quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

LAS VEGAS, CIMARRON, TAOS E MAIS ALÉM...

Taos, Novo México, maio de 2016

A estação de rádio era a KXMT, em 99.1. “Mariachis” e “canciones rancheras” de manhã à noite. Tudo em espanhol, exceto a voz bem modulada de um locutor que, de tempos a tempos, ia anunciando “this is KXMT, to Las Vegas, Cimarron, Taos and beyonnddd”. Depois voltavam os “mariachis” e as “canciones rancheras” e o desespero dentro do carro aumentava.
Foi uma viagem curta, State Road 64 acima, State Road 285 abaixo, à procura do inencontrável. A culpa foi de Ansel Adams. O que outrora foram sítios, agora não são nada que valha a pena. Levava dois objetivos na carteira: Taos e Hernández. A igrejinha do primeiro, o cemitério e o nascer da lua no segundo. O livro de Adams sobre Taos data de 1930, a célebre “Moonrise” de novembro de 1941.
O que acontece quando os sítios passam a ser um cenário e os seus habitantes atores? Tive a curiosidade de saber como seria Taos, fora de horas. Não fiquei defraudado. A aldeia, de construção em terra, não tem habitantes. Ou quase. Os guias dizem que vivem lá 100 pessoas, mas não vi vivalma. Uma barreira na estrada avisava TAOS IS CLOSED. Um carro de vigilantes assegurava que ninguém se aproximaria dos muros da aldeia. As antigas famílias vivem em volta e, depois das 19 horas, não se pode entrar. Ou seja, se tem habitantes, têm estatuto de presidiário... Taos, que é Património da Humanidade, é apenas um cenário. Bonito, mas morto. O que acontece a locais assim merece uma reflexão que não cabe nestas linhas. Fica um apontamento: a aldeia está mumificada. Não é permitido o abastecimento de luz elétrica e de água canalizada. Para não perder as "caraterísticas". Está quase tudo dito.
O sítio de “Moonrise” foi mais difícil de encontrar. A igrejinha com o cemitério à frente jaz no meio de restos de sucata, de construções em mau estado e de arremedos de vedações. O sentimento só não foi da mais completa frustração porque me preparara para o choque. A estrada pejada de trânsito pesado corre ao lado, mas o sentido de horizontalidade perdeu-se. As construções em volta alteraram a paisagem, demasiado bela, da fotografia de 1941. Não cheguei a sair do carro.

Foi com uma vaga melancolia que percorri as ruas de Santa Fé. As senhoras foram comer gelados. Eu fui fotografar sombras, grafismos e casas em contra-luz. O regresso a Albuquerque, noite dentro, foi feito em silêncio, sem “mariachis”, nem “canciones rancheras”. É pouco provável que volte um dia a estes sítios. Se voltar, vou querer fazer de novo a imensa reta em direção a Tres Piedras e visitar o sítio de Abiquiu. E ainda ir de novo ao Georgia O’Keeffe Museum, cujas funcionárias da receção me atenderam com um desdenhoso toque aristocrático, como se vender três bilhetes fosse uma maçada e um desperdício. Não dispensarei, evidentemente, as “canciones rancheras” e a KXMT, em 99.1. Que é em espanhol, exceto quando o locutor diz “this is KXMT, to Las Vegas, Cimarron, Taos and beyonnddd”...

Crónica publicada hoje em "A Planície"

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