Conheço muito bem o processo de recuperação do Convento do Carmo.
Foi no dia 10 de julho de 2017, já lá vão cinco anos, que se assinou o protocolo que permitia integrar o convento num programa de apoio e de recuperação, colocando o imóvel ao serviço do turismo.
Eu era presidente da câmara na altura e tive o prazer de ouvir a Secretária de Estado do Turismo, Ana Mendes Godinho (hoje ministra) dizer que Moura foi o primeiro município no País a ter um imóvel incluído no REVIVE. Até então só os edifícios do Poder Central integravam este programa.
Cinco anos já lá vão. Surgiu, entretanto, um investidor. Até aqui nada a dizer. O pior veio depois. Foi desenvolvido um projeto para um hotel de cinco estrelas, que previa a construção de anexos e obras profundas no subsolo. Ao tomar conhecimento do projeto, pensei “isto vai dar problemas”. Porquê? Porque espaços ligados a conventos têm sempre cemitérios, normalmente com muitas centenas de corpos. Estes trabalhos arqueológicos são, por norma, demorados e caros.
Ante uma escavação já longa e dispendiosa, resolveu o investidor recentemente suspender os trabalhos e procurar uma nova solução. O que se passou e o que deveria ter sido feito?
Uma coisa muito simples: evitar movimentos de terras mais complexos em zonas com este grau de sensibilidade. Tenho vários exemplos de projetos em que participei e em que este aspeto foi ultrapassado, cumprindo escrupulosamente a legislação e fazendo com que a arqueologia contribuísse de forma positiva para a valorização de edifícios e de sítios.
O problema não está nos competentes arqueólogos que participaram nas escavações no Carmo. Mas sim na impreparação técnica de decisores políticos que primeiro disparam e depois perguntam. Ou seja, antes de se avançar para um projeto desta dimensão conviria olhar o terreno, estudar as suas condições específicas, consultar os técnicos e só depois decidir. Isto, muito claramente, antes de iniciar qualquer escavação arqueológica. Falando claro, as vereações socialistas tomaram, desde 2018, DECISÕES ERRADAS neste processo. E isso teve /está a ter um custo pesado.
É possível a recuperação de imóveis? Sim.
É desejável que sejam colocados ao serviço do turismo? Sim.
É importante contar com a participação de investidores, do Turismo de Portugal e da autarquia? Claro que sim.
Tudo isso é possível e necessário. Mas isso não se faz somando erros sobre erros e vindo depois dizer “a culpa é da arqueologia”. Não é, senhor presidente da câmara. A culpa é sua. A verdade é essa e não vale a pena querer ocultá-la detrás de fantasmas.
Leciono, na Universidade Nova de Lisboa, um seminário de mestrado que tem por título “Gestão e Proteção do Património Arqueológico”. O caso do Convento do Carmo vai ser dado aos alunos como exemplo do que não deve ser feito.
Texto publicado hoje em "A Planície"
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