sábado, 2 de maio de 2020

DAKTARI

Foi tanta gente "a ter estado" no Largo do Carmo, na tarde de 25 de abril de 1974, que quase fico convencido que a revolução se fez num Parque Eduardo VII à pinha.

A minha recordação do 25 de abril é bem menos "gloriosa". Tinha 10 anos, morava em Queluz e, a meio da manhã, fui sumariamente metido em casa. Onde fiquei a ouvir rádio e a ver o que passava na televisão. António Lobo Antunes descreveria esses momentos, em tom sardónico, muitos anos mais tarde: "O senhor doutor a ligar para o Ministério do Exército e nada, para o Ministério da Defesa e nada, a esquecer o orgulho e a ligar para o major e nada, os ministérios vazios, a secreta vazia, o telefone dos quartéis da Ajuda e do Carmo interrompidos, canções sem moral no rádio, o locutor a garantir que tomaram o aeroporto e a televisão e cercaram a polícia política, que Lisboa lhes pertencia (...)".

A emissão televisiva foi o banal aborrecimento de sempre. Apareceu alguém no écran a assegurar a normalidade. Assim foi. Arrancou com o DAKTARI, uma popular série televisiva americana, supostamente passada no Quénia (daktari quer dizer médico, em swahili). A normalidade foi total. No dia seguinte, uma sexta-feira, a escola preparatória abriu portas, com a monotonia do costume.

Era mais glorioso ter andado em cima dos tanques? Era. Não tinha idade para isso. A minha revolução foi pacata.

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