domingo, 11 de abril de 2021

TEMPO DIFUSO

O dia vai claro e limpo, lá fora. Mértola está amena, como sempre. Não há onde ir, nem se deve sair assim à toa. Dias cada vez mais estranhos, e isto ameaça eternizar-se. A preocupação cresce.

Olha-se para fora e daqui a pouco é hora do regresso. Amanhã, sem visitantes, é o dia de maior sossego (ainda maior) no Panteão.

Estamos todos nestes dias um pouco como neste poema de Pessoa:

Começa a ir ser dia

Começa a ir ser dia, 
O céu negro começa, 
Numa menor negrura 
Da sua noite escura, 
A Ter uma cor fria 
Onde a negrura cessa. 

Um negro azul-cinzento 
Emerge vagamente 
De onde o oriente dorme 
Seu tardo sono informe, 
E há um frio sem vento 
Que se ouve e mal se sente. 

Mas eu, o mal-dormido, 
Não sinto noite ou frio, 
Nem sinto vir o dia 
Da solidão vazia. 
Só sinto o indefinido 
Do coração vazio. 

Em vão o dia chega 
Quem não dorme, a quem 
Não tem que ter razão 
Dentro do coração, 
Que quando vive nega 
E quando ama não tem. 

Em vão, em vão, e o céu 
Azula-se de verde 
Acinzentadamente. 
Que é isto que a minha alma sente? 
Nem isto, não, nem eu, 
Na noite que se perde.

Os dias, entre o difuso e o claro, fizeram-me também lembrar esta tela de Luís Noronha da Costa (1942-2020):



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