terça-feira, 1 de março de 2022

SAUDADES DO CINEMA








No outro dei comigo a ter saudades do cinema. Bem entendido, que há salas de cinema em Lisboa. Mas nenhuma tem o esplendor do Império ou do Monumental de outrora. Nenhuma tem a fantástica escadaria desenhada por Cassiano Branco para o Eden. O Império pertence a uma seita, o Monumental foi demolido, o Éden adulterado. Tenho saudades dos écrans gigantes e dos filmes que eram anunciados “no esplendor inigualável dos 70 mm e do som estereofónico total”. Os cinemas são salas onde há filmes, e pouco mais. Os écrans empequeneceram e o próprio cinema se adaptou às plataformas e à televisão, adequando os enquadramentos. A sétima arte tornou-se técnica, cronómetro e cálculo. Os argumentos são peças ao serviço de uma máquina e já quase não se sabe escrever. Há, hoje, na vertente comercial, dois cineastas que sabem escrever (e de que maneira escrevem!): Pedro Almodóvar e Woody Allen. E, no cinema português, o texto que Miguel Gomes escreveu para “Tabu”.

 

Não tenho saudades do “formalismo” de outrora. Nem tenho saudades dos empregados uniformizados, da multidão de empregados nos grandes cinemas, uns que vendiam bilhetes, outros que controlavam as entradas, outros que nos levavam ao lugar (com uma lanterninha para os retardatários) e nos entregavam o programa e a quem era de bom tom dar gorjeta.  Essa parte pequeno-burguesa era à margem do cinema propriamente dito, mas dava às sessões da noite um ar sério e de certa cerimónia.

 

No outro dia fui ver “O bom patrão”. O filme tem um argumento muito bom e toda a história é feita por e para Javier Bardem. Logo no início da sessão (éramos uns 10 espetadores no máximo), entram dois casalinhos munidos de baldes de pipocas. O raio das pipocas. No caso de “O bom patrão” nem foi assim tão dramático, mas imaginem “Morangos silvestres” ou “Aurora” ou “Tokyo monogatari” no meio daquele hediondo scrontch! scrontch!, sem podermos usar um taser nem nada...

 

Sim, nessas alturas tenho saudades de outros cinemas. Daqueles em que o público estava furiosamente silencioso, e em que só ouvíamos a banda sonora e o som da máquina de projetar. E em que se ía ver cinema e não mascar pipocas. Chego a ter saudades da noite em que passou, no Pavilhão Mourense (um espaço ao ar livre já desaparecido), “Catlow”, um filme de cobóis do qual não reza a história. A fita, velha e riscada, partiu-se 14 vezes e o clamor e os assobios foram subindo de tom ao longo da noite.

 

Vejo agora menos filmes, num registo cada vez mais independente. Não perco tempo nem tenho pachorra. A paixão pelo cinema mantém-se. Como naquela noite de 1972, em que fui ver “Patton”, na minha primeira incursão noturna. O filme (já) não é sensacional. Mas a memória que essa noite deixou é inapagável.

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