sexta-feira, 13 de março de 2009

VERNISSAGE

O sítio é magnífico. O Palácio do Conde de Óbidos, obra do século XVIII, fica sobre o Tejo. Tem salas amplas, que estão forradas a azulejos. Chão de madeira e janelas rasgadas para o rio.

Naquela tarde, inaugurava-se uma exposição de pintura. Havia gravatas e penteados, maquilhagens e laca. O escalão etário era avançado. Quando cheguei e percorri as salas com vagar, o bruá das conversas sobrepunha-se ao som das pinturas. Às tantas, dei com um quadro de 1981. O tema era as caravelas. Parei, agitado por um breve arrepio. Era uma pintura que eu tinha fotografado e pintado na altura da sua primeira apresentação pública, há já muitos anos. Pouca gente via os quadros. O momento era social. Grupos de três, quatro pessoas, conversavam. De vez em quando uma pessoa trocava de grupo, numa espécie de minueto social. Saí para a varanda, quase chocando com o extraordinário penteado do Presidente do Supremo Tribunal.
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Subitamente, entra uma ex-primeira-dama. Foi um momento interessante e que me fez vir à memória a descrição de Procópio de Cesareia sobre a entrada do imperador Justiniano na Hagia Sophia. A ex-primeira-dama trazia séquito. Um largo séquito. O qual só contribuiu para aumentar o bruá.
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Refizeram-se os grupos. Continuou o minueto.
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Depois, vieram os discursos. O Presidente da Casa discursou e a ex-primeira-dama (fingindo surpresa, "meu Deus, não estava nada preparada para isto" etc.) leu um poema. E até leu bem. Palmas formais, um segundo de silêncio, seguido de mais bruá e de mais minueto.
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Diga-se, e sublinhe-se, que as pinturas são uma digna homenagem ao artista Moita Macedo. E ao empenhamento com que a família, e em especial o filho Paulo, tem conservado e divulgado o seu magnífico espólio.
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Saí pouco depois. Feliz por ali ter estado e por ter reencontrado tantos quadros que vi noutros dias e noutros locais.

José Albano Pontes Santos Moita Morais de Macedo nasce a 17 de Outubro de 1930 em Benfica do Ribatejo. Em 1963 conhece Almada Negreiros na Cooperativa Gravura, a qual frequenta durante dois anos. Com Almada estuda e faz as primeiras experiências em gravura riscada sobre o vidro. Em 1965 conhece Artur Bual, o qual viria a influenciar a sua pintura. Em 1972 e 1973 ilustra as capas de livros de Miguel Barbosa O Irineu do Morro e Mulher Macumba, publicados em Portugal e no Brasil. Entre 1972 e 1974 dirige as Galerias Futura e Opinião. Entre 1979 e 1983 impulsionou as exposições de Pintura na Codilivro. Em 1980 organiza conjuntamente com Artur Bual e Francisco Simões a exposição Viagem ao Mundo da Linha, da Forma e da Cor a qual representou uma nova forma de expor arte, alargando o seu conceito. Em 18 de Maio de 1983, morre em Lisboa. in http://www.moitamacedo.pt/

Homem solidário, grande desenhador e pintor, Moita Macedo foi para mim um exemplo de generosidade, empenhamento e cultura. Quando ele faleceu, estava eu a meio da licenciatura em História da Arte. Já não pude, pois, contar-lhe em que medida e de forma me influenciou fases de percurso que se seguiu.

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