O percurso na política local fora iniciado com a minha eleição para a Assembleia Municipal em 12 de dezembro de 1993. Ao todo foram 23 anos, 10 meses e 9 dias no Poder Local: doze anos na Assembleia Municipal, quatro deles como presidente, oito anos como vereador e mais quatro como presidente da câmara. Sempre tive claro que política não é profissão. E que há que prosseguir a atividade profissional, antes, durante e depois dos cargos. Entre 2005 e 2017 continuei, por vezes com grande esforço, a trabalhar na minha área. Aulas, textos, comissariado de exposições, livros, com resultados a surgirem muitas vezes em esforço, de modo quase penoso. E, admito, nem sempre com a qualidade que gostaria.
Se sinto nostalgia, como me perguntaram outro dia? Nenhuma, rigorosamente nada. A componente humana, a do contacto com as pessoas, foi a melhor parte. E isso não depende de cargos circunstanciais. E isso não se perde.
Dia 2 de janeiro foi uma sexta-feira. A crónica que publiquei nessa dia, no "Diário do Alentejo", é reproduzida mais abaixo.
Primeira sessão da Assembleia Municipal. Da esquerda para a direita: Manuel Bravo, o autor do blogue e Joaquim Carrilho Guerreiro.
O SUL
Quando a minha irmã foi viver para Paris manteve, durante longos meses, o peculiar hábito de me telefonar só para saber se o céu estava azul por aqui. No triste norte da Europa as semanas correm sem que o sol fure o cinzento mais deprimente que alguma vez pude ver.
É certamente por isso que, todos os anos, milhares de pessoas se embrenham pelas veredas da moderna transumância e rumam ao sul. São suecos e dinamarqueses e alemães e russos que vêm estirar-se à beira do Mediterrâneo para verem sol, ao menos uma ez na vida.
Quando se fala no Mediterrâneo, os chavões não faltam: as figueiras e o sol, a cal e o azul, mulheres vestidas de preto e sempre, sempre, aquela luz que não tem igual no mundo e que, desde há milénios, fascina os homens do norte.
A minha crença nesse sul mediterrâneo sofreu, há anos, um sério abalo. Estava em Ravenna, na costa do Adriático, num encontro de Arqueologia e História da Arte, quando se me apresentou a D. Marília. Tinha-se inscrito nesse congresso sem que o tema a interessasse. Percorria várias dezenas de quilómetros por dia sem que tenha ouvido uma só daquelas doutas e sonolentas lições. Vinha todos os dias só para falar comigo nos intervalos dos seminários. Tinha saudades de falar português e sabia que havia um português no congresso.
A D. Marília era do norte de Portugal. Há muitos anos que que estava casada e nunca mais tinha regressado à sua Esposende (ou seria Espinho?) natal. Nem tinha muita vontade disso - "sabe, só já lá tenho uns primos afastados, o que é que lá vou fazer?". Não me lembro da sua cara. Recordo apenas que falava numa voz sumida e triste, e que lamentava sempre duas coisas, a falta de azul do céu e o sol pátrio. Dei-me então conta que há mais de uma semana que o sol não conseguia romper a pesada neblina de Ravenna. Ali, mesmo nas barbas do Mediterrâneo.
A D. Marília apareceu quase todos os dias, pedindo-me desculpa quando tinha que faltar. Íamos tomar café no intervalo do curso e a conversa, à volta de um capuccino, acabava sempre nas saudades que sentia e na pena de não ter um sol como o nosso. Desde essa semana em Ravenna não há um só dia daquele nevoeiro medroso que, por vezes, paira sobre o Guadiana em que me não lembre da D. Marília. Um só, posso-vos garantir.
Aos 10 anos espantei-me, pela primeira vez, com a luz do centro e sul deste nosso país.
ResponderEliminar