A RIUIS
ANATIS FLUMINIS EXTREMUM MUNDI UIDERI POTEST
Não sei latim e tive,
por isso, de pedir ao Prof. Raúl Miguel Rosado Fernandes que me traduzisse o
título. “Das margens do Guadiana vê-se o resto do mundo” era o nome da
exposição fotográfica que, já lá vão seis anos, apresentei no Castelo de
Mértola. Havia imagens de Mértola, de Bosra, de Leptis Magna, de Mérida, de
Jerash, coisas vistas, ao longo de duas décadas, a norte e a sul do grande mar.
Nunca me interessei especialmente pelo mundo clássico, mas a matriz helenística
e romana está presente em toda a parte. E ninguém resiste a esse legado.
Ninguém fica indiferente aos gigantes perfilados em Apameia, nas margens do
Orontes.
Na realidade, vivemos à
sombra dos nossos antepassados romanos. Nas cidades mais antigas do
Mediterrâneo temos arcos em pedra antigos, mosaicos finamente desenhados e
capitéis coríntios que não encontramos noutras paragens. De Mérida até Roma, de
Bosra a Mértola mudavam as escalas mas não as formas. As formas repetiram-se
quase até aos nossos dias, até à entrada do betão na cultura moderna. A
recordação dos nossos antepassados perdura na dureza de pedras que se vão, aos
poucos, esboroando.
Muitos sítios outrora
vistos não tornarão a ser visitados. Por muitas razões. Nos piores casos,
porque deixaram de existir, como em Palmyra, onde a estupidez parece ter
vencido. O silêncio das azinhagas do oásis deu lugar ao silêncio da morte.
Outros sítios transformaram-se em miragens, que um irreal quotidiano torna mais
distantes. Continuo a pensar que a mais bela estação arqueológica do mundo é Tipasa
e que Camus a homanageou devidamente em “Noces à Tipasa” ao escrever “Na
primavera, Tipasa é habitada pelos deuses e os deuses falam ao sol (…)”. Foi
num dia assim que a visitei e era capaz de jurar que os deuses andavam à minha
volta e que poderia ficar a viver em Tipasa o resto dos meus dias.
Percorremos os mapas
das margens do Mediterrâneo com melancolia. Olhamos em volta e vemos
testemunhos das recordações do mundo clássico. Até num pequeno sítio como Moura
temos essas memórias e sentimos essa presença.
Das margens do Guadiana, e de Moura, vê-se o resto
do Mundo Antigo? Sim, mas cada vez mais ao longe e cada vez mais à distância.
Crónica de hoje, em "A Planície".
Magnífico texto!
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