. Fiquei perplexo e pensei nessa
frase muitas vezes. Carlos Ferreira é um homem mediterrânico, um artista
deliberadamente do efémero, daqueles que sabiamente vive os momentos mas não se
preocupa excessivamente em deixar essa marca para o futuro.
O Estúdio C já não existe. Mudou há tempos de mãos e deixou
um vazio na nossa Moura. A Câmara Municipal irá agora elaborar um projeto de recuperação
do arquivo fotográfico. Não irá ser fácil consegui-lo. Vai ser preciso
recuperar negativos, tratar e catalogar o espólio. Vai ser imprescindível
salvar trabalhos de Arte, porque de Arte se trata. Um desafio importante porque
meio século na história da cidade e na vida de todos nós não é coisa pouca. Carlos Ferreira merece esse esforço. Nós
também.
Crónica publicada hoje, em "A Planície". A fotografia data de julho de 2011: a arqueologia foi o tema da montra da festa, nesse ano.
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