A perda de importância militares das localidades fronteiriças trouxe consigo, em especial a partir de meados do século XIX, o generalizado abandono das fortificações. Muralhas e atalaias, quartéis ou estruturas de apoio forma caindo no esquecimento. Uma má prática do Estado, que as crónicas dificuldades financeiras do País agudizaram e um generalizado desinteresse no Património tornaram mais evidente.
A expansão urbana das povoações de maior dimensão – como Moura – levou à destruição de muralhas para permitir a abertura de novas ruas. Ou, como no caso extremo da nossa terra, a muralha islâmica foi, quase toda!, destruída, para dela se extrair salitre, necessário ao fabrico da pólvora. Agora digam lá que reciclar é sempre boa ideia...
Há muitos anos, ao consultar o imprescindível Tombo da Villa de Moura, no nosso arquivo municipal, deparei com um texto de 2 de março de 1535, no qual se autorizava o fidalgo Jerónimo Correia a tapar parte da muralha do castelo.
Quem dava a autorização? O Infante D. Luís, Duque de Beja (1506-1555), segundo filho de D. Manuel e da sua segunda mulher, D. Maria de Aragão. E o que diz o texto, em concreto? Que era dada autorização a Jerónimo Correia para que pudesse “tapar a barbacã da torre quanto diz com a frontaria das suas casas, que estão pegadas com o muro, e plantar nelas árvores; quando for necessário defender a fortaleza, se desocupará a dita barbacã e se lhe dará serventia, sem impedimento; e também dará [serventia] para o povo ver correr os toiros como até agora fazem e para isso fará portas, que depois se encerrarão”. Atualizei o português, naturalmente, para mais fácil compreensão.
O alvará do infante D. Luís tem, a vários níveis, informações relevantes:
· A barbacã [muro mais baixo em frente ao muro principal do castelo] já não tinha utilidade, o que permitia que fosse desativada e lhe fosse dada uma nova função;
· Como a vila tinha crescido em direção a sul, uma parte da muralha, que corresponde ao espaço hoje ocupado pela “Casa das Nunes” e por edifícios municipais, perdera importância em termos militares;
· Ou seja, é provável que correspondesse a um edifício situado algures nessa área a referência feita no texto de 1535;
· A privatização de muralhas e de espaços públicos estava longe ser uma situação inédita, mas esta contratualização tem dados curiosos;
· Em primeiro lugar, a autorização para plantar árvores, estando associado a este acordo a obrigação de desocupar o espaço [Jerónimo Correia sabia perfeitamente que isso não iria acontecer];
· Em segundo lugar, assume-se que há um uso misto do espaço e que a população continuará a usar a barbacã para ver correr os touros;
· Em terceiro lugar, iriam ser construídas portas: por um lado para que o espaço não ficasse sempre aberto, por outro para impedir que o fidalgo o entaipasse, ficando dele pleno proprietário...
No desenho de Duarte Darmas, feito cerca de 1510, vemos, da esquerda para a direita, o Convento do Carmo, a barbacã com árvores e a Santa Comba. Não me custa admitir que fosse essa a zona onde Jerónimo Correia tinha as suas casas. O mesmo é dizer que era aí, na esplanada em frente à Santa Comba, que se corriam os touros, para gáudio da população. Não dá para se dizer que foi a primeira praça de touros de Moura, mas dá para ver que há tradições que são antigas e que vêm de muito longe.
Pequenas histórias de uma grande terra.
Crónica em "A Planície".
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