terça-feira, 31 de março de 2020

O CHARUTO AMERICANO

O meu amigo entrou numa loja de charutos caros, em Nova Iorque. Barba por fazer, vestido com uma t-shirt dos Marretas e com um chapéu do Crocodilo Dundee. Os clientes da loja tinham pinta de executivos, fancy grey suits and all that stuff... A Cohiba, please, ousou pedir. O empregado quase não o deixou fazer o pedido For you is the next store, on the other side of the street. Põe-te a mexer, como nós diríamos por cá. Até podes ter dinheiro, mas não tens pinta para entrar aqui. Como na cena do Pretty woman, em que ela quer comprar roupa e a põem na rua.

O charuto explica muita coisa. Mesmo tendo dinheiro não se está garantido. Sem dinheiro então, no way... Quando o presidente do país mais poderoso do planeta não tem um sistema de saúde público digno desse nome e  diz que esperar 100.000 mortes será um very good job está tudo explicado. A imagem de Los Angeles (não é o Haiti, em baixo, mas sim South Central) dá uma antevisão do que podem ser as próximas semanas. Oxalá me engane. Oxalá mesmo.


segunda-feira, 30 de março de 2020

SIRONI EM MÉRTOLA

Quando era pequeno, detestava os documentários televisivos sobre museus. Todas aquelas salas vazias, todas aquelas estátuas mortas. E a voz do locutor, mais morta que as estátuas. Quando aquilo começava, desligava o televisor. Tal como não gostava de olhas para quadros sem gente. De Chirico fazia-me medo e passava rapidamente a página da "Enciclopédia Verbo Juvenil" onde estava a sua tela.

Ontem à noite, tive de ir ao multibanco. Por ausência de opção, tive mesmo de ir. Foram, ao todo, 300 metros passeando dentro de um quadro de De Chirico ou de Sironi. O mais impressionante foi o silêncio total que desabou sobre Mértola.

Já o silêncio não é de oiro: é de cristal; 
redoma de cristal este silêncio imposto. 
Que lívido museu! Velado, sepulcral. 
Ai de quem se atrever a mostrar bem o rosto! 

Um hálito de medo embaciando o vidrado 
dá-nos um estranho ar de fantasmas ou fetos. 
Na silente armadura, e sobre si fechado, 
ninguém sonha sequer sonhar sonhos completos. 

Tão mal consegue o luar insinuar-se em nós 
que a própria voz do mar segue o risco de um disco... 
Não cessa de tocar; não cessa a sua voz. 
Mas já ninguém pretende exp'rimentar-lhe o risco!

David Mourão-Ferreira

Mario Sironi

domingo, 29 de março de 2020

O BEATÍFICO MUNDO DOS PRIVADOS: PADARIA PORTUGUESA

Não tenho qualquer pequena (ou grande) raiva esquerdista contra a iniciativa privada. Ao contrário, valorizo as iniciativas empresariais. "Agradeço" é que paguem os impostos em Portugal e que não me preguem sermões sobre a portugalidade.

Dito isto, pareceu-me interessante, de início, o conceito da padaria portuguesa. Passei pelos estabelecimentos um par de vezes. Não achei o serviço nada de especial, na lógica fast-food de cafés e pastéis de nata. E não gosto de tratamentos impessoais.

Deixei de entrar nas padarias, depois de uma entrevista ao líder da empresa, onde li coisas como:

Criamos um espírito de equipa que vale muito mais do que a remuneração base.

Fazemos investimento a sério nas pessoas: uma vez por ano juntamos todos os trabalhadores num arraial de verão e fechamos as lojas mais cedo.

Cada vez que nasce um bebé, oferecemos um creme e um babygrow e escrevo um postal de aniversário personalizado a cada um dos trabalhadores.

Lembrei-me de uma conversa tida, há uns anos, com o diretor de um museu nacional, que pediu apoio mecenático a uma determinada empresa. A qual respondeu que todos os anos dava um capaz no Natal às aldeias SOS. A lógica é a mesma. E explica muito coisa portuguesa. Padaria ou não.

sábado, 28 de março de 2020

ZOOM

Foi um recurso muito popular em determinada altura (anos 60, em particular). Nunca gostei especialmente de zooms nem de panorâmicas. Menos ainda, horror!, da prática de alguns cineastas italianos de rematar uma panorâmica com um zoom. Por vezes, justifica-se como forma de acentuar o dramatismo de uma sequência. A maior parte das vezes é dispensável. Resulta melhor, assim me parece, o uso de planos fixos. Ou os planos sequência em que a visão do espectador acompanha, em paralelo, a ação. Como na cena da piscina, de "Nostalgia" (Tarkovsky), que até finaliza com um zoom, mas que ali faz sentido...

A que propósito vem isto? É que, desprezando tanto eu o zoom, agora dependo dele quase em permanência.

Reuniões diárias (duas, três...) via zoom.
Aulas do mestrado dadas por zoom.
Reuniões de um projeto em curso com recurso ao zoom.

Como "zoomar"? https://zoom.us

Travelling em "Taxi driver"

sexta-feira, 27 de março de 2020

A MOURARIA DE MOURA NO "DIÁRIO DO ALENTEJO"

Texto sobre o livro que a pandemia "congelou". Sai hoje no Diário do Alentejo. No meio da pouca normalidade destes dias, a cada minuto se tenta recuperar, tanto quanto possível, um quotidiano que se perdeu. E que, temo, não voltará tão depressa. De qualquer maneira, o trabalho de Carlos Lopes Pereira dá mais um empurrão ao trabalho de investigação em curso, ao divulgar a investigação que tem sido feita.

Moura é tema de outros estudos em curso.“Stvdia Historica & Archaeologica – Ossa Islamica”, anunciado no início deste mês, arranca agora. Mais depressa do se pensava, por força das "limitações físicas" por que passamos.


quinta-feira, 26 de março de 2020

LIVROS, RECLUSÃO, AS CONTAS DO DIA E ROMA!

Enquanto não chega o sol, e ele um dia brilhará para todos nós, vou preparando textos, editando textos, escrevendo, e deitando contas aos dias.

Entre livros se anda. Três estão arrumados, um em fase de "construção" avançada, quatro outros em preparação e com fim à vista. E falta Roma. Outro projeto antigo (data de 2008/2009...) e que um dia se fará. Com texto em português e em latim. Não será exatamente sobre a cidade, mas sobre os reflexos de Roma. O caminho será mais ou menos este:



CUBA E O DETALHE EDITORIAL

O jornal italiano La Reppublica não encontrou melhor forma de ocultar a chegada de médicos cubanos a Itália que atirando a notícia para a secção do estrangeiro (!). Ou seja, a cidade de Crema, na Lombardia, é a estrangeira de si própria. Que seja um país das Caraíbas, alvo do gangsterismo norte-americano e de um bloqueio que dura há décadas, a dar esta ajuda dá que pensar. Temos de esconder com engenho estas coisas, deve ter pensado o editorialista. 

quarta-feira, 25 de março de 2020

A PROPÓSITO DO PERÓXIDO DE HIDROGÉNIO

Houve câmaras que resolveram "desinfetar" as ruas, outras que optaram por não o fazer. E umas vão atrás de outras. E quanto maior é a inexistência de ação, mais visibilidade se dá a estas iniciativas. Supostamente, espalhar uns milhares de litros de peróxido de hidrogénio (ou seja, de água oxigenada) minoraria os efeitos do vírus. Maus tempos estes, em que folclore equivale a estratégia... E em que gesticular dá a ilusão de comando.

Não há nada de mal em regar as ruas com água oxigenada - como me comentava um jovem amigo "só tem efeitos nos orçamentos camarários" - sendo que o perigo, real e bem concreto, é as pessoas acharem que já estão em segurança. Ou seja, que podem sair e andar na rua, porque os espaços públicos foram "desinfetados".

Diz a D.G.S. que estas operações não têm efeito na contenção do contágio de COVID-19. Não sendo eu especialista em temas variados - ao contrário do dr. Nuno Rogeiro e do dr. Paulo Portas - acato as opiniões das entidades oficiais. Recolhi a casa, não saio e confio nas autoridades. E preparo-me para os próximos tempos, que vão ser duros e de grande desafio. O bom, velho capitalismo vai querer tirar partido do que restar.

A Câmara de Mértola não borrifou ruas. Fez bem. Sem ponta de ironia.

POLÍTICA E POESIA

Em tempo de arrumações aparece de tudo um pouco. Como esta memória já longínqua. 2000 foi o Ano Internacional do Livro. Resolvi, enquanto presidente da Assembleia Municipal de Moura, associar o órgão à celebração, lendo no final de cada sessão dois poemas. Foi o bom e o bonito. Houve discreta e generalizada chacota. Indiferente às bocas, segui em frente. Um hábito antigo.

No meio dos papéis, só encontro os poemas lidos em 2001. Mas tenho a certeza de que em 2000 também houve poesia no final das sessões. Recordo, em particular, de estar a ler um e de ouvir os risinhos abafados de Manuel Bravo, primeiro secretário da Assembleia. Era este, de Alexandre O'Neill:

O respeitoso membro de azevedo e silva
nunca perpenetrou nas intenções de elisa
que eram as melhores. Assim tudo ficou
em balbúrdias de língua cabriolas de mão.

Assim ficou tudo até que não.

Azevedo e silva ao volante do mini
vê a elisa a ultrapassá-lo alguns anos depois
e pensa pensa com os seus travões
Ah cabra eram tão puras as minhas intenções

E a elisa passa rindo dentadura aos clarões.



28.2.2001
Aquela triste e leda madrugada - Luís de Camões
Aquela clara madrugada - Manuel Alegre

2.4.2001
Catarina Eufémia - Sophia de Mello Breyner Andresen
Lá do planalto dos altos fornos - Mário Dionísio

13.4.2001
Busque Amor novas artes, novo engenho - Luís de Camões
Ser benfiquista - Manuel Paulino Gomes Júnior

27.06.2001
Barca Bela - Almeida Garrett
Imagem - Sebastião da Gama

29.8.2001
Vês desaparecer o rouxinol? - Joaquim Manuel Magalhães
Nunca ouvi um alentejano cantar sozinho - José Gomes Ferreira

26.9.2001
Estrada de fogo - Fiama Hasse Pais Brandão
Ao sentir tremer o mundo - António Aleixo

14.11.2001
Guerra - Cecília Meireles
Desceu tão de repente o sol - Fernando Pinto do Amaral

Gaspar Melchor de Jovellanos, por Francisco Goya

terça-feira, 24 de março de 2020

DISCOVER ISLAMIC ART

E mais um museu virtual. Este surgiu muito antes da crise. Está em linha há uns 13 anos. O projeto arrancou em 2002 e quase me parece impossível que tenha decorrido todo este tempo. Continua a ser uma interessante base de dados, com muitos pontos de contactos entre museus e coleções de várias partes do mundo. E que inclui várias exposições temáticas.

Ver - http://islamicart.museumwnf.org

segunda-feira, 23 de março de 2020

UNITED COLORS OF GHANA - II

A reclusão dá para pesquisas noturnas. Com surpresa e agrado, tenho vindo a constatar a existência de um grupo interessante de fotógrafos ganeses. Todos muito jovens e muito fora do que poderia esperar. Um deles, Rasharn Agyemang, trabalha no domínio da moda, em Inglaterra. Outros trabalham com telemóvel e pintam depois as fotografias.

As imagens são sempre exuberantes e cheias de luz. Achei graça a esta, pelo pormenor da bandeira.

Ver - http://www.rasharnagyemang.com

COMEÇA A SEMANA

Nestes dias que correm, uma revista humorística espanhola, encerrada há mais de 40 anos, revela-se uma mina inesgotável. El Perich, uma vez mais.

domingo, 22 de março de 2020

A MINHA ILHA DESERTA

Que livros levar? Na verdade, isto foi um pouco às avessas... Que livros trazer para Mértola... Não estou em nenhuma ilha (espero estar um dia, com Trás os Montes a leste e a baía à frente) e, em todo o caso não iria ler para a praia. Pelo menos, livros. Detesto ler livros na praia, com o sol a queimar as páginas, o cheiro ao papel quente, a areia a meter-se entre as folhas.

Desde manhã cedo que estou noutra ilha. Os livros que trouxe marcarão parte dos dias que se seguem - só pequena parte, que há tarefas prioritárias no domínio da comunicação e da conceção de conteúdos -, porque não atiro a toalha ao tapete e me recuso a desistir de trabalhos em curso. Não se concretizam em abril ou em maio? Depois será. Por agora, navego entre catálogos de museus, mais as obras de Idrisi, os estudos sobre o ribat da Arrifana e a poesia de Verlaine, que também dá uma ajuda, por fora.

sábado, 21 de março de 2020

COMEÇA A PRIMAVERA

Começa, sem que nisso se fale. Verlaine, o do absinto, falava-nos do luar. O tom crepuscular da (trucidada pela crítica) encenação de La traviata levou-me de um ponto ao outro. Aquele ar de gazebo tem a ver com o luar.

Clair de lune

Votre âme est un paysage choisi

Que vont charmant masques et bergamasques
Jouant du luth et dansant et quasi
Tristes sous leurs déguisements fantasques.

Tout en chantant sur le mode mineur

L'amour vainqueur et la vie opportune,
Ils n'ont pas l'air de croire à leur bonheur
Et leur chanson se mêle au clair de lune,

Au calme clair de lune triste et beau,

Qui fait rêver les oiseaux dans les arbres
Et sangloter d'extase les jets d'eau,
Les grands jets d'eau sveltes parmi les marbres.


A PAIXÃO DE COSTA (E NOSSA)

Não é que António Costa não soubesse "por onde lhe pegar", como escrevi há dias. Creio, sim, que se hesitou demais, por se recearem o impacto das medidas a tomar. Até aqui se chegar, sem mais remédio e sem outra opção.

Não acredito que haja grandes alternativas. Os tempos que se aproximam dão para tudo, e vai valer tudo. Pequenos oportunistas (das empresas às autarquias, onde isto vai dar para tudo desculpar), pequenas atitudes, ao lado dos atos da mais generosa entrega.

A conferência de imprensa de ontem foi o que não deveria ter sido. A par das afirmações de António Costa, que dão segurança e não escondem os tempos difíceis, temos atitudes como a da prostrada nova ministra. A cada minuto pensei "mas não haverá quem tire aquela criatura dali?".

A Quaresma vai ser prolongada.

sexta-feira, 20 de março de 2020

RAINHAS DO MAR

Dia de repetições aqui do blogue. Duas mulheres geniais, que viveram poucos mas intensos anos: Cecília Meireles (1901-1964) e Margaret Bourke-White (1904-1971).

O REI DO MAR
Muitas velas. Muitos remos.
Âncora é outro falar...
Tempo que navegaremos
não se pode calcular.
Vimos as Plêiades. Vemos
agora a Estrela Polar.
Muitas velas. Muitos remos.
Curta vida. Longo mar.
Por água brava ou serena
deixamos nosso cantar,
vendo a voz como é pequena
sobre o comprimento do ar.
Se alguém ouvir, temos pena:
só cantamos para o mar...
Nem tormenta, nem tormento
nos poderia parar.
(Muitas velas. Muitos remos.
Âncora é outro falar...)
Andamos entre água e vento
procurando o Rei do Mar.

SILVESTRE LACERDA

Nem só de vírus vive o mundo. Aqui se dá conta desta boa notícia. O diretor da Torre do Tombo (o nome não é bem assim, mas torre do tombo é mais bonito), Silvestre Lacerda, na alta roda. Na verdade, sempre lá esteve. Este é só mais um reconhecimento. O lugar a quem tem mérito. E a quem sabe.

quinta-feira, 19 de março de 2020

A SITUAÇÃO ATUAL, RESUMIDA POR EL PERICH

Continuando a usar os desenhos de El Perich, em Hermano Lobo. É mais ou menos isto, e está para durar.

quarta-feira, 18 de março de 2020

ÓPERA NO MET - UMA BORLA POR CONTA DO COVID-19

Conseguir bilhetes na Gulbenkian para assistir às transmissões ao vivo a partir do MET é uma quase impossibilidade. Consegui entradas não mais de seis vezes, nos últimos quatro anos. Com a estranha sensação de, depois de entrar, me sentir muito jovem no meio do público.

Em todo o caso, e tendo em conta o que momento que se vive, decidiu a Matropolitan Opera disponibilizar, em streaming https://www.metopera.org, gravações antigas. Aqui fica o programa:


Tuesday, March 17 – Puccini’s La Bohème (pode ser vista até ao princípio da tarde; há pouco havia 390.000! pessoas conectadas)
Conducted by Nicola Luisotti, starring Angela Gheorghiu and Ramón Vargas. Transmitted live on April 5, 2008.
Wednesday, March 18 – Verdi’s Il Trovatore
Conducted by Marco Armiliato, starring Anna Netrebko, Dolora Zajick, Yonghoon Lee, and Dmitri Hvorostovsky. Transmitted live on October 3, 2015.
Thursday, March 19 – Verdi’s La Traviata
Conducted by Yannick Nézet-Séguin, starring Diana Damrau, Juan Diego Flórez, and Quinn Kelsey. Transmitted live on December 15, 2018.
Friday, March 20 – Donizetti’s La Fille du Régiment
Conducted by Marco Armiliato, starring Natalie Dessay and Juan Diego Flórez. Transmitted live on April 26, 2008.
Saturday, March 21 – Donizetti’s Lucia di Lammermoor
Conducted by Marco Armiliato, starring Anna Netrebko, Piotr Beczała, and Mariusz Kwiecien. Transmitted live on February 7, 2009.
Sunday, March 22 – Tchaikovsky’s Eugene Onegin
Conducted by Valery Gergiev, starring Renée Fleming, Ramón Vargas, and Dmitri Hvorostovsky. Transmitted live on February 24, 2007

Programa para logo à noite.

GOURMET VIRTUAL

Nos últimos dias tem-se multiplicado a divulgação de sites, dando conta da existência de museus virtuais, de visitas à distância a monumentos, de acesso a bibliotecas e a documentos digitalizados etc. Curiosamente, ainda antes da crise, foi o tema de uma das minhas aulas. Os instrumentos de trabalho de que hoje dispomos são um mundo de ficção científica comparado com a realidade de há 30 ou 40 anos. Antigamente-é-que-era-bom? Não me lixem...

Esta "recriação" do mundo, feita à distância, trouxe-me à memória uma cena de um filme dos irmãos Taviani (São Miguel tinha um galo, obra já aqui referida em 6.1.2013). Um prisioneiro faz das horríveis refeições que lhe são servidas pretexto para descrições delirantes, que as transforma em pratos requintados. Um mundo virtual à sua mesa.

terça-feira, 17 de março de 2020

PERICHANDO O DIA

Já por várias vezes tenho aqui referido uma obra-prima do humor que foi a revista "Hermano Lobo". Tinha um lote de colaboradores verdadeiramente geniais. O meu favorito era/é Jaume Perich Escala (El Perich), prematuramente desaparecido. As suas capas, e toda a sua colaboração para a "Hermano Lobo", são um manancial sempre renovado. Tendo em conta os dias que correm, esta capa, de 17 de junho de 1972, é mais que atual.

Toda a revista em http://www.hermanolobodigital.com


segunda-feira, 16 de março de 2020

LEÃO! LEÃO!

Cinquenta anos se passaram, mas o poema está novo. Em dia de espera, com tudo suspenso, deixaláveroqueistodá, enquanto não começa a videoconferência das 15, vou lendo ao Deus dará. O poema é de Vinicius de Moraes (1913-1980), a juba do leão - um colosso em basalto - foi fotografada em Aïn Dara (Síria), num já longínquo outono de 2003.


Leão! Leão! Leão!
Rugindo como o trovão
Deu um pulo, e era uma vez
Um cabritinho montês.

Leão! Leão! Leão!
És o rei da criação

Tua goela é uma fornalha
Teu salto, uma labareda
Tua garra, uma navalha
Cortando a presa na queda.

Leão longe, leão perto
Nas areias do deserto. 
Leão alto, sobranceiro
Junto do despenhadeiro.
Leão na caça diurna
Saindo a correr da furna.
Leão! Leão! Leão!
Foi Deus que te fez ou não?

O salto do tigre é rápido
Como o raio; mas não há
Tigre no mundo que escape
Do salto que o Leão dá.
Não conheço quem defronte
O feroz rinoceronte.
Pois bem, se ele vê o Leão
Foge como um furacão.

Leão se esgueirando, à espera
Da passagem de outra fera...
Vem o tigre; como um dardo
Cai-lhe em cima o leopardo
E enquanto brigam, tranquilo
O leão fica olhando aquilo.
Quando se cansam, o leão
Mata um com cada mão.

Leão! Leão! Leão! 
És o rei da criação!


domingo, 15 de março de 2020

A SEGUNDA MORTE DE VENTURA TERRA

O episódio foi contado por Manuel Rio-Carvalho numa das nossas aulas de Arte Contemporânea, algures em 1984 ou 1985. Um senhor muito rico deixara como uma das últimas vontades ser enterrado com um anel caríssimo, ouro e diamantes, algo assim. Na hora do funeral, os descendentes pragmáticos, mandaram avaliar o anel, preencheram um cheque e meteram-lho na mão. Ao menos, o cruzar o Estige, poderia perguntar ao barqueiro qual a agência onde o poderia descontar.

Não pude deixar de me lembrar deste episódio quando ouvi as justificações do Reitor da Universidade de Lisboa a propósito da alienação do edifício deixado em testamento por Ventura Terra. O arquiteto deixara, generosamente, uma casa no centro de Lisboa, para que os seus rendimentos pudessem ser utilizados em bolsas de estudo para alunos cadenciados. Resolveram agora vender o edifício, argumentando que iria esse dinheiro ser empregue em residências universitárias. O argumento não colhe. Bolsas são uma coisa, residências outra, completamente diferente. É confrangedor constatar como duas instituições não foram capazes de gerir um edifício e de o rentabilizar. Pior, traem duplamente a memória de quem instituiu o legado. Vendem o edifício e deixam que se destrua a lápide que ao legado se referia.


sábado, 14 de março de 2020

MOURA NO "PÚBLICO"

Ou, melhor dizendo, a Mouraria de Moura no "Público". Um texto bonito de Lucinda Canelas falando da minha terra. O ponto de partida foi o livro que está para sair. A reportagem vai além disso e anda em volta da arqueologia, do castelo, da reabilitação urbana, daquilo que a vontade permite concretizar.

Vamos em 31 intermitentes anos de arqueologia no castelo. Com publicações feitas e outras previstas. Mesmo em tempos difíceis como os que correm, a esperança não fica de lado. Nem a combatividade, a que leva as coisas para a frente.

Ora tenham a bondade de ler:

sexta-feira, 13 de março de 2020

UM POUCO DE UM DESNECESSÁRIO AGOSTO EM MARÇO...

O telemóvel diz a hora precisa: 20:38:52. Não é a hora de maior "pico" na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, mas nunca tinha visto o edifício assim. À saída do seminário do Mestrado em Património há sempre alunos e colegas à vista. Ontem, ninguém. O pátio deserto, a Avenida de Berna vazia, a Avenida Lusíada sem carros (!). Subitamente, o País reagiu (levou tempo, mas foi...).

A Faculdade fecha na segunda e só abrirá no final do mês. Acho que será depois, mas isso agora é irrelevante.

Os adiamentos sucedem-se:

12 - adiada reunião na Câmara Municipal de Lisboa
14 - adiada a visita à Lisboa Islâmica
14 - adiado o lançamento de um livro
19 - adiada reunião na Caixa Geral de Depósitos
21 - adiado o concerto no CCB
31 - adiada uma conferência no Gabinete de Estudos Olisiponenses

Creio que não ficará por aqui.

SERÁ QUANDO PUDER SER

Um decisão em dois tempos:

Primeiro (9:10), telefonei ao José Manuel Albardeiro, de "A Planície", pedindo para retirarem a informação do facebook e para não passarem a entrevista que dei à rádio. Objetivamente, a iniciativa não poderia ter lugar.

Segundo (10:00), em conversa rápida com o Jorge Liberato, acertámos os "termos do adiamento". Não se anula, faz-se quando houver condições. Tudo tranquilo, nesse aspeto.

Depois de encerramentos de escolas, e de medidas que afetam bares e restaurantes, seria pouco sensato continuar com esta apresentação.

O livro está impresso. Fica para depois.

quinta-feira, 12 de março de 2020

XLII - CRÓNICAS OLISIPONENSES

Na verdade, deveria dizer amadorense. Foi no subúrbio da cidade grande que isto se passou, em 1978 ou 1979. O protagonista, um mourense de alcunha irreproduzível, emigrou há muito para terras distantes. Direi apenas que era A.

A. trabalhava por turnos e regressava a casa já de madrugada. Devem tê-lo confundido com outra pessoa, foi sempre a convicção dele. Foi por isso que um carro travou ao lado dele e os dois da frente saíram de sopetão. "Vão fazer-me a folha", pensou. Segue a narrativa do sr. A, na primeira pessoa:

"Quando o gajo de trás ía a abrir a porta [eram de metal, e bem pesadas, não como as de hoje], amandei uma pantufada e entalei-lhe a perna. O gajo mandou um berro e ficou aos gritos dentro do carro. Pensei a este já lhe lixei [a palavra não foi bem essa...] a perninha. BOM DIA E BOAS MELHORAS!. Os outros sacam das naifas e pensei 'isto vai dar merda a sério'. De repente, um polícia vira a esquina, levando uma bicicleta ao lado. Os tipos metem-se no carro e abalam a toda a velocidade. Queres saber a melhor disto, Santiago? O polícia vinha ao lado da bicicleta, e não montado nela, porque estava completamente bêbado O meu salvador nem via o caminho".

Bom dia e boas melhoras passou a ser o nosso cumprimento. Hoje "pratico-o" com outro amigo.

quarta-feira, 11 de março de 2020

JARDINS, FLORES E UM POUCO DE LUZ

Coisas do dia, agora que a Primavera quase chega. Há nuvens vindas do Oriente longínqua? Sim, mas pensemos no nosso horizonte. Nos jardins e no mar. Na luz que temos. Para um dia só já não é coisa pouca.

Em todos os jardins hei-de florir,
Em todos beberei a lua cheia,
Quando enfim no meu fim eu possuir
Todas as praias onde o mar ondeia.

Um dia serei eu o mar e a areia,
A tudo quanto existe me hei-de unir,
E o meu sangue arrasta em cada veia
Esse abraço que um dia se há-de abrir.

Então receberei no meu desejo
Todo o fogo que habita na floresta
Conhecido por mim como num beijo.

Então serei o ritmo das paisagens,
A secreta abundância dessa festa
Que eu via prometida nas imagens.

Robert & Sophia aqui pelo blogue.

terça-feira, 10 de março de 2020

LIVRO SOBRE A MOURARIA - DIA 14, EM MOURA

Algum dia teria de ser, depois de vários adiamentos.

Ao final da tarde de sábado, haverá a apresentação de um livro sobre a Mouraria. E mais um pouco de conversa. E um copo ou dois.

No que se refere ao ano de 2020, é o arranque (mais tardio do que gostaria) para um um plano editorial pessoal, que já tem mais duas datas marcadas: 26 de março e 4 de junho.

segunda-feira, 9 de março de 2020

COMO ENTERRAR ALGUÉM...

É uma comédia absolutamente sensacional. Foi realizada pelo veterano Charles Crichton (1910-1999), quando tinha quase 80 anos. Foi, de resto, o seu último trabalho.

Lembrei-me hoje de um diálogo do filme, ao ouvir as declarações de António Oliveira a propósito de uma eventual/hipotética não participação do FCP nas competições europeias do próximo ano. O teor dessas declarações provaria (se tal fosse necessário) o estado a que chegou o futebol pátrio. Todo ele, sem diferença de cores.

A forma como Oliveira enterrou o clube do qual é acionista não é coisa inédita. Há também pessoas que, para ajudar e oferecendo os seus préstimos, ajudam a enterrar os que supostamente querem salvar. Isso acontece a todos os níveis. Do parlamento aos clubes, das empresas às assembleias municipais. Um clássico.

No filme, Wanda trai descaradamente o antigo namorado, a quem era suposto dar cobertura...

Archie: Quando diz cinco para as sete, Menina Gershwitz, como é pode ter tanta certeza?
Wanda: Porque olhei para o relógio. E disse para mim mesma, onde é que o George irá aos cinco para as sete com uma caçadeira de canos serrados? 
Archie: Querida!
Juiz: Sr. Leach, "querida"???
Archie (para o juiz): Sim, querido?
George: Sua puta!



domingo, 8 de março de 2020

ENCINO ÇUPRIOR

Texto publicado neste blogue em 31.7.2010:


O sistema de avaliações em Portugal, ao nível do secundário, faz-me lembrar aqueles instrutores de condução que fazem os possíveis por fazer passar instruendos completamente incapazes (aquilo que, normalmente, se designa como "marreta"). Vai o instrutor e diz: "agora, primeira, aceleraçãozinha, agora uma segunda, atençããããooo ao carro estacionado, não vale bater, um cheirinho de travões, iiissssoooo, mais um toquezinho no acelerador, agora vamos tentar estacionar, pare, agora marcha-atrás, sem arranhar a caixa, gira, gira, gira tudo, ups, já subiu o passeio, não faz mal, pode dizer-se que está estacionado; tá a ver que é fácil? mais um pouco e está no circuito de Jerez a pedir a meças ao Fernando Alonso".
.
As nossas avaliações e o nosso nível de exigência andam pela bitola do instrutor simpático. Ninguém fica a saber nada, mas vai-se progredindo. A nossa Ministra da Educação veio hoje dizer que os chumbos quase nunca são benéficos. Decerto que não. E a OCDE recomenda aos países que reduzam o insucesso e adoptem o modelo nórdico. Não tenho nada contra a ideia, em princípio. Mas duvido que a aplicação dos princípios postos em prática na Escandinávia possam ter sucesso na adaptação à mentalidade mediterrânica. São pequenas coisas que não interessam aos nossos burocratas e aos adoradores de relatórios.
.
Continuo a acreditar que uma parte significativa da questão reside, ainda e sempre, em factores como a exigência, o trabalho árduo e a capacidade de se transmitir aos alunos como se devem organizar para poderem estudar melhor. Tudo isto, desgraçadamente, falha de forma clamorosa. E ao chegar a hora da verdade, não há instrutor simpático que nos valha.



Andamos assim, aos tombos. A última "descoberta":


A realidade, simples e básica, é que a frequência do ensino superior não é uma benesse ou um direito divino. Nem lá está em nome de supostos igualitarismos. Outras realidades, que constatei recentemente:

* O nível médio dos estudantes diminuiu sensivelmente (e não me refiro a questões como o conhecimento das matérias ou o domínio da bibliografia mas, paradoxalmente, a atenção à realidade exterior) ao longo de uma década;

* Há, por turma, um grupo de elite (4 ou 5 muito bons) e depois um "gap" até ao suficiente; não há meio termo.

Recuso-me terminantemente a "facilitar" ou a "simplificar" discursos. A Universidade é exigência e não isso.

sábado, 7 de março de 2020

MANHÃ NO MEDITERRÂNEO

É hoje, é amanhã, é para a semana, depois nunca mais é.

Foi hoje. Assumi o papel de "fotógrafo" e fui acompanhar o treino dos Forcados de Moura. Foi na Herdade do Barroso. Com o S. Pedro e a serra bem à vista e com o Sobral ali a três quilómetros.

Foi uma manhã verdadeiramente extraordinária ("tem que vir a estas coisas mais vezes", dizia ao almoço o Morgadinho), onde deu para perceber o que é a densidade e a seriedade de um treino destes. E o nível de preparação e de coordenação que ser forcado comporta.

Não se foge ao destino. Nem eles, de uma forma. Nem eu, de outra. A meio da tarde, cruzei a Avenida da Salúquia de uma ponta à outra. Passei ao nº. 34.

quinta-feira, 5 de março de 2020

ENFIM, BOLAMA

Parecia uma história sem fim. O livro foi, sucessivamente, anunciado aqui no blogue em:

23.4.2013
12.8.2013
22.3.2015
25.5.2019

A rápida visita a Bolama aconteceu em 2012. O problema não foi a maqueta, nem as fotografias, mas sim o texto. Não gostei da primeira, nem da segunda, nem da terceira versão que tentei fazer. Às 23:08 de hoje ficou terminado o texto. Está muito perto do que gostaria de ter feito. Mas já não retomarei a caminhada. São 5 páginas de texto e 24 fotografias.

Como epígrafe usarei um excerto de Ibn Idhari al-Marrakushi:

“deixaram-no negro e desabitado como a superfície do deserto, tanto que o desconheceram os olhos e o habitaram os corvos”

Próximo passo? Financiar a impressão.

quarta-feira, 4 de março de 2020

BURROS, ELEFANTES E O SR. WELD

Em 2016, uma jovem amiga que estava a estudar no Novo México, andava entusiasmadíssima com a campanha de Bernie Sanders (v. aqui). Eu dizia-lhe que nem sim, nem não, ser este ou aquele não muda questões de fundo. Obama era HOPE e futuro e etc. e entreteve-se a passar oito anos numa agressividade bélica sem limites. As eleições americanas não me aquecem, nem me arrefecem, e vou seguindo aquilo como o circo que é.

No meio disto, só acho mesmo graça ao descaramento de Bill Weld, o outro candidato republicano, de quem ninguém fala. O resultado vai em 859 delegados para Trump contra 1 para Weld. Conseguiu um heróico representante no caucus do Iowa. Sempre tive uma certa queda por outsiders, admito.