segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

UMA QUESTÃO DE FORMATO


“Como é que se tornou presidente da câmara?”, disparou o Luís Martins às 16:55 do dia 14 de dezembro de 2016. Faltavam cinco minutos para a reunião de câmara e aproximava-se o fim de mais “Um dia na Presidência”. A iniciativa, que arrancou em janeiro do ano passado, destina-se a mostrar a jovens do concelho o que é o quotidiano de um autarca. Tem sido uma experiência gratificante e enriquecedora. Pautada por muitas surpresas.
            Achei a pergunta do Luís muito interessante e decidi “cinco minutos não dá, voltamos aqui depois da reunião de câmara”. Obviamente, não era o facto eleitoral que motivava a pergunta, mas sim o interesse em saber que percurso se faz até aqui se chegar. Tive a maior dificuldade em lhe explicar as razões. Até final de 2012 nunca tal me ocorrera. Sempre pautara o percurso por outros interesses. Nunca me interessara dirigir o caminho nesta ou naquela direção, no intuito de “chegar” onde quer que fosse. Lembrei-me, sem tal dizer ao Luís, do tapete 9, o local onde, em tempos, se recolhia a bagagem fora de formato, no Aeroporto de Lisboa.
            A minha dificuldade nunca foram os dossiês ou o trabalho técnico ou o debate político. Mas sim formatar-me a uma tarefa que requer, à partida, rigidez e sisudez. “Não deves disfarçar-te no carnaval, que pareces o Alberto João Jardim”, “fica mal ao presidente beber copos em tabernas”, “aquela coisa de imitares o Usain Bolt é uma péssima ideia”, “porra, pá, um tipo doutorado e professor universitário tem necessidade de dar o flanco?”, “que ideia é aquela das poesias eróticas no blogue?”  etc. etc. Ao que parece, ser presidente requer alguma pose e alguma distância. É o que, por vezes, (me) dizem. Disposto a ser um ser humano como os demais e nunca tendo frequentado nenhum curso “como ser presidente de câmara em 10 lições” mantive-me fiel a velhos princípios. E à minha maneira de ser.
            Defini alguns princípios, ainda antes de ser eleito: 1) tentar resolver problemas e ter um bom desempenho técnico-político; 2) dignificar o Município que represento; 3) ser ousado e, em conjunto com a equipa, inovar e lançar novos projetos; 4) ter em atenção os problemas sociais, a começar pela habitação; 5) não ser subserviente em relação aos “poderosos”. No meio de tudo isto, mantive-me fiel a velhas amizades, aos sítios onde gosto de ir, a calcorrear as ruas da minha terra, a dar a cara pelos problemas e a concretizar o que me/nos diziam ser impossível. O balanço far-se-á. Não agora, mas dentro em breve. Seguimos o percurso atrevidamente e com firmeza. Defenderei o desempenho da Câmara Municipal e explicarei, com clareza, as opções tomadas. Quem não deve não teme.

            No meio de tudo isto, ainda estou no tapete 9. Não me sinto obrigado a formatos. Poses imperiais? A quem estiver interessado no tema, recomendo a leitura das “Embaixadas a Bizâncio”, de Liuteprando de Cremona, ou a famosa “História Secreta”, de Procópio de Cesareia. Aí se explica como viviam e se comportavam Justiniano e Constantino Porfirogeneta. A lógica oriental da representação do poder reflete-se, como um eco distante, na Rússia de hoje. Não sou nem isso nem um chefe africano nem um caudilho ibérico. Apenas um homem comum, que desempenha convictamente funções numa autarquia do interior português. Que o faz com empenho e total entrega. Sem sair do tapete 9.

Crónica publicada hoje em "A Planície".

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