quarta-feira, 19 de agosto de 2020

HYDRA

Na televisão, passa uma série filmada em Corfu. Creio que é em Corfu, mas não me dei ao trabalho de confirmar. Recuo 14 anos e desemboco em Hydra e no Mosteiro do Profeta Elias, perto da cidade em linha reta, mas lá bem no alto.

Essa é uma memória de Hydra. As outras:

Que éramos bem mais novos (nós 43, a Luísa tinha 9, o Manuel ainda não chegara aos 13);

O porto;

Uma ilha sem carros;

Uma cidade que não é branca de postal turístico;

A árvore no meio da praça;

O restaurante Manolis, cuja dona nos atendia e depois recuava sem nos virar as costas, parecendo que deslizava sobre rodas;

A trovoada medonha que se abateu sobre a ilha;

Um poema de Sophia.

Há na manhã de Hydra uma claridade que é tua
Há nas coisas de Hydra uma concisão visual que é tua
Há nas coisas de Hydra a nitidez que penetra aquilo que é olhado por um deus
Aquilo que o olhar de um deus tornou impetuosamente presente -

Na manhã de Hydra
No café da praça em frente ao cais vi sobre as mesas
Uma disponibilidade transparente e nua
Que te pertence

O teu destino deveria ter passado neste porto
Onde tudo se torna impessoal e livre
Onde tudo é divino como convém ao real


Hydra, Julho de 1970


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