Aquele
encontro foi tudo menos esperado. Um rapaz, de ar tímido e olhar calmo, estava
sentado à minha frente, à mesa do petisco. Ele pouco petiscava, em verdade se
diga. Os pais, gentilmente, foram-me enturmando. Às tantas, estou para saber
como, saltou-se para os livros. O rapaz quer ser médico. O percurso escolar é
brilhante, prémio atrás de premio, sem parar. De medicina quase não falou. De
livros sim. De poesia mais ainda. Às tantas, estou para saber como falou-me em
Robert Frost, “ the road not taken”. Pisquei os olhos. Robert Frost? Aos 18
anos? Continuou a falar, não muito, porque os tímidos só acordam mais tarde.
Leu os clássicos em prosa, também. Saltou depois para a poesia de Baudelaire.
Já não me atrevi a perguntar se lera “Les fleurs du mal”. Deve ter lido. Se não
leu, lerá em breve. O meu espanto ia em crescendo. Também conhecia Cecília Meireles,
que não sei se é do cânone, mas tem versos sensíveis e doces. Cecília Meireles
é autora de outros tempos e morreu perto do ano em que o pai do João nasceu.
Talvez
o João venha a ser médico. Os grandes médicos não são apenas clínicos. Houve-os
cantores de ópera, como Álvaro Malta, músicos e poetas, como Miguel Torga ou
Fernando Namora. Só vejo a prática da medicina ligada aos valores do espírito.
Tenho a certeza que a carreira do João irá por ai. Falou, baixinho, que
gostaria de se dedicar a causas humanitárias. Podes começar aqui pela tua
aldeia, sugeri. Mas há um mundo imenso que vai precisar de ti. Recorda-te que
estamos no topo da Humanidade. Há água potável, vacinas gratuitas, saneamento,
escolas, bibliotecas, equipamentos desportivos etc… Para descobrires o outro
mundo terás de fazer o caminho inverso ao dos que agora cruzam o estreito de Gibraltar.
Isso é fácil fisicamente, mas não do ponto de vista mental. Se o fizeres, se
para lá fores, leva a poesia. Leva contigo, em especial, as palavras de Rimbaud,
o homem que se perdeu. Não te percas como ele.
Crónica publicada hoje em "A Planície".
Crónica publicada hoje em "A Planície".
Natureza morta com livros e violino, quadro de 1628
da autoria de Jan Davidszoon de Heem (1606-1684)
A esperança de Santo Aleixo da Restauração está nesse João, mas também nos outros "Joãos" que emergem do anonimato e que estão apostados em defender a sua terra tal como o fizeram os seus antepassados heróis de sempre.
ResponderEliminar