terça-feira, 7 de março de 2017

O MILAGRE DE SANTA ZITA


Tenho uma especial ternura pelos disparates de Zita Seabra. Em comum, temos apenas o facto de também eu gostar de ir à Pastelaria Versailles. Para não gastar muito tempo recupero dois textos antigos deste blogue.

6.8.2011
Os melhores textos humorísticos são, com frequência, fruto de atos involuntários. A "reportagem" que o Expresso publicou hoje, assinada por Zita Seabra, ilustra bem essa ideia. "Como é que se pode mudar tanto?", perguntava-me, ingenuamente, uma amiga. A verdade é que Zita não mudou. O fanatismo e o dogmatismo de outrora são os mesmos.

De que se trata, então? De revisitar a Rússia pós-soviética. Não se pedia que Zita tivesse o talento de Bruce Chatwin ou de Ryszard Kapuściński. Mas a passeata de Zita rio acima é, em termos informativos, incompreensível. O Dr. Balsemão, que tem fama de forreta, lá saberá como investe os seus capitais. Mas esta reportagem liceal não terá retorno, seja ele qual for.

O primeiro problema são os adjetivos. As paisagens são "fantásticas", o percurso "inesquecível", os palácios "fascinantes", as igrejas "espantosas" e "monumentais", as cúpulas "coloridas", as basílicas "belas" e as catedrais "belíssimas". Uf, suspira-se no fim, ficando nós a pensar que a falta de qualidade da escrita é "catastrófica".

O segundo, e mais grave, problema é a incultura de Zita Seabra. Facto que me surpreendeu. Escrever que "esta mania de construir grandes obras públicas com mão de obra forçada tem uma forte tradição na Rússia" (a escriba referia-se tanto a Pedro, o Grande, aos últimos czares e a Stalin) revela um total desconhecimento do que é a estrutura do poder nas sociedades do oriente europeu. E a forma como elas foram contaminadas pelo mundo bizantino. Não se trata de uma "tradição". Estamos a falar de um dos pilares do poder naquele país. Cultivado até hoje.

Zita não resiste à inovação, quando, a propósito da construção de S. Petersburgo, afirma que a cidade ficou "cheia de prédios e palácios europeus, neoeuropeus, digo eu (neoclássicos, neorromânticos, neogóticos)". É uma descoberta fascinante. Nos inícios do século XVIII Pedro I terá, segundo Zita, antecipado tanto os revivalismos como o romantismo. Uma tese importante e a merecer desenvolvimento.

Zita também suspira de alívio ao constatar que viu "muitas dezenas de belas basílicas e alguns mosteiros e só encontrei uma foice e martelo". Confessa, no mesmo parágrafo, ter ficado sem palavras com a Catedral da Transfiguração, "toda feita de madeira, sem um prego". Não é clara a ligação com a falta de martelos, mas parti do princípio que se tenha tratado de uma coincidência.

Em terceiro lugar, Zita rima com candura. É isso que lhe permite, sempre à mistura com o ódio pelo comunismo (uma questão pessoal, que não me merece comentários), escrever com convicção os mais rematados disparates. O melhor de todos é o que revela que o arcaísmo da liturgia ortodoxa, ainda hoje praticada, está relacionado com a interrupção, em 1917, do sínodo que a ía renovar. O patriarcal Kirill deve estar a arrepelar as suas longas e brancas barbas...

Voltei lá, diz Zita. Ainda bem. O sábado adivinhava-se soturno. Com este texto o dia melhorou bastante.


10.8.2012
Zita Seabra resolveu fazer uma denúncia espetacular: o PCP espiava instituições do Estado Português, instalando microfones em aparelhos de ar condicionado montados pela FNAC, à época (anos 80) liderada pelo então militante comunista Alexandre Alves. Zita Seabra descobre uma tardia vocação de agente secreto. Uma coisa me preocupa. Das duas uma: ou os aparelhos de ar condicionado não tinham manutenção ou os tipos que faziam a dita era uns nabos do piorio, incapazes de identificarem um microfone.

Os delírios de Zita são frequentes e parecem ter-se agravado com a aproximação à Opus Dei. As suas intervenções merecem tudo, menos credibilidade e julgo que o PCP fez bem em dizer apenas "as afirmações dessa pessoa, nesta como noutras matérias, não merecem qualquer crédito ou comentário".

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