terça-feira, 19 de novembro de 2019

SER SOLITÁRIO

Foi talvez no início de 1980 a única vez que vi José Mário Branco atuar ao vivo. Foi no Teatro Aberto, numa tarde de domingo. Falava-se na altura do espetáculo Ser solidário. Devo ter lido alguma crítica no semanário Se7e, cuja leitura não dispensava, por essa altura. O disco foi editado, coisa impensável nos nossos dias, com a participação dos espetadores que quiseram contribuir. E que, claro, tiveram depois direito a um exemplar.

Tenho, curiosamente, imagens muito vivas desse espetáculo, apesar de terem passado quase 40 anos. Recordo-me de José Mário Branco ter cantado a marcha "Qual é a tua, ó meu?", que tinha sido chumbada num concurso promovido pela Câmara Municipal de Lisboa, na altura dirigida pelo Eng. Krus Abecasis. A marcha tinha como estrofes coisas como:

Com tanta Ladra no mundo 

O teu Rato andava à caça 
de Sapadores 
Quanto mais a dor Dafundo 
Menos a gente acha Graça 
Aos ditadores 

ou


Não é possível meter 

Águas Livres numa Bica, 
Como tu queres 
Quem pensa assim, podes crer, 
Campo Grande onde Benfica 
É nos Prazeres

O refrão era:

Qual é a tua, ó meu? 
Andares a dizer "quem manda aqui sou eu"? 
Qual é a tua, ó meu? 
Nesse peditório o pessoal já deu.

Quando acabou de cantar, José Mário Branco fez um ar (falsamente) compungido e disse baixinho: "não sei porque é que não gostaram da minha marchinha...".


Vi-o, algum tempo depois, como ator de uma peça intitulada Cogumelos, no desaparecido Teatro Vasco Santana. Era uma colagem de textos, encenada por Jorge Listopad, em que, às tantas havia uma rábula sobre a conquista de Lisboa, na qual um cabide se transformava em cruz e havia uma procissão. Uma farsa inolvidável.

E agora? Agora, vamos ouvir José Mário Branco. Que foi solidário, solitário e um digno outsider.

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