sábado, 16 de dezembro de 2017

CORPORAÇÕES DO SÉCULO XXI - RUA DOS TELEMOVELEIROS

RUA DOS TELEMOVELEIROS

Aprendíamos na escola que os ofícios se organizavam por zonas, dentro das cidades e mesmo em vilas de menores dimensões. Em Moura, ainda temos na toponímia local a Rua dos Ourives, tal como tivemos em tempos a Rua da Verga ou a Ruas das Tendas. Em Lisboa, a Baixa Pombalina conserva uma memória viva, mas só já mesmo sob a forma de memória, das corporações de outrora: Douradores, Sapateiros, Fanqueiros, Correeiros… Os negócios desapareceram, ficaram as placas toponímicas.

Vem isto a propósito de uma recente passagem por um Centro Comercial nos subúrbios de Lisboa. O sítio chama-se Babilónia e o nome é mais que apropriado. O desenho do espaço é caótico e as pessoas perdem-se lá dentro. Sempre que lá passo sou interpelado por senhoras, sempre na casa dos 60, que me perguntam, “olhe lá, jovem, a saída é para que lado?”. O tratamento por “jovem” angustia-me por constatar que a miopia galopa com a idade. E a desorientação confirma uma velha tese de género: as senhoras conseguem cozinhar quatro pratos em simultâneo, mas têm genéticas dificuldades de orientação espacial.

Indo adiante, e Babilónia dentro, constatei, nessa última visita, que o interior do sítio muda a uma velocidade que desorienta, ainda mais, qualquer um. Já quase não há lojas de roupa. Essas migraram para outros sítios. Ou faliram. Há um ou dois cafés. Um sítio onde vendem jornais. A clientela é maioritariamente de origem africana. Que se vende no Babilónia? Telemóveis. Há lojas de venda de aparelhos, de capas para aparelhos, de carregadores para aparelhos, de cartões para aparelhos. Fazem-se carregamentos e pagamentos. Ensinam-se esquemas e truques. Há uma nova corporação a ser formada. Os comerciantes não são portugueses brancos nem portugueses negros. São emigrantes asiáticos, do Paquistão, da Índia, do Bangladesh. Falam um português hesitante e de pouquíssimas palavras. Mas conhecem como ninguém a linguagem dos números, o valor das coisas, a cotação das peças. O que lhes falta num verbo, dizem de outra forma, rapidamente, suavemente, e colocando o cliente onde querem. Deixando o cliente satisfeito, que é a melhor forma de consumar negócios. Tudo isto com sorrisos largos e gestos amigáveis e generosos. Dali, toda a gente sai contente. Eles, solidariamente, vigiam-se e protegem-se. São, nesta nova babilónia de negócios, a nova corporação medieval do século XXI. São os telemoveleiros.

Crónica publicada em "A Planície".


1 comentário:


  1. nem mais, a orientação das senhoras não é facilitada pela dificuldade do cérebro em criar esquemas com pontos cardinais corretos, é o que tenho lido e experimentado !
    ainda bem que a Babilónia é um sítio de encontro de culturas e fraterno, assim não lhe estragam o nome :)

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